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O Japão Moderno

1.9. A Expansão Japonesa na Ásia Oriental na Primeira Metade do Século

Na Guerra contra a China (1894-5), a nação composta de pequenas ilhas triunfou facilmente sobre o gigante chinês. O Japão ocupou a Coréia e a Manchúria, destruiu a esquadra chinesa e ocupou o porto de Weihaiwei no Norte da China. O Tratado de Shimonoseki [ Shimonoseki Jōyaku 下関条約 ], promulgado no dia 17 de abril de 1895, entre os imperadores do Japão e da China, finalizou a Primeira Guerra Sino-Japonesa. Nesse acordo, a China cedeu ao Japão a ilha-província de Taiwan, os arredores das ilhas Pescadores, e a península de Liaotung no sul de Manchúria, pagou uma grande indenização, aceitou a completa independência da Coréia e acordou ao Japão os mesmos privilégios

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Veja no Capítulo 5 na parte de ‘koseki’ [sistema de registro familiar] em que este e outros sistemas de registro populacional são analisados mais detalhadamente.

diplomáticos e comerciais desiguais que os ocidentais tinham com a China (REISCHAUER

1989:152).

As Sacalinas do Sul ( Karafuto 樺太 10 ), assim como um mandato da Liga das Nações na Micronésia (Ilhas Marianas, Carolinas e Marshall, no Pacífico) também foram adquiridos na fase inicial do expansionismo japonês, na virada do século XIX para XX. Isso se deu, em parte, porque a Inglaterra foi a única grande potência ocidental com que o Japão fez uma aliança. Um pacto foi assinado em 1902, em que as duas nações se uniram diante da ameaça da expansão imperial russa na Ásia Oriental. Tendo confrontado a Rússia na Criméia e nas proximidades da Índia, os britânicos se alarmaram com a aquisição russa da província marítima da Manchúria. Os russos obtiveram concessão de um porto sem congelamento do mar na Coréia, que os japoneses consideraram como um “punhal apontado para o coração do Japão”: isso fez conflagrar a Guerra Russo-Japonesa em 1904. Esta foi a primeira guerra em que uma potência não-branca venceu uma ocidental. O resultado foi a ocupação estratégica da Manchúria pelo Japão. A partir disso, o Japão foi posteriormente ameaçado pela China. Os direitos a tratamento do tipo colonial semelhantes aos que as potências ocidentais gozavam foram obtidos na China, especialmente na Manchúria. A aliança nipo-britânica durou até a Primeira Guerra Mundial, rendendo o mandato da Micronésia ao Japão.

Se por um lado o expansionismo japonês foi parte do fenômeno da virada do século, de XIX para XX, do imperialismo desenfreado das potências ocidentais, por outro, enquanto única potência asiática, o Japão foi incapaz de prosseguir com as suas ambições diante da oposição combinada do Ocidente. YAMANAKA Hayato (1993:106) apontou que

esse tipo de incorporação de nativos das áreas colonizadas pelos japoneses está profundamente relacionado à entrada tardia do Japão na competição internacional pela supremacia política. Na segunda metade do século XIX, quando o Japão entrou para o cenário internacional, as armas eram literalmente um campo de batalha para a supremacia internacional entre os países hegemônicos. A força do Estado era representada pelo seu poder militar e o Estado que obtivesse mais territórios e mais recursos teria maiores chances para o seu desenvolvimento. Contudo, a divisão da Ásia e da África já tinha sido

estabelecida entre as potências mundiais européias. No sentido de obter uma “terra livre” limitada, o Japão se militarizou rapidamente e se envolveu ativamente em guerras. A entrada tardia no jogo territorial mundial se tornou uma grave desvantagem ao Japão e isso constrangeu as táticas de que o Japão pudesse dispor.

Em outras palavras, o Japão foi então significativamente afetado pela sua posição ambígua na hierarquia “racial” global assim como pela sua entrada tardia na competição política internacional. O Japão era o único império não-branco quando uma hierarquia internacional já tinha se formado pelo discurso da supremacia branca fundada na firme relação entre a civilização superior e forte poderio militar. Nesse sentido, o Japão foi mais forte e mais avançado que “outros países asiáticos”, mas era relativamente mais fraco do que as potências ocidentais mais avançadas que eram “racialmente” ocidentais em oposição ao oriental. De qualquer maneira, o Japão passou a ser reconhecido internacionalmente como “Grande Potência Mundial”. O Imperialismo Japonês foi reativo e defensivo, para assegurar as fronteiras estratégicas da nação no fluxo do avanço ocidental na Ásia (JANSEN

1968:182). Enquanto o Japão criticava o expansionismo ocidental no sentido de restringir mais avanços na Ásia, ele justificava seu próprio expansionismo na Ásia (SUZUKI 2003:27).

SHIMIZU (1998:112) atenta que o recém-adquirido status de “Grande Potência” e a

sua ambigüidade na hierarquia racial internacional fizeram com que o Japão apresentasse a “Proposta de Igualdade Racial” na Conferência de Paz de Paris em 1919. Nessa Proposta, os japoneses demandavam igualdade racial com as grandes potências brancas. Isto porque, segundo a autora, o Japão se sentia inseguro com o seu status por ser a única Potência não- branca antes da Primeira Guerra Mundial, por causa de uma série de desafios colocados por grandes potências ocidentais, que o expôs à vulnerabilidade do seu novo status. A situação se deteriorou substancialmente durante a Primeira Guerra Mundial por causa das suspeitas mútuas que alienou o Japão da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Visto dessa perspectiva, a “Proposta de Igualdade Racial” era expressão de incerteza e insegurança do Japão em relação à futura ordem internacional e a sua posição nesse cenário, tendo em vista o seu status de “minoria”, enquanto a única grande potência não-branca. Isso era tido como um assunto de Estado muito importante, como se a diferença racial se tornasse o último impedimento para assegurar a igualdade “absoluta” de status com o Ocidente. Ao fazer isso, os japoneses tentaram, intencionalmente ou não, associar duas questões: a da raça e a do

status de Grande Potência, no sentido de assegurar o seu futuro status na organização internacional. Para os japoneses, a igualdade racial era uma parte importante e indivisível da igualdade das grandes potências. Embora a reação dos japoneses, devido a essa associação entre raça e poder, demonstre insegurança e o seu complexo de inferioridade, no fundo, o Estado japonês estava percebendo muito bem as regras do jogo internacional. A hierarquia racial justificava, muitas vezes, a dominação imperialista e a colonização sob o discurso civilizatório, sendo que na verdade há muitos outros interesses por trás como os econômicos, políticos, estratégicos etc..

Contudo, essa Proposta de Igualdade Racial não foi aprovada na Conferência de Paz de Paris. Com efeito, isso contribuiu à desilusão geral que permeou o Japão nos anos 20: uma crença de que o Ocidente criou um sistema internacional “parcial” e “injusto” nessa Conferência. E também teve uma importância simbólica para justificar a crescente “independência”, isto é, uma política externa nipocêntrica e pan-asianista, especialmente nos anos 1930 (SHIMIZU 1998:170).

Desse modo, o fato de o Japão ter-se tornado uma das Grandes Potências Mundiais teve uma importante dimensão racial nos anos 1920. Isso criou ressentimento e alimentou a insegurança japonesa que, por sua vez, levou as facções militares extremistas para uma agressão maior. Assim, sob as circunstâncias políticas e econômicas que mudaram, uma ideologia racial é rearticulada para responder aos imperativos situacionais. A tese de ascendência comum como ideologia racial japonesa foi reconstruída de acordo com o retrato do Japão de um império e mudou para uma cultura japonesa única e de sangue distinto japonês que apenas o povo japonês tem. A nova identidade japonesa racializada pautava-se no sangue japonês e quem não o tinha era categorizado como população subordinada ou membro de “raças inferiores” (WEINER 1995:433). A flutuação do discurso das ideologias raciais do Japão ou a origem dos japoneses sugerem que os conceitos de nação em si sejam sempre moldados pela interação do Estado com o resto do mundo. A essência da nação racializada do Japão dependeu do esquecimento do passado (RENAN

1990), invenção da antiguidade no presente (HOBSBAWM & RANGER 1984) e a mudança da ideologia racial de um império japonês multiétnico para um Estado-nação japonês homogêneo. Assim, o mito da pureza sanguínea e homogeneidade japonesa se estabeleceram (SUZUKI 2003:11).