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O Japão Moderno

2.3. Imigração Japonesa ao Brasil

A imigração japonesa ao Brasil iniciou-se oficialmente em 1908, num período em que o Japão precisava escoar o excedente populacional e quando o Brasil demandava mão-de-obra imigrante.

O Brasil passou a adotar uma postura receptora de mão-de-obra imigrante, à medida que se sucedeu a abolição da escravatura e a implantação da cafeicultura demandava mão-de-obra no final do século XIX. Mas em 1902, a Itália – de onde provinha o principal fluxo de imigrantes europeus ao Brasil nesse período – proibiu que seus cidadãos fossem recrutados e encaminhados ao Brasil. Para preencher essa lacuna, os japoneses foram considerados como uma das alternativas, sendo que a sua presença causou um acalorado debate sobre a sua aceitação no país.

No pôster de propaganda governamental japonesa de migração ao Brasil na primeira metade do século XX (Figura 2) está escrito em letras garrafais, algo como: “Vamos! Montemos uma família e vamos para América do Sul!” [ Saa, Ikō, ikka wo agete, nanbei he ]. No mapa, destaca-se nominalmente o Brasil, e secundariamente, o Peru. O homem japonês aponta seu dedo indicador direito ao Brasil e com o outro braço, segura uma enxada na mão e no seu antebraço, a sua família. Ela é composta por sua esposa e seus filhos, sendo que o menor está no colo da mãe, segurando a bandeira japonesa para o alto, e o garoto maior com um braço erguido. Despedindo-se e triste por ter partido da sua área de origem ou feliz por estar indo ao Brasil? Sinceramente, não sei. Mesmo olhando a imagem ampliada. Talvez nem ele saiba responder. A face da mulher se oculta no

quimono japonês, sem nenhuma expressão, ou então no seu devido lugar: submissa ao homem / marido / chefe-de-família, bem ao estilo confucionista.

Figura 2

Pôster de Propaganda Governamental Japonesa de Migração ao Brasil na Primeira Metade do Século XX

Fonte: Acervo do Museu Histórico de Imigração Japonesa ao Brasil (MHIJB-SP).

O foco da propaganda oficial sobre um tipo ideal de família japonesa migrante à América do Sul não é por acaso. Para migrar ao Brasil era preciso compor uma família para atender à exigência de “três enxadas” por parte do governo paulista (SAITO 1980:82).

Ou seja, uma família imigrante deve ser composta por três pessoas produtivamente ativas, a partir de 13 ou 14 anos.

Na parte inferior do pôster, os letreiros grandes indicam que este pôster é do K.K.K.K., a Kaigai Kōgyō Kabushiki Kaisha 海外興業株式会社, também conhecido como Kaikō (LESSER 2001:170). Segundo Célia SAKURAI (1998:8), em 1917, as

companhias de emigração japonesas eram todas fundidas à Companhia Ultramarina de Empreendimentos, que é a K.K.K.K.. Tratava-se de uma empresa estatal controlada diretamente pelo governo japonês. Era uma expressão da tendência desde a época Meiji, de o governo intervir, controlando os principais setores da economia. Em São Paulo, no Peru, Colômbia, Cuba, Filipinas havia sedes de suas agências. A K.K.K.K. passou a exercer um papel fundamental na segunda fase da migração no Brasil (1924 a 1941), no desempenho da função tutelar do governo japonês junto aos seus compatriotas.

Do lado brasileiro, no período entre finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX, associavam-se formulações sociológicas, de medicina social e políticas públicas na tentativa de explicar, e resolver, o atraso sócio-econômico brasileiro. A fórmula combinava idéias de pensadores brasileiros e influências estrangeiras – como GOBINEAU, LOMBROSO, NINA RODRIGUES, Paulo PRADO, Manuel BONFIM, Oliveira VIANA entre tantos outros (SCHWARCZ 1993) – sobre o atraso sócio-econômico do país, que foi sendo profundamente atrelado à presença negra na população brasileira. A preocupação era a do “branqueamento” da população, que assim justificava a procura de alemães e italianos (inicialmente) para atender esta lógica. Era um período em que a elite brasileira estava preocupada em construir uma nação, com anseios eugênicos. Os “amarelos”, isto é, os asiáticos, não condiziam com os ideais da construção da identidade nacional brasileira, que era baseada na política de embranquecimento, embora eles tenham sido vistos como uma alternativa para compor a mão-de-obra e atender à demanda na lavoura cafeeira.

Além disso, havia uma preocupação em relação à sua adaptação nas terras brasileiras. A questão da assimilação esperada pelos nacionais se contrapunha à racionalidade econômica e produtiva. “Se por um lado o japonês era tido como um trabalhador exemplar dentre os trabalhadores imigrantes de várias nacionalidades, por outro, era tido como o mais inassimilável de todos os estrangeiros, o mais estrangeiro dos

estrangeiros” (VAINER 1995:47). Segundo as palavras de Oliveira VIANA (1934:209),

defensor assíduo da intervenção estatal para assegurar a arianização da nacionalidade brasileira:

Isso configurava uma das contradições da política imigratória brasileira, pois ao receber o imigrante japonês, por um lado desqualificava o nacional enquanto trabalhador (uma vez que o trabalhador brasileiro era tido como indisciplinado e indolente), para justificar a imigração estrangeira, e por outro, desqualificava o imigrante enquanto estrangeiro para justificar medidas discriminatórias. Pelo fato de o japonês não ser nem branco nem negro, eles não achavam facilmente o seu lugar no contexto brasileiro. Negros e brancos eram as duas pontas de uma tensa relação racial que atravessava as diversas naturezas das relações sociais estabelecidas no Brasil.

Antes de prosseguirmos sobre a questão da assimilação dos imigrantes japoneses no Brasil, vale reconstruir sinteticamente a trajetória das tais teorias de assimilação e como, dentro disso, surgiu a idéia de “aculturação”. Para tal, inicialmente nos deteremos nas teorias que enfatizaram os processos de (des)integração social e a assimilação cultural dos imigrantes, cuja matriz fundamental são os estudos da Escola de Chicago. Em seguida, comentaremos as análises críticas posteriores e os estudos que questionaram o melting pot.