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O Japão Moderno

3.5. A Presença Americana no Japão Pós-Guerra

O final da Segunda Guerra Mundial marcou o início da História Contemporânea Japonesa.51 Depois da derrota em 1945, o país estava economicamente devastado e o seu povo desmoralizado. Durante os seis anos seguintes de Ocupação Americana, sistemas, valores e ideologias democráticas foram difundidos nas instituições políticas, econômicas, educacionais e sociais japonesas. Uma nova Constituição foi implementada em 1947 que garantiu a liberdade de expressão, religião e associação, além dos valores de liberdade civil como o direito a voto, tanto aos homens quanto às mulheres.

As reformas feitas durante a ocupação americana incluíram: [1] a dissolução de grandes corporações baseadas no ‘sistema de família’ chamadas de 財閥 [zaibatsu] ; [2] a autorização de trabalhadores para organizar sindicatos; [3] separação do Estado da religião xintoísta; [4] reforma educacional e [5] a implementação de reformas agrícolas como redistribuição de terras (NAKAO 1998).

Durante a ocupação militar do arquipélago japonês entre 1945 e 1952, os Estados Unidos trataram o seu inimigo com uma combinação de firmeza política e tolerância econômica, impondo ao país derrotado um sistema político democrático e uma constituição em que renunciaria à guerra e ao desenvolvimento bélico. Assim, a ocupação americana baniu as ameaças do militarismo japonês que afligiu a Ásia Oriental durante décadas. Mas por aquiescência ativamente encorajada, a ‘recuperação econômica do Japão’, os Estados Unidos entraram num processo em que o seu inimigo de até então se tornou o seu maior competidor comercial e financeiro no mundo.

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Em relação à divisão periódica, os historiadores consideram como início do “Período Contemporâneo” a partir da ‘Revolução Francesa’ (1789). Este acontecimento histórico alterou o quadro político e social da França, envolvendo o Antigo Regime e a autoridade do clero e da nobreza. Os ideais do Iluminismo e da Independência Americana (1776) influenciaram muito e nortearam o rumo da Revolução Francesa. Ela aboliu a servidão e os direitos feudais e proclamou os princípios universais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Já no que se refere ao Japão, muitos estudiosos de sua sociedade e cultura têm adotado o “Período Contemporâneo” na História Japonesa, a partir da derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial. Consoante, nesta tese adotou-se o período pós-guerra, isto é, a partir de 1945, o início do “Período Contemporâneo Japonês”.

Os Estados Unidos contribuíram com a recuperação econômica japonesa depois da Segunda Guerra Mundial no contexto da emergência da Guerra Fria na Ásia. O confronto soviético-americano na Europa no final dos anos 1940 fez a administração de Truman reconsiderar e até mesmo reverter a severa política de ocupação na Ásia, temendo que o Japão militarmente vulnerável e economicamente fraco se tornasse alvo da intimidação soviética uma vez que a ocupação americana fosse retirada. Assim, em 1948-49 os Estados Unidos retiraram todas as restrições sobre a recuperação econômica japonesa, detiveram a requisição de equipamento capital para reparações, abandonaram planos para a descentralização forçada da indústria japonesa e começaram a fornecer assistência financeira para promover o crescimento econômico e a estabilidade social do Japão. O advento da Guerra Fria e o desencadeamento da Guerra da Coréia (1950-1953),

De 1945 a 1955, a atividade econômica estava direcionada para tirar o Japão das ruínas da guerra e da sua derrota. Durante esse período, foi ratificada uma nova Constituição; um novo Código Civil foi introduzido, o velho

Zaibatsu (grupo financeiro) foi dissolvido e desmontado; o

Movimento Trabalhista teve uma sanção legal; as reformas de terras foram inauguradas, dentre outros. Seguindo o fluxo dessas reformas democráticas, pode-se perceber a falência do sistema de família organizado em torno do “ie”, o desenvolvimento da rede elétrica e a abertura de novas terras agrícolas. Além disso, houve um influxo repentino de cerca de seis milhões de civis e de soldados que foram repatriados ao Japão, após a derrota deste país na Segunda Guerra Mundial, significando uma pressão populacional. Durante esse período, os sociólogos japoneses procuraram verificar em que medida os elementos das relações sociais tradicionais do período pré- guerra sobreviveram diante das reformas democráticas do pós-guerra, o movimento trabalhista e reformas agrárias. Muitos direcionaram seus esforços para solucionar a grande variedade de novos problemas sociais que afligiam a sociedade: os problemas de desemprego, pobreza, prostituição, dentre outros (AOI & NAOI 1974).

quando os Estados Unidos passaram a se confrontar com a União Soviética, dividindo o mundo entre Leste e Oeste, acarretariam a reversão das alianças, transformando as antigas potências do Eixo em membros plenos do sistema de defesa do Ocidente. Contudo, o fim da Guerra Fria e a débâcle da União Soviética impuseram grandes mudanças na estrutura do poder mundial. Com o desaparecimento do conflito Leste- Oeste, pouco a pouco vinha emergindo um novo quadro internacional, designado como uma ‘Nova Ordem Mundial’ (CABRAL 2000).

Quando a Guerra da Coréia estourou no início dos anos 1950, acelerou-se a transformação do Japão, de inimigo empobrecido a um aliado próspero, demonstrando que o valor do país aos Estados Unidos era de contrapeso às potências soviéticas e chineses comunistas no Extremo Oriente. O gasto militar americano durante a guerra estimulou um boom econômico no Japão que nos meados da década de 1950 o elevou ao mais alto padrão de vida na Ásia. O investimento em capital e transferência de tecnologia dos Estados Unidos aumentou muito rapidamente, capacitando a indústria japonesa a substituir os seus equipamentos de guerra destroçados por maquinários mais recentes. O comércio exterior se recuperou rapidamente, primeiro nas indústrias têxteis e depois nas leves e em seguida em setores avançados como: eletrônico, automotivo e naval. O renascimento econômico espetacular animado pela Guerra da Coréia foi acompanhado por uma expansão das capacidades de defesa do Japão.

O rearmamento e a recuperação econômica do Japão durante e depois da Guerra da Coréia teve o respaldo dos Estados Unidos, que se apressou em terminar o status do Japão como ‘inimigo ocupado’ e restaurá-lo como um Estado-nação com soberania política plena. No dia 8 de setembro de 1951, os Estados Unidos e mais 48 países (exceto a União Soviética e a China) assinaram um “Tratado de Paz” com o Japão em São Francisco, que, em seguida, findou o estado de guerra e a ocupação americana no dia 28 de abril de 1952. No mesmo dia em que o tratado foi assinado, os Estados Unidos e o Japão concluíram um “Pacto de Segurança” para a retenção indefinida das forças militares americanas no Japão assim como a manutenção de uma grande base sob a administração americana direta na ilha japonesa de Okinawa. Desse modo, o ex-inimigo japonês, assim como o ex-inimigo alemão no outro canto da Eurásia, começou a ser

considerado pelos Estados Unidos como indispensável na campanha para conter a expansão global da potência soviética (KEYLOR 1992:377).

Esse “Tratado de Paz de São Francisco” que estabeleceu a relação entre o Japão e o mundo no pós-guerra, fez com que o Japão emergisse com uma economia de mercado pacifista sob a tutela de seu conquistador e posteriormente aliado, os Estados Unidos. Esse tratado buscou eliminar qualquer possibilidade de reparação de guerra, muito devido ao esforço do principal negociador da América, John Foster Dulles. Isso sem dúvida consolidou a aliança do Japão com os Estados Unidos e ajudou o renascimento econômico. Dulles foi o conselheiro dos Estados Unidos na Conferência de Paz de Paris em 1919, com responsabilidade especial para reparações. Ele se opôs, sem muito sucesso, a pesadas penalidades impostas pelos Aliados sobre os alemães. Esses pagamentos foram amplamente vistos como responsáveis pelo colapso posterior da economia da Alemanha e indiretamente para a ascensão do nazismo. Depois da Segunda Guerra Mundial, Dulles temia que as onerosas reparações afetassem o Japão, tornando-o vulnerável à dominação comunista, ameaçando assim a sua reconstrução. O Tratado de São Francisco foi, portanto, feito pelo Japão e Estados Unidos como escudo contra qualquer reclamação ou reivindicação pela conduta em tempos de guerra (CREMONS 2001).

Desde a Segunda Guerra Mundial, os valores em torno do ‘Japão’ têm mudado intermitentemente. Imediatamente depois da derrota na guerra, muitos aspectos da ‘Japonicidade’ suprema foram considerados como ‘resquícios feudais’, obstáculos à Democratização do Japão. Embora a valorização dominante da ‘Japonicidade’ tenha mudado de positiva para negativa no próprio Japão, houve uma continuidade na idéia de que a sociedade japonesa era vista como um todo integrado culturalmente (MOUER & SUGIMOTO 1986a:44-47). Mesmo os importantes teóricos da democratização tal como Maruyama ou Kawashima ainda tendiam a se basear na “descrição estática e teorias populares relacionadas à dicotomia entre pré-moderno e moderno” (KAWAMURA

1980:50), ao idealizar a democracia ocidental e o individualismo e explorando a falha do Japão em produzir ‘indivíduos democráticos modernos’.

A relação simbiótica entre os Estados Unidos e o Japão tem produzido um efeito decisivo nas imagens do Japão, que pode ser indicado por diversos aspectos, tais como: [1] a predominância de acadêmicos americanos nos Estudos Japoneses; [2] a Guerra do Pacífico; [3] a subseqüente ocupação pelas forças americanas; [4] os laços econômicos contínuos entre os dois países; [5] a importância dos Estados Unidos como o grupo de referência positiva do Japão; [6] a Guerra Fria e [7] o papel da língua inglesa americana. No conjunto, tudo isso contribuiu para disseminar informação sobre a sociedade japonesa para o resto do mundo (MOUER & SUGIMOTO 1986a:181).

Durante os anos 50 e 60, as Ciências Sociais Japonesas foram influenciadas de várias maneiras pelos desenvolvimentos ocorridos nos Estados Unidos. [1] A primeira foi a importação de métodos americanos, especialmente o empirismo e a pesquisa comportamental. [2] A segunda, foi o desenvolvimento do Programa Fulbright e a alocação de outros fundos através do Departamento de Estado para convidar os líderes

De 1955 a 1965, a economia japonesa respondeu favoravelmente ao cenário internacional e entrou em um período de estabilização, com altas taxas de crescimento. Ao substituir os velhos equipamentos por outros tecnologicamente mais avançados, a economia japonesa requereu que fábricas inteiramente novas fossem construídas, com uma força de trabalho altamente escolarizada. Um dos resultados foi o surgimento de um ‘Cinturão Industrial do Pacífico’, que se encontra na Região Central do Japão, basicamente de Tokyo a Nagoya, passando por Osaka e descendo ao Norte de Kyūshū (a ilha mais ao sul do arquipélago). Ao concentrar

a população nesse estreito Cinturão Industrial, ocorreu uma grande mudança na estrutura social, em termos de tamanho, composição e inter-relação em vários estratos sociais. Ao adentrar nos anos 60, houve uma crescente mobilidade social e rápida nuclearização da família (AOI & NAOI 1974).

sindicais e outros das relações industriais aos Estados Unidos. O apoio americano em montar o Centro de Produtividade do Japão e o papel do governo japonês em estabelecer essas agências no Japão serviram para promover a idéia de que a institucionalização do conflito industrial era inevitável. Esses programas tendiam a isolar marxistas e outros que eram da ala antiestabelecimento da arena dos grandes debates acadêmicos (MOUER & SUGIMOTO 1986a:184). E, finalmente, [3] a terceira, a ‘Teoria da Modernização’, como veremos adiante, mais detalhadamente.

A natureza política do nihonjinron se tornou mais clara nos anos 1950 quando o Japão foi escolhido como um ‘pupilo honorário’ da versão americana de modernização no período da Guerra Fria. A História Moderna do Japão foi agraciada como um modelo positivo do desenvolvimento capitalista em oposição ao bloco comunista. A derrota na guerra fez a esquerda japonesa muito poderosa e ativa. No sentido de reprimir a esquerda japonesa e para mobilizar os japoneses para um desenvolvimento capitalista ideal, os Estados Unidos tentaram implantar no Japão uma imagem de superioridade em relação aos países comunistas. John Foster Dulles, quem assinou a negociação do Tratado de Paz com o Japão em 1952, disse que era possível capitalizar o sentimento de superioridade racial e social em relação aos chineses, coreanos e russos e convencer os japoneses de que, como parte do mundo livre, eles seriam membros de um grupo que é superior aos membros do mundo comunista (DOWER 1975:40).

Para tal, os valores e estruturas tradicionais do Japão e a sua História Moderna foram pela primeira vez positivamente definidos e valorizados pelo Ocidente. O rápido crescimento do Japão também fez com que os estudiosos japoneses recuperassem a confiança na sua sociedade. A peculiaridade das relações industriais japonesas como o sistema de emprego vitalício, salários por senioridade e sindicalismo empresarial, veio a ser enfatizada como o segredo do sucesso da modernização. Essa tendência cresceu especialmente no final dos anos 1960 quando o poder econômico do Japão se tornou muito forte. A partir da perspectiva da teoria da modernização, o ‘milagre’ do Japão não poderia ser completamente explicado pelas experiências ocidentais de modernização e a japonesa não convergiu totalmente nessa perspectiva. Sendo assim, as razões foram buscadas no âmbito da cultura. As características culturais que eram consideradas como reminiscências feudais vieram a ser valorizadas positivamente como força diretriz por

trás do milagre econômico do Japão (MOUER & SUGIMOTO 1986a:49). Isso levou a um renascimento da ênfase positiva sobre a singularidade japonesa que foi tão forte nos anos 1930.

Ainda nesse período pós-guerra, com a grande presença americana no contexto japonês, inclusive acadêmico, a ‘teoria da modernização’ influenciou toda uma geração de estudiosos para explicar a sociedade japonesa, como será apresentada a seguir.