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O Japão Moderno

3.6. Teoria da Modernização

A “Teoria da Modernização” surgiu logo depois da descolonização após a Segunda Guerra Mundial. Isso combinou as ambições explicativas e programáticas: ao explicar as origens do desenvolvimento, esta teoria procurou informar as medidas políticas para aliviar a pobreza e alcançar o crescimento. Embora essa teoria já tenha sido superada no final dos 1970, sua preeminência nos anos 50 e 60 não pode ser negada. Podemos considerar que foi uma estrutura teórica influente para entender o Japão (LIE

1996:14).

De 1965 a 1972, a sociedade japonesa começou a experimentar algumas distorções do rápido crescimento econômico, assim como a natureza dos problemas mudou. O novo conjunto de questões inclui: [1] a alienação do senso individual nas organizações em massa; [2] desequilíbrios ambientais e poluição; [3] problemas de superpopulação das áreas urbanas e êxodo rural; [4] o aumento repentino de horas de lazer e seu efeito nos estilos de vida de muitas pessoas; [5] o aumento da criminalidade; [6] movimento estudantil e seus efeitos nas comunidades universitárias; [7] o rápido envelhecimento da população somado ao [8] aumento da expectativa de vida (AOI & NAOI 1974).

A abordagem do Japão nos estudos do desenvolvimento é bizarra, a partir da vantajosa visão dos anos 1990, prossegue John Lie, pois o Japão nem experimentou a subordinação colonial, nem é um país não-industrial. Além disso, a derrota na Segunda Guerra Mundial, o subseqüente período de ocupação americana e o suposto ‘atraso’ político levaram o Japão a ser classificado como país em desenvolvimento, mais do que um país desenvolvido.

A estrutura evolucionária da teoria de Talcott Parsons (1902-1979) supunha um caráter singular da modernidade. ‘Modernização’ era ‘Ocidentalização’. Nessa linha de raciocínio, nas diversas sociedades – apesar de suas origens distintas, seria o ‘progresso’ que aproximaria os valores e instituições do Ocidente. De fato, muitos trabalhos de cientistas sociais japoneses supunham que, apesar de existir idiossincrasias, o Japão competiria e se aproximaria ao Ocidente Moderno. Podemos notar que as análises sobre a ‘modernização’ exibem uma tendência eurocêntrica persistente. Construído a partir de uma visão idealizada do desenvolvimento ocidental, esses modelos mostram uma adequação difícil ao caso clássico da Inglaterra (THOMAS 1978). Como uma invocação

fácil dos modelos europeus ocidentais, a Teoria da Modernização também postula um caminho de desenvolvimento unilinear e pré-determinado. Isso não pode fazer muito sentido tendo em vista as trajetórias múltiplas e divergentes de desenvolvimento político (MOORE 1966). Além disso, isso é estar mal equipado para analisar os padrões

contingentes do desenvolvimento japonês que levou do autoritarismo militar à democracia civil. Em suma, a teoria da modernização não oferece instrumentos para explicar o Japão, exceto a expectativa geral da convergência futura à norma ocidental (LIE 1996:16). Na ausência de instrumentos analíticos concretos, muitos trabalhos sobre a teoria da modernização ironicamente replicaram as teorias problemáticas sobre a singularidade japonesa. Embora a teoria da modernização seja retoricamente invocada, análises concretas do desenvolvimento japonês tenderam a enaltecer as idiossincrasias culturais e históricas.

Mas por que a teoria da modernização, apesar de seus problemas teóricos, tornou- se popular no Japão? Pode-se dizer que alguns estudiosos japoneses aceitaram ansiosamente a visão que o Ocidente ofereceu sobre o futuro do Japão. Embora muitos estudiosos tivessem-se acomodado ao governo militar e em alguns casos colaboraram

ativamente na guerra, muito poucos permaneceram, como o resto do país, contemplando os ideais do pré-guerra depois de 1945. No seu lugar, os valores e instituições ocidentais, principalmente americanos, se tornaram o ideal amplamente aceito. A teoria da modernização era, então, não uma mera doutrina acadêmica, mas veio a expressar um desejo japonês persuasivo para um novo Japão, preferencialmente nos moldes anglo- americanos. O conceito de ‘moderno’ 「 近 代 」 [kindai] se tornou um ideal inquestionável e amplamente compartilhado pelos intelectuais japoneses no pós-guerra (LIE 1996:17).

Além disso, o fim da Segunda Guerra Mundial trouxe uma mudança no mundo acadêmico. A vida intelectual japonesa no pré-guerra, especialmente nas prestigiosas universidades nacionais, foi profundamente influenciada pela Alemanha (SHŌJI 1975;

TOMINAGA 1993). A Filosofia, Literatura, Ciências Sociais alemães, dominaram a vida

acadêmica japonesa. Depois da Segunda Guerra Mundial, contudo, as correntes alemãs minguaram contra a crescente tendência da vida intelectual americana. Montados na crista da expansão universitária nos anos 1950 e 60, os Estados Unidos substituíram a Alemanha como o principal exportador intelectual ao Japão. Assim, o que era popular nos departamentos de Ciências Sociais nas universidades americanas, era também difundido em várias universidades japonesas (LIE 1996:17).

Finalmente, a crítica gerada contra a teoria da modernização nos Estados Unidos nunca ganhou um grande apelo no Japão. A grande força e a trincheira do marxismo na academia japonesa preveniram o florescimento do neomarxismo. Se as críticas dos acadêmicos americanos sobre a intervenção americana no Vietnã desempenharam uma parte significativa na crítica da teoria da modernização, esse mesmo grupo não influenciou os cientistas sociais japoneses (ISHIDA 1995:30-32). Entre os marxistas, contudo, a modernização era simplesmente difamada como uma ideologia burguesa nefasta (KINBARA 1971; WADA 1971; NAKAMURA 1980).

A teoria da modernização foi, portanto, um aparato teórico-analítico importante para entender o Japão nos anos 1950 e 60 à medida que ela colocava o télos da modernidade ocidental ao Japão. Se por um lado a teoria da modernização não ofereceu nenhum instrumento para análise concreta, por outro, ela ofereceu amplamente uma

estrutura retórica para compor as monografias acadêmicas. Isso é visível em muitos escritos, em que é comum encontrar o seguinte roteiro: depois de sua discussão teórica inicial, replicam uma ou outra teoria da singularidade japonesa, ou apenas oferecem uma descrição da história ou cultura japonesa. A teoria ‘ocidental’, portanto, apenas ofereceu uma capa para o que era de fato uma explicação nativista da particularidade japonesa (LIE

1996:18).

Foi a partir desse escopo teórico que surgiu “O Crisântemo e a Espada”, uma obra de Ruth Benedict que se tornou um dos maiores clássicos sobre a sociedade japonesa, como veremos a seguir. Este livro mostra não apenas a influência americana na sociedade japonesa a partir de um conjunto de relações bilaterais, mas também se insere nas discussões sobre o nihonjinron que tentam explicar a sociedade japonesa a partir da idéia de ‘singularidade cultural’ e ‘homogeneidade racial’.