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O Nacionalismo Japonês aponês aponês aponês Contemporâneo

4.2. Yasukuni Jinja

O Yasukuni Jinja 靖国神社 é um santuário xintoísta localizado em Tokyo, onde cerca de 2,5 milhões de almas de soldados e funcionários civis das forças armadas que morreram nas guerras do Japão moderno, na primeira metade do século XX, são cultuadas como ‘espíritos heróicos’. Yasukuni tem sido um foco de controvérsia pós- guerra que continua até os dias de hoje, pois, enquanto um símbolo do nacionalismo japonês é considerado como um lugar para glorificar o passado de guerra do Japão e a agressão contra os seus vizinhos asiáticos. Dentre as figuras cultuadas estão os grandes criminosos de guerra Classe ‘A’ julgados e executados depois da Segunda Guerra Mundial por responsabilidade de guerra, incluindo o Primeiro Ministro desse período, o General Hideki TŌJŌ (TANAKA 2002).

Este santuário xintoísta era uma instalação militar e religiosa indispensável para o processamento da guerra e foi administrado pelo exército e pela marinha até a época da derrota na Segunda Guerra Mundial. Desde a Guerra Sino-Japonesa à Guerra da Ásia- Pacífico, a virtude mais nobre era morrer na batalha em nome do Imperador, ser cultuado como um deus no Yasukuni Jinja e ser visitado pelo Imperador. O Estado xintoísta obrigava não apenas o povo do Japão, mas também as pessoas dos territórios ocupados como a Coréia a participar dos cultos no santuário. Vale lembrar que no período de ocupação os colonizados passaram a ser considerados súditos japoneses até 1945 quando o Japão foi derrotado.

As minorias religiosas no Japão sofreram forte coerção e repressão, pois elas representavam um reflexo da separação da religião e política vigente, explicada detalhadamente na constituição atual. Além disso, ao longo do período pós-guerra, o santuário Yasukuni foi considerado uma entidade religiosa (TANAKA 2000). UMEHARA

(2004) relaciona o Yasukuni Jinja com o movimento antibudista do período Meiji, que restringia a existência de deuses apenas ao Imperador e aos seus ancestrais.

Assim, enquanto um símbolo nacional, Yasukuni Jinja tem recebido visitas do Imperador e do Primeiro Ministro japonês e de outros políticos influentes ao longo do período pós-guerra até os dias atuais. Mas tais “visitas oficiais” têm sido um foco de

controvérsia, pois essas visitas são consideradas inconstitucionais, além de aumentar as tensões com seus vizinhos asiáticos orientais – principalmente a China e a Coréia – que sofreram com a ocupação japonesa no passado de guerra e ameaçam seriamente as relações diplomáticas com o Japão. Por que autoridades fazem visitas oficiais a este santuário? Por que isso é controvertido? Por que essas visitas oficiais são inconstitucionais?

A controvérsia em torno da questão do Yasukuni envolve alguns aspectos: primeiro, é a idéia de que xintoísmo não é uma religião ou então que se trata de uma religião que esteja além da constituição. Esta é uma visão que persiste fortemente. Segundo, é a visão de que consolar os espíritos daqueles que morreram na guerra é um “ritual habitual”. Terceiro, relacionado ao nacionalismo, é o sentido de que é “natural” que o Estado honre seus mortos em guerra, isto é, o Estado cultua “naturalmente” aqueles que morreram em guerra em nome do país (TANAKA 2000). Além disso, enquanto uma

questão política, o “Problema Yasukuni” permanece não resolvido. Isto está relacionado com a questão de responsabilidade e agressividade de guerra durante o colonialismo japonês e tem persistido na esfera política e social ao longo do período pós-guerra até a atualidade.

Um projeto de lei dos membros do Partido Democrático Liberal (PDL) da Dieta60 sobre o santuário Yasukuni, designando-lhe a proteção do Estado como era antes da guerra foi apresentado em junho de 1969. Dar proteção estatal a uma instalação religiosa em que se cultua aqueles que morreram na guerra significa justificar e glorificar a guerra. Isso também infringe as provisões da Constituição: o Artigo 9 e as Forças de Auto-Defesa mostram como o lamento do país aos seus mortos em guerra tem uma relação íntima com os Direitos Humanos. Essas visitas podem ferir os Direitos Humanos descritos no Artigo 19 da Constituição: “A Liberdade de pensamento e consciência não deve ser violada” e Artigo 20: “A Liberdade de religião é garantida a todos” (TANAKA

2002).

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“Dieta” é a designação dada ao Parlamento no Japão que é constituído de duas Câmaras: a dos Representantes ou Baixa e a dos Conselheiros ou Alta (UEHARA 2001:26).

As visitas do Primeiro Ministro afetam a liberdade de pensamento, consciência e os direitos religiosos. Significam invasões dos direitos individuais de liberdade religiosa que compõem o cerne dos Direitos Humanos e isso não pode ser completamente protegido apenas demandando compensação, uma vez que as visitas do Primeiro Ministro têm acontecido. Por isso, há um forte desejo de que parem essas visitas oficiais a Yasukuni Jinja.

Segundo TANAKA (2000; 2002) em 1975, o Ministro MIKI Takeo 三木 武夫 (1907-1988) foi o primeiro a visitar o santuário no dia 15 de agosto (dia em que o Japão se rendeu na Segunda Guerra Mundial em 1945), mas ele enfatizou que se tratou de uma visita “enquanto uma pessoa privada”. Depois a questão sobre se foi ou não uma “visita oficial” se tornou o ponto central do “Problema Yasukuni”. No dia 15 de agosto de 1985, o Primeiro Ministro NAKASONE Yasuhiro 中曽根康弘 (1918 - ), ignorando a crítica nacional e internacional, pela primeira vez fez uma “visita oficial”. Por causa dos grandes protestos por parte dos países asiáticos, particularmente da China, incluindo cancelamento de visitas desses governos ao Japão, e pelo fato de que aí se encontram os grandes criminosos de guerra enquanto heróis nacionais, a prática foi suspendida nos anos seguintes e desde então nenhuma visita oficial foi feita.

Contudo, foi a visita oficial do Primeiro Ministro NAKASONE que levou os

cidadãos e religiosos em todo o país a entrar com processos judiciais contra Yasukuni nas cortes e muitos deles confirmaram o julgamento de que as visitas oficiais do Primeiro Ministro eram inconstitucionais, pelo fato de que o santuário Yasukuni e os vários santuários xintoístas Gokoku 護国神社 [santuários destinados aos mortos em guerra] são entidades indiscutivelmente religiosas perante a constituição. Portanto o argumento que persistiu desde o período Meiji de que ‘xintoísmo não é uma religião’ foi plenamente rejeitado. E também se sustentou que o Estado (incluindo as entidades públicas locais) estava proibido de ter qualquer relação especial com as entidades religiosas prescritas, mesmo quando o assunto fosse de “consolar os espíritos” daqueles que morreram na guerra. Como uma das cortes determinou, a relação religiosa entre o Estado e a entidade religiosa envolvida com uma visita oficial (pelo Imperador e pelo Primeiro Ministro ao Yasukuni Jinja) excederia os laços apropriados sob os princípios constitucionais da

separação da política e religião. De acordo com isso, devem-se considerar essas visitas oficiais inconstitucionais enquanto uma atividade religiosa proibida sob o Artigo 20 da Constituição (TANAKA 2000). Em todo o país, cerca de 2.000 pessoas entraram com processos judiciais contra as visitas oficiais de políticos como o Primeiro Ministro ao Yasukuni Jinja. A maioria destas são coreanos e chineses residentes no Japão, Coréia e Estados Unidos. As vítimas asiáticas da guerra desafiam, assim, pela primeira vez o envolvimento do governo japonês no Yasukuni Jinja, onde se celebra os mortos em guerra como heróis (TANAKA 2002).

Mais recentemente, a controvérsia sobre a identidade nacional e seus símbolos no Japão entrou em uma nova fase com a eleição de KOIZUMI Jun’ichirō 小泉純一郎 (1942 - ) como Presidente do Partido Democrático Liberal (PDL), na eleição de 2001. Uma vez que PDL prepondera nos assentos da Dieta, Koizumi passou a ser desde então o Primeiro Ministro. Tido como um “reformador”, Koizumi declarou oficialmente seu apoio à revisão constitucional, em longo prazo, para permitir que o Japão possua Forças Armadas regulares e assim abolir as restrições do Artigo 9 da Constituição, que é justamente a lei que assegura que o Japão siga um caminho pacifista. Argumentou também que um “respeito devido” deve ser prestado àqueles que “deram suas vidas pelo país” em tempos de crises. Desse modo, o Primeiro Ministro clama pela reinstalação do Yasukuni como um santuário nacional. Não apenas Koizumi, mas todos os outros candidatos da eleição do PDL em abril de 2001 prometeram que, se fossem eleitos, fariam “visitas oficiais como gesto de respeito” ao santuário Yasukuni no dia 15 de agosto (Editor da revista SEKAI 「世界」[mundo] apud TANAKA, 2000).

O Primeiro Ministro Koizumi fez visitas formais a este santuário no dia 13/08/2001 e 21/04/2002 e a proposta de criar um outro lugar nacional para cultuar os mortos na guerra emergiu como uma tentativa de resolver a crise. O Primeiro Ministro fez uma terceira visita em 14/01/2003. Isso provocou um protesto furioso no Japão e também por parte dos governos da China e da Coréia, dois países que viveram um período sangrento de guerra nas mãos dos militares japoneses (TANAKA 2002). Koizumi defende suas visitas, dizendo “por que culpar o morto por seus crimes cometidos de

quando estavam vivos? Eu não penso que seja benéfico ao pensamento japonês não perdoar as pessoas mesmo depois de mortas” (WAKAMIYA 2004).

Tais visitas têm enfurecido o público destes dois países vizinhos e ameaçam seriamente os laços bilaterais entre o Japão e os dois países respectivamente61. Em novembro de 2002, o Presidente Chinês HU Jintao pediu para que o Primeiro Ministro Koizumi parasse de visitar Yasukuni Jinja. Como vítima, a China não pode ignorar as visitas do Primeiro Ministro a um lugar onde estão não apenas os mortos em guerra, mas também os criminosos de guerra de classe A, que foram executados por responsabilidade de guerra. Além disso, no Yasukuni Jinja são cultuadas apenas as almas dos japoneses que se sacrificaram com suas próprias vidas em nome do Imperador e não as dos seus inimigos. Por isso os países como a China e a Coréia ficam inquietos com as visitas oficiais a este santuário, pois seus compatriotas (que durante o período colonial foram subjugados e se tornaram “japoneses”, como vimos no capítulo 1) também se sacrificaram na guerra (WAKIMIYA 06/12/2004)62. Isso pode acarretar suspensão das

visitas oficiais marcadas entre os líderes da China e do Japão de forma que os problemas com a Coréia do Norte, onde a China exerce uma poderosa influência, podem não ser resolvidos. Isso também impede a participação do Japão no planejamento da China para a construção das ferrovias expressas. Nesse sentido, as visitas do Primeiro Ministro ao santuário afetam negativamente os interesses nacionais (UMEHARA 20/04/2004)63.

Pode-se dizer que o Primeiro Ministro está diante de um dilema: se ele afirmar que essa visita não é oficial ou é privada, torna-se clara a separação do Estado com a religião. Mas por outro lado, se ele negar que é uma “visita do Primeiro Ministro”, ele será criticado por organizações como a do Nihon Izokukai 日本遺族会 [Associação Japonesa de Famílias Consternadas] que esperam que o lamento seja oficial (TANAKA

2002).

61 Veja artigos de imprensa tais como A

SAHI SHIMBUN: “Koizumi apologizes for wartime suffering” (23/04/2005), “Tokyo court rejects suit on shrine visits” (27/04/2005), “China: Secret deal on Yasukuni” (28/04/2005a); “80 Lawmakers Visit Yasukuji Jinja” (23/04/2005); e ASIAN POLITICAL NEWS: “China renews warning over Koizumi Yasukuni Jinja” (30/07/2001); “Newspaper commentary stirs memories of Japanese wartime atrocities” (19/04/2004).

62 “Zero Fighers in Chongqing and Pearl Harbor: Yasukuni’s War Criminals as Martyrs?”, in Japan Focus, Op. Cit..

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Assim, o “Problema Yasukuni” permanece mal resolvido ainda nos dias de hoje e não parece que irá se resolver tão cedo. O caminho pelo qual o Japão uma vez optou, quando prometeu ‘nunca mais’ fazer a guerra, foi uma escolha que demandou desfazer os caminhos da idéia de instalações especiais para louvar os japoneses mortos em guerra. Mas desde a década de 1990, a tendência conservadora e nacionalista japonesa tem ganho vulto, fazendo com que as questões relacionadas ao passado de guerra continuem truncadas e que se estendam a outros assuntos, como a polêmica questão dos livros didáticos de História, como veremos a seguir.