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O Japão Moderno

1.12. Ocupação Japonesa na Coréia

Apesar de os coreanos terem o seu status atual marginalizado na sociedade japonesa, algumas décadas atrás, eles foram súditos japoneses e considerados como um grupo de pessoas que compartilhavam a cultura comum e uma ascendência comum com os japoneses até o final da Segunda Guerra Mundial. Afirmava-se que a família real coreana tinha conexões com a aristocracia japonesa12. Assim, “a reunião de dois irmãos separados por um longo tempo” (PEATTIE 1984:109) justificou a anexação da Coréia à área imperial. Para

SUZUKI (2003:5), essa idéia é fundamental para esclarecer como o Estado ou a elite

governante estabeleceu sua dominação através da racialização.

Diminuída a competição russa e chinesa na Coréia, o Japão anexou completamente a Península Coreana em 1910, sem protesto de nenhum país ocidental. Mesmo tardiamente, em geral foi aceito no Ocidente que as nações fortes e avançadas tinham o direito de governar sobre as terras mais fracas e atrasadas para o bem das colônias assim como em benefício dos colonizadores. Na Coréia, e também em Taiwan (ou Formosa, anexada em 1895), o Japão empreendeu um programa ambicioso de desenvolvimento econômico e de exploração, trazendo ferrovias, sistemas escolares, fábricas e outros aspectos visíveis do mundo moderno para essas terras. Os treze milhões de coreanos e três milhões de

12 Esse mesmo discurso também foi aplicado à Manchúria: “Pu Yi , seu Imperador, foi designado como um descendente de Amaterasu (a Deusa Sol, do mito de origem do Japão). Ele tanto foi o Imperador do Manchukuo como também o irmão mais novo do Imperador Shōwa do Japão” (MCCORMACK 2004b)

taiwaneses (OGUMA 1995), contudo, foram subjugados ao governo repressivo de uma

administração colonial eficiente mas cruel com uma polícia onipresente e sempre brutal. Quando a Guerra Russa-Japonesa estourou em 1904, as Forças Armadas japonesas já tinham assegurado a Coréia. Uma vez que as influências chinesa e russa foram removidas da Península, os coreanos falharam em montar qualquer resistência nacional coesa contra a tomada japonesa. Isso tomou forma, inicialmente, de conversão a um status de Protetorado (1905) e depois como Anexação (1910).

Ao focar na política colonial do Japão em relação aos coreanos, Suzuki (2003) nos mostra como o Estado japonês mobilizou vários significados raciais e ideológicos para rearticular as fronteiras raciais. Ao fazer isso, a autora argumentou então que o Estado estava profundamente envolvido na racialização ao fabricar e autorizar as “diferenças” e “semelhanças” entre os grupos dominante e minoritário.

O Império Japonês adotou uma linha assimilacionista para integrar o povo colonizado. A criação de um império teria começado com a dominação sobre os países vizinhos ao Japão, no Nordeste Asiático. As afinidades de raça e cultura entre os japoneses e os seus colonizados (exceto os das Ilhas do Sul do Pacífico), tornaram possível a idéia de que o colonizador e o colonizado pudessem se fundir e tivessem a mesma identificação dentro dos territórios coloniais japoneses. Esse conceito cristalizado na doutrina dōka 同化 [assimilação] veio a ser a agenda central nas políticas coloniais japonesas (PEATTIE

1984:96).

De acordo com PEATTIE (1984), há pelo menos quatro motivos que levaram o Japão

à idéia de assimilação:

(1) A formulação mais fácil é a de que dōbun dōshu 同文同種 – mesma cultura, mesma raça – representa afinidades raciais e culturais com a região oriental.

(2) Mas mais importante, a assimilação do Japão foi formulada por “um tom fortemente moralista, derivado da tradição confucionista chinesa e se expressou em uma frase repetida ad nauseam: “isshi dōjin” 一視同仁 [“imparcialidade e fraternidade”]. Isso implica dizer que os japoneses e a população nativa deveriam ser tratados igualmente, sujeitos à mesma obrigação e investidos com os mesmos direitos dentro dos territórios coloniais sob a vontade imperial.

(3) O conceito de ‘kazoku kokka’ 家族 国家 [ ‘Estado-família’ ] é central no sentido de criar um pertencimento inclusivo ao Estado. O imperador japonês foi considerado o chefe do Yamato minzoku 大和 民族 [raça japonesa] e do Estado, e essa ligação mitológica13 entre a origem da raça japonesa e a casa imperial poderia se expandir para fora para incluir os povos colonizados sob a dominação japonesa. Em outras palavras, as populações recém-incluídas poderiam se tornar filhos da família imperial ou kōmin

公民 .

(4) Finalmente há uma crença baseada em exemplos semimíticos e factuais, de que o povo japonês tem uma capacidade histórica para assimilar o povo e as idéias estrangeiras. Por exemplo, a emergência da raça Yamato, a adoção da cultura chinesa nos tempos antigos e a importação das tecnologias e instituições ocidentais no período moderno (ibid:97 apud SUZUKI 2003:12).

Contudo, a linha assimilacionista nipônica não teve sucesso precisamente por causa da crença na singularidade e superioridade racial japonesa entre os administradores japoneses (CHUNG & TIPTON 1997:169 apud Ibid:12). Segundo Michael WEINER (1994:21-

24), “uma idéia central que norteou o Imperialismo Japonês foi a noção de que os coreanos e outros povos asiáticos eram de alguma maneira inferiores”. A peculiaridade da linha assimilacionista japonesa pode ser a aculturação extremamente forçada (a japonização) sem nenhuma promessa de igualdade política e social. Os súditos coloniais japoneses sofreram dessa contradição inerente ao sistema imperial nipônico (SUZUKI 2003:12).

Embora os modelos europeus dessem algumas idéias para implementar o controle colonial aos oficiais do Estado japonês, eles não seguiram simplesmente esses modelos. De um modo geral, a “assimilação” permitia que os grupos minoritários gozassem dos mesmos privilégios institucionais que o grupo dominante sob o custo da assimilação cultural. A natureza distinta do tipo japonês de assimilação é o artifício de uma política assimilacionista de dupla face. Por um lado, eles forçaram a assimilação dos colonizados e os “japonizaram” em nível cultural. Por outro lado, deixaram clara a distinção entre os japoneses de primeira classe e os de segunda classe, mobilizando a niponicidade que é

13

Veja em detalhes sobre a mitologia de origem do Japão e a sua relação com o sistema imperial na primeira parte deste capítulo.

medida pela “raça”, “etnicidade” e “cultura” e legitima a hierarquia entre os seus súditos no ambito sócio-estrutural. A lógica desse modo de dominação implicitamente mobiliza a supremacia dos brancos para esconder os mecanismos de classificar as pessoas. Já o conceito de japonização colonial explicitamente mobiliza a supremacia da niponicidade para autorizar o mecanismo de classificação dos súditos. Ao deixar clara a distinção na assimilação entre o nível cultural e o nível sócio-estrutural, o povo colonizado é estratificado no âmbito sócio-estrutural enquanto eles conservam a uniformidade cultural (YAMANAKA 1993:106 apud Ibid:14).

Pode-se argumentar que a assimilação legal-institucional e a assimilação cultural podem ser claramente separadas. Na realidade, muitas questões de assimilação estão nas fronteiras entre elas, tais como o uso da língua oficial, casamento inter-racial (internacional) e convergência religiosa (OGUMA 1998:648). Contudo, conceituar a

assimilação em duas dimensões diferentes, como tal, é útil para entender a natureza da política assimilacionista japonesa. A assimilação legal-institucional busca a extensão de leis e instituições de um suzerano para as colônias e é sempre associada com a equalização de direitos e deveres entre os súditos em algum grau. A assimilação cultural é para aculturar o colonizado para a cultura do colonizador através da educação e para inculcar em seus colonizados a identificação com o seu suzerano (SUZUKI 2003:16).

A política assimilacionista cultural do Japão tem algumas características que a diferencia da dos países europeus.

Primeiro, na Europa, o projeto de assimilação cultural “civilizou” a população colonizada ao disseminar a cultura ocidental. Havia uma forte convicção por parte dos colonizadores de que sua cultura era superior à do colonizado e assim havia missões para esclarecer e civilizar os colonizados. No controle da Coréia pelo Japão, a assimilação cultural estava intimamente relacionada com a manutenção da seguridade nacional contra as ameaças das Potências Ocidentais. O conceito de ‘kazoku kokka kan’ 家族 国家 感 – a visão do Estado japonês enquanto uma família – no qual o imperador seria o pai de todos os súditos em seus territórios, promoveu não apenas a aculturação mas também forçou a assimilação “espiritual” do colonizado, ao demandar lealdade e fidelidade ao imperador.

Segundo, diferentemente das potências coloniais européias, o Japão enfatizou a afinidade cultural e racial com o colonizado. Alguns intelectuais achavam que a aculturação

e assimilação espiritual iriam eliminar as diferenças étnicas. Eles acreditavam que os coreanos seriam “não inteiramente japoneses, mas capazes de se tornarem japoneses” (PEATTIE 1984:40). Hannah ARENDT (2004 [1949]: 254) distingue entre o imperialismo de

‘ultramar’ (territórios coloniais separados geograficamente e racialmente) e o imperialismo ‘continental’ (em que há maior continuidade geográfica e racial). Nas suas palavras, “O imperialismo continental é mais importante quando comparado com o imperialismo de ultramar, porque o seu conceito de expansão é amalgamador, eliminando qualquer distância geográfica entre os métodos e instituições do colonizador e os do colonizado, de modo que não foi preciso haver efeito de bumerangue para que as suas conseqüências fossem sentidas em toda a Europa”. Nesses termos, os colonizadores japoneses foram distintamente mais asiáticos: havia uma “orientação continental” enfatizando as aparentes afinidades raciais e culturais entre os japoneses e seus súditos coloniais asiáticos orientais.

Enquanto os governos coloniais bradavam alto sobre a fusão dos japoneses e populações nativas sob o slogan “isshi dōjin” 一視 同仁 [‘imparcialidade e fraternidade’], um ambiente ideal de colonialismo japonês nunca foi pensado dentro do império. Os sentimentos de superioridade dos colonizadores japoneses eram impedimentos insuperáveis a qualquer incorporação verdadeira das duas populações. Enquanto retórica, isshi dōjin era um conceito muito útil para o colonizador exatamente pela nebulosidade do seu significado. A sua natureza de permitir várias interpretações era muito conveniente para “objetivo político discrepante” (PEATTIE 1984:98). Enquanto em um extremo, esse conceito abarca o

pensamento mais liberal em que enfatiza os direitos iguais para todas as populações de todo o Império, num outro extremo, isso poderia levar às medidas mais opressivas que enfatizam a obrigação igual ou maior dos colonizados. Assim, a imprecisão do conceito mítico do isshi dōjin que era central à doutrina assimilacionista foi interpretada de formas diferentes por pessoas diferentes e abarcava as percepções e políticas contraditórias. Sem dúvida, a assimilação em qualquer situação colonial é sempre unidirecional para mudar a raça ‘inferior’ (o colonizado) pela raça ‘superior’ (o colonizador) (SUZUKI 2003:17).

Desde os meados dos anos 1930, na etapa final do colonialismo japonês, a assimilação tomou a forma extremada de japonização das populações colonizadas. Essa política objetivava transformar os colonizados em súditos imperiais (kōmin 皇民 ) e se centrou no inculcar de um senso de obrigação ao imperador japonês. A imperialização foi

santificada pelo controle social e mobilização de recursos humanos para a guerra do Japão contra a China. Dessa maneira, esse movimento opressivo foi particularmente intenso na Coréia, que é vizinha da China. No sentido de instilar lealdade ao imperador japonês, a imperialização envolveu uma intensa assimilação “espiritual” do colonizado na qual o governo japonês tentou adotar um compromisso público “voluntário” para as obrigações dos tempos de guerra, para acelerar a difusão da língua japonesa em todo o território colonizado e abolir os estilos culturais nativos (PEATTIE 1984:121 apud Ibid:18). Sob o slogan de “naisen ittai” 内線一体 [o Japão e a Coréia como um só corpo], o movimento de imperialização – kōmin-ka [ 皇民化 ] – foi implementado em quase todos os aspectos da vida no Japão metropolitano e nas suas colônias. As políticas de assimilação colonial em relação aos coreanos foram vagamente definidas desde o princípio do governo japonês. Ainda, as políticas de imperialização tinham um objetivo muito claro: nunca se pretendeu estender os direitos políticos e sociais aos colonizados.

OGUMA (1995) notou que o Império Japonês pré-guerra era multirracial e que

depois da anexação de Taiwan em 1895 e da Coréia em 1910, 30% dos súditos do Imperador japonês eram “não-japoneses”. Embora houvesse uma crítica extensa ao mito da homogeneidade étnica, não havia nenhuma documentação que mostrasse como e quando ele surgiu. Para o autor, as análises críticas assumiram que isso se tornou parte da ideologia estatal durante o período Meiji, mas esse assunto é falso: o império japonês não foi apenas multirracial, mas foi percebido como tal pelos japoneses (ASKEW 2001).

Em seu livro “Tan’itsu Minzoku Shinwa no Kigen” 単一 民族 神話 の 起源 [ A Origem do Mito da Homogeneidade Étnica], OGUMA (1995) examina a origem dessa auto-

imagem dominante do japonês e analisa sua função sociológica, investigando a genealogia da auto-identidade daquelas pessoas que se vêem (e geralmente são vistas) como “japoneses”. Os japoneses viam sua nação como multirracial no período pré-guerra, quando as teorias argumentavam contra a homogeneidade étnica. Para tal, ele analisa os debates sobre as origens e a composição da nação japonesa e as atitudes para com as minorias étnicas no Japão. Oguma traça as mudanças históricas e analisa as percepções do ‘Eu’ e dos ‘Outros’ como foram reveladas em várias discussões sobre a nação japonesa. No seu exame sobre o nascimento das teorias da nação japonesa até os anos 1880, ele mapeou a emergência da teoria das “nações mistas” kongō minzoku 混合 民族. Nessa teoria, os

japoneses eram formados por uma “mistura” de vários povos asiáticos, ou dos habitantes originais das ilhas japonesas (como os Ainu ou um povo que desapareceu posteriormente) e um povo conquistador que chegou depois. Essa visão foi acalentadamente disputada pelos nacionalistas que argumentavam que a consangüinidade da nação japonesa era contínua desde os tempos imemoriais e defendia uma teoria da homogeneidade étnica. Todas as teorias subseqüentes, afirma Oguma, são variações dessas duas idéias opostas principais (ASKEW 2001). Essas duas posições básicas ainda formam o núcleo do debate contemporâneo no Japão sobre as origens da nação. Por exemplo, FUKUOKA (1997:4) afirma que “embora a questão do sangue ou raça seja uma questão delicada no Japão, os registros históricos revelam claramente que vários povos vieram morar no arquipélago japonês. Eles vieram da Península Coreana, do Continente Chinês e de outros lugares longínquos. O “japonês puro” é na verdade uma mistura desses diferentes povos. Em outras palavras, o Japão é, em um sentido mais real, um protótipo de uma sociedade multirracial”14.

Em relação às mudanças nas teorias da nação japonesa desde o período Meiji até o Japão pós-guerra, Oguma argumenta que o período pré-guerra foi dominado por uma crença de que o Japão era um Estado multiétnico e que foi apenas depois do final da guerra que o mito da etnicidade homogênea se enraizou. Isso foi num tempo quando um número de não-japoneses morava dentro das fronteiras do Japão. Mas, de repente, em 1945, quando o Japão foi derrotado na Segunda Guerra Mundial, foi despojado de seu império e, por sua vez, também da sua diversidade étnica. Ao delinear as “fronteiras” do “japonês”, OGUMA

(1998) afirma que essas minorias têm sido tratadas e definidas diferentemente, refletindo as mudanças no interesse nacional como definido pelo governo da época. Quando era necessário, as minorias eram definidas como japonesas e assimiladas. Quando não era necessário, elas eram rejeitadas como não-japonesas. O conceito de ser japonês – a fronteira entre os japoneses e não-japoneses – tem mudado, e o exame do “tipo” de pessoas localizadas na periferia do Japão – geograficamente e socialmente – pode iluminar as questões centrais da identidade japonesa a partir do ponto de vista da periferia (ASKEW

2001).

14 Veja também F

Analisando um grande volume de escritos, em seu outro livro “Nihonjin” no Kyōkai “日本人”の境界 [As Fronteiras do “Japonês”], OGUMA (1998) dividiu o debate no Japão

em dois campos básicos. Um de ‘assimilacionistas’, que consideravam a periferia como parte de um conceito expandido de japonês e tratavam as colônias como parte da nação. O outro grupo é composto por ‘não-assimiacionistas’, que viam a periferia como colônias não-japonesas que estariam fora de um conceito estável de nação e estabeleciam uma linha divisória entre o japonês e as colônias não-japonesas. Uma das ironias da História Moderna do Japão é que a assimilação era defendida por membros igualitaristas do iluminismo japonês. Isso justificou um ataque em grande escala contra as tradições e costumes locais, enquanto que os evolucionistas sociais racistas argumentavam a favor de uma forma de baixo custo de governo colonial que acarretava necessariamente autonomia local e respeito por costumes locais. Exemplos do primeiro grupo inclui UME Kenjirō 梅 謙次郎 (1860- 1910), que argumentou a favor de tratamento e direitos iguais e outros autores como FUKUZAWA Yukichi 福沢 諭吉 (1834-1901) e HOZUMI Yatsuka 穂積 八束 (1860-1912), que defendiam a assimilação sem um reconhecimento de direitos iguais. O segundo grupo incluía autores como TŌGŌ Minoru 東郷 実 (1890-1962).

O debate sobre identidade nacional pode ser relacionado com o grande temor japonês pelas potências ocidentais e a ansiedade do Japão que também poderia ser conquistado e colonizado. Esses sentimentos tinham um papel crucial na formatação da política colonial japonesa, levando o Japão a ignorar o custo econômico da administração colonial, dando um grande peso à defesa e enfatizando a importância em ganhar a lealdade dos residentes nas suas colônias. Isso explica as políticas assimilacionistas japonesas – embora elas tenham iniciado uma grande inquietação nas colônias, o Japão não estava confiante o suficiente para permitir que os povos colonizados mantivessem suas línguas e culturas. Mais do que isso, nas palavras do autor: “no sentido de resolver sua falta de auto- confiança e sua ansiedade, o Japão sentiu que não tinha outra escolha se não fazer as pessoas que colonizaram mostrar seu amor e lealdade dedicada através de auto-sacrifícios. Essa mentalidade nada mais é do que sadismo” (OGUMA 1998:630 apud ASKEW 2001). Além de tudo, o Japão era diferente de outras potências imperialistas não apenas por sua entrada tardia no imperialismo, mas também porque ele se mobilizou nas regiões próximas. Bem diferente dos britânicos na África, o Japão se atormentava ao questionar como trataria

tais regiões como parte do Japão. A assimilação se tornou uma dessas características do imperialismo japonês que se estendeu a Okinawa, por exemplo, que é frequentemente visto hoje como meramente uma outra parte do Japão.15

O caso de Okinawa mostra bem essa contradição inerente ao processo de japonização. TOMIYAMA (2005) questiona o que é ser “japonês” quando se é colonizado

pelos japoneses. A condição em comum de colonizado dentro do império japonês nos ajuda a refletir sobre as conseqüentes implicações do imperialismo japonês marcado pela violência e abuso, que respingam até os dias de hoje nas populações colonizadas como os coreanos, taiwaneses, chineses e okinawanos. Tomiyama afirma que os “japoneses” são “uma comunidade do esquecimento”, referindo-se a Ernest RENAN (1990), assim como um discurso que requer o esquecimento para vir a ser. O que é preciso esquecer? Nada mais do que as regiões e a violência do imperialismo. A maior armadilha da análise do discurso está em achar que o poder opera exclusivamente através do discurso, atenta o autor. Contudo, não é o discurso, mas antes, o aparato estatal da violência que é militar, que realizou os processos de invasão tão consistentemente conduzidos pelo Estado imperial contra os colonizados. Os primeiros que vieram a ser “japoneses” nessas áreas de violência são os esquecidos pela violência do imperialismo. Além disso, o Outro que é inaugurado junto com o “japonês”, não é apenas um ‘Outro’ em termos culturais e sociais, mas também nas relações mediadas pelo Estado (BALIBAR 1991a:15). Se considerarmos as verdadeiras cenas

do Imperialismo, que vão além do discurso do “japonês”, é necessário examinar “o povo japonês” nesses cenários violentos, mais do que a visão dos intelectuais de “japonês”, assim como os discursos estruturados sobre os “japoneses”. A agressão de guerra na Ásia Oriental e a vida familiar de “harmonia amistosa” se dão juntos com o processo de se tornar “japonês”. O forte desejo cotidiano de se tornar “japonês” resulta no exercício da violência sobre os outros. Em relação a isso há dois pontos: (1) é na vida cotidiana onde alguém realmente se torna “um japonês”. (2) O outro está relacionado com este processo de se tornar um ‘japonês’. É, portanto, na vida cotidiana que acontece a mobilização para a invasão violenta dos outros e é preciso estar atento às realidades concretas do Imperialismo que não podem ser explicadas dentro de uma “comunidade de esquecimento”. Uma vez que

essa violência precisa ser esquecida, ela é silenciada. Contudo, silêncio não é esquecimento, mas sim uma memória internalizada, atenta TOMIYAMA (2005).

Durante o período de guerra, a febre ultranacionalista dentro do próprio Japão ecoou na natureza fanática do movimento imperialista nas colônias, segue SUZUKI (2003:18). No dia 02 de outubro de 1937, MINAMI Jirō 南次郎, o governador geral japonês da Coréia

(1936-42), introduziu o “Juramento dos Súditos da Nação Imperial” – 工区億臣民の誓紙 kōkuoku shinmin no seishi. Este juramento tinha duas versões: uma para adultos e outra para crianças. Por exemplo, como tarefa matutina diária na escola, as crianças recitavam as