• Nenhum resultado encontrado

O Japão Moderno

1.11. Raça, Etnicidade e Nacionalismo no Imperialismo Japonês

Embora não possamos pensar a ‘Etnicidade’ e o ‘Nacionalismo’ como algo universal, contraditoriamente talvez, podemos dizer que estão ao mesmo tempo em toda parte. Digamos que seja uma forma de classificação existente em vários países, que idealmente tende a reconhecer como cidadãos apenas os que são classificáveis como ‘nacionais’. Os que não cabem, são cidadãos de ‘segunda classe’, isto é, aqueles que não se encaixam na definição de nação. Muitas vezes a nação imaginada (ANDERSON 1983) é uma figura ideal – logo, aquilo que não existe no plano real – que faz parte da definição de pertencimento nacional, muitas vezes representada pela equação “um povo = uma língua = uma nação”. Na falta de congruência entre ‘nação’ e ‘Estado’, têm-se conflitos interétnicos

que se configuram dentro dos quadros políticos. Para Hanna ARENDT (2004 [1949]), a

‘minoria’ produz perturbação à ordem nacional natural e imaginada. Principalmente depois da Primeira Guerra Mundial, as ‘minorias’ são definidas como aqueles grupos de características culturais diferentes, implicando necessariamente desigualdade social e política, à medida que a situação de guerra alterou o desenho das fronteiras nacionais, principalmente na Europa, produzindo assim a figura dos refugiados.

Nas Ciências Sociais, começou a ser um novo enfoque teórico, baseado nos estudos de ‘minorias’, no contexto do deslocamento em que sofrem constrangimentos. É também o momento em que a questão racial e a questão da migração tornaram-se objeto de estudo das Ciências Sociais, principalmente nas três primeiras décadas do século XX.

Na virada do século XIX ao XX, os Estados Unidos receberam um grande fluxo migratório da Europa Ocidental, onde as ‘minorias’ foram consideradas como um ‘problema sociológico’, justamente no período em que se estava gestando uma ideologia nacionalista. Em outras palavras, havia uma preocupação em construir uma idéia de nação, ao mesmo tempo que recebia um grande contingente de imigrantes estrangeiros.

A Antropologia Física misturou critérios culturais com físicos, sendo que a classificação mudava conforme o tipo de indicador (GOULD 1991), enquanto uma ciência

que legitimou a dominação imperialista ocidental sob critérios biológicos raciais. O ‘tipo permanente’ de raça com determinadas características compunha um índice de medição que, em última instância, era inventada, implicando sempre uma noção de ‘desigualdade’. Nesse sentido, podemos dizer que a ‘raça’ é uma explicação cientificamente legítima para justificar a apropriação da ‘desigualdade’ a partir da década de 1850. A teoria de Darwin que se baseou na idéia da sobrevivência dos mais aptos, foi apropriada para teoria racial como fez GOBINEAU (1983[1853]) que, por sua vez, foi importante na construção da ideologia.

Assim, a idéia de ‘raça’ foi criada na Europa para entender as novas relações do século XIX. Não foi à toa que essas teorias tenham se desenvolvido na segunda metade desse século, pois foi quando houve grandes mudanças sociais na Europa e também quando ocorreu a apropriação dessa ideologia nas teorias produzidas pelas academias – inclusive a japonesa – para justificar a dominação colonialista na África e Ásia. As relações daí decorrentes eram entre brancos e negros, amarelos, não-brancos e mesmo os brancos que

não se encaixam no poder. Nesse sentido, o conceito de ‘raça’ também justificava a dominação burguesa, como por exemplo, a classe operária inglesa ou francesa que era considerada como uma ‘raça’ diferente dos burgueses que estavam no poder (WILLIAMS

1989). Isso era afirmado através de medidas de crânios, por exemplo. Essas teorias não são produtos do imperialismo, mas foram úteis para explicar a dominação. A explicação da História Humana é dada pelas relações raciais, isto é, através da interpretação biológica da História, atribuindo um valor explicativo à ‘raça’. Nesse sentido, ocorreu uma biologização das Ciências Sociais nesse período, que não foi por mero acaso, uma vez que se valeram de um saber supostamente científico para fins políticos.

O ‘racismo’, termo datado no início dos anos 1930, é uma interpretação racial dos nacionalismos e justifica a dominação dos inferiores, supondo que a raça seja aquilo que determina a história e a cultura. Este termo também implica a noção de ‘progresso’ e ‘civilização’. Nesse sentido a idéia de ‘raça’ é apropriada pelo ‘nacionalismo’, tornando-se base para justificar sua ideologia. É verdade que os mesmos argumentos usados para explicar os imigrantes não podem ser os mesmos para explicar a relação entre brancos e negros. Mas pode-se dizer que a ‘raça’ é a invenção desenvolvida para a história das nações, baseada na noção de evolução biológica, para fins políticos e assim, para justificar a dominação colonialista.

Posto isso, no Japão, notamos ambigüidades nos usos inconsistentes e sempre intercambiáveis dos termos ‘minzoku’ 民 族 e ‘jinshu’ 人 種 para designar ‘raça’. Os ideogramas de ‘minzoku’ remetem literalmente a “pessoas aparentadas” e o termo evoca significados nacionais e étnicos da palavra raça, enquanto ‘jinshu’ – “tipos humanos” – implica em uma classificação biológica. Ambos os termos eram empregados para contrastar os asiáticos dos ocidentais e os amarelos dos brancos; ao mesmo tempo, eles podiam se referir a categorias étnicas dentro da Ásia como Han, Manchu, Mongol, Ainu e assim por diante (YOUNG 1998:364).

No Japão, um número cada vez maior de intelectuais depois da Primeira Guerra Mundial definiu ‘minzoku’ como um povo distinto com atributos físicos compartilhados e sangue puro cuja origem pode ser remetida ao período paleolítico. De acordo com DIKÖTTER (1997:4), a ‘Etnicidade’ continuou sendo identificada com a descendência biológica no período entre as duas Guerras Mundiais, enquanto as características culturais e

raciais constantemente revestiram a literatura política, antropológica e médica. Ao longo do século XX, a noção de ‘minzoku’ no Japão amalgamou-se consistentemente com as idéias de ‘cultura’, ‘etnicidade’ e ‘raça’, no esforço de representar as feições culturais como secundárias e derivadas de uma essência biológica imaginada. As definições raciais constantemente foram dispostas no sentido de explicar as diferenças culturais.

Segundo Kevin DOAK (2001), o desmantelamento do Estado imperial depois da guerra deixou muitos japoneses com a idéia de que o Estado foi um agente de mudança social completamente corrupto. Mas isso foi pouco para se ajustar a um sentido popular mais amplo de identidade cultural nacional, investido no conceito de ‘minzoku’, que permaneceu irrestrito pelos pecados do Estado ocidentalizado e militarizado. Isto é irônico, pois é precisamente a emergência desse senso de nacionalidade étnica que forneceu elementos para as complexas dinâmicas políticas e culturais dos tempos de guerra e imperialismo japonês.

Apesar da centralidade da nacionalidade étnica na reconfiguração do discurso do Japão em tempos de guerra, os contornos desse discurso étnico permanecem mal entendidos e sempre deturpados (ou representados inconvenientemente). Uma razão disso é que o discurso sobre a nacionalidade étnica sempre foi apresentado como sendo de uma ‘raça’ ou um ódio racial geral entre os japoneses por outros povos. Enfatizar elementos raciais no imperialismo sempre foi uma das explicações úteis aos impérios europeus e americano, mas ‘raça’ pode ofuscar muitas características do imperialismo japonês em tempos de guerra, enquanto desloca as funções políticas e nacionalistas do discurso de ‘minzoku’ (tanto para os imperialistas japoneses quanto para os seus colonizados) como uma questão mais simples sobre a falta de consciência moral entre os japoneses, como Doak observou. Por que o termo “minzoku” expressa superioridade quando é empregado por qualquer japonês, mas ao mesmo tempo isso se refere meramente aos “povos” ou é incorporado em um nacionalismo legítimo quando empregado por alguns chineses e coreanos? Uma parte importante do apelo da ideologia cultural dos tempos de guerra, durante os anos 1920 e 30, foi a maneira como a ‘etnicidade’ foi explicitamente proposta como um substituto para o que era amplamente percebido como falha do conceito biológico de ‘raça’ do século XIX.

Um dos principais argumentos de DOAK (2001) é que ‘raça’ e ‘etnicidade’ são

conceitos flexíveis, mas não são infinitamente flexíveis. A ‘raça’ coexiste com a ‘etnicidade’ na ideologia imperialista japonesa, mas ‘raça’ e ‘etnicidade’ são usadas para significar diferentes níveis de identidade. Apagar o componente nacional étnico desta ideologia – ou assimilá-lo à ‘raça’ – é fazer vista grossa a um aspecto crucial da ideologia imperialista japonesa em tempos de guerra: a ênfase dada ao conceito étnico culturalmente definido de nacionalidade, como elemento essencial na construção de uma hierarquia social condizente ao império autoconscientemente concebido como monorracial (mas multiétnico).

O momento histórico preciso quando ‘minzoku’ substituiu ‘jinshu’ nas Ciências Sociais é difícil de determinar, mas pode-se dizer que o processo se deu no final dos anos 1920 e se completou durante a Guerra do Pacífico (1941 a 1945). De acordo com DOWER

(1986:267), ‘minzoku’ era percebido como coletividades orgânicas que transcenderam seus membros individuais e fez surgir as características nacionais distintas, representando toda uma conjunção fluida de sangue, cultura, história e forma política. Desse modo, a ‘cultura’ tinha-se transformado em uma propriedade pseudobiológica da vida comunal. Além disso, ambos os termos já vieram a ter uma equivalência funcional como conceitos que faz qualquer distinção irrelevante. Argumentou-se que, seja onde for, se a cultura é considerada como manifestação de uma essência primordial ou inata, a confiança no critério cultural ou étnico na distinção entre os povos funcionam da mesma maneira como determinismo biológico (MILES 1993:101). A distinção importante não é entre as características culturais

ou fisiológicas, mas sim, entre os modos como esses critérios ganham significados e influem. Os processos históricos através dos quais os grupos ou nações se desenvolvem têm-se baseado nessas qualidades inatas assumidas – sejam culturais ou biológicas – e subseqüentemente elas se encontram dentro das relações específicas de poder e material (WEINER 1997d:99).

Veja abaixo no Mapa 2, o Império Japonês na Ásia Oriental por ano de ocupação até antes de perder a Segunda Guerra Mundial em 1945. Para mais detalhes, veja no Anexo 1, o Cronograma Histórico Geral que contempla os fatos históricos do Japão, Brasil, Europa e Estados Unidos (Ocidente); fatos que afetaram internacionalmente, a relação entre o Brasil e o Japão – seja de japoneses no Brasil seja de brasileiros no Japão, assim como os nikkeijin em geral, isto é, dentro do contexto do grande deslocamento populacional que

veio ocorrendo desde o final do século XIX e ao longo do século XX. Isso nos ajuda a visualizar os diferentes contextos citados acima nesse período, permitindo-nos ver conjuntamente as diferentes realidades, que aparentemente podem não ter nenhuma relação, mas que ao serem sobrepostas (STRATHERN 1995; SAID 1995), nos possibilitam fazer outras leituras, à medida que as “histórias estão conectadas” (SUBRAHMANYAM 1997).

Mapa 2 – O Império Japonês na Ásia Oriental por Ano de Ocupação

Fonte: History Place. URL (acessado em 25/07/2005):

http://www.historyplace.com/unitedstates/pacificwar/pacwar.gif

A articulação de uma ideologia em que as categorias de ‘raça’ e nação se sobrepõem tão claramente não é exclusiva ao Japão, segue WEINER (1997d:104-5). Essa reificação da

nação enquanto uma entidade orgânica tem claramente paralelos na Europa contemporânea onde a conceituação de ‘nações’ como “formações naturais de grupos identificados pelos ‘differentiae’ culturais implicou que os ‘símbolos da ‘nação’ se baseavam na raça”. Dado que o Japão estava modelando conscientemente o seu comportamento nas outras esferas de

atividades baseando-se nos seus contemporâneos europeus e americanos, não é surpresa que o pensamento ‘racial’ japonês tenha muito da sua inspiração nas nações ocidentais mais avançadas e desenvolvidas. No contexto da expansão imperial no final do século XIX, a nova identidade nacional japonesa interagiu com o Ocidente, assim como esta foi redefinida através do contato com o ‘racismo’ científico ocidental.

Para ilustrarmos essas questões discutidas acima, apresentaremos a seguir, o caso da colonização japonesa na Coréia que foi uma das colônias que sofreu um processo de japonização através de políticas assimilacionistas, dentro da lógica imperialista militar nipônica na primeira metade do século XX.