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O Japão Moderno

1.13. Mobilização da Mão-de-Obra Colonial

O recrutamento e a mobilização da mão-de-obra colonial eram uma prática que todos os poderes coloniais empregaram alguma vez. Para os trabalhadores provenientes da Coréia que entraram no Japão entre 1910 e 1945, a função econômica e status social eram determinados pela sua identidade como colonizados. Embora o Ato da Anexação da Coréia em 1910 tenha conferido o direito de viajar e de obter um emprego dentro do império japonês, aos coreanos não eram garantidos os direitos de cidadania plena. Ao contrário, como está expresso nas políticas educacionais, sociais e econômicas da administração colonial, eram esperados dos coreanos que assimilassem o “seu devido lugar” dentro do Império: de aceitar a identidade subordinada e servir aos interesses do Japão metropolitano (WEINER 1997a:84).

Uma vez em curso, a demanda por mão-de-obra industrial, de baixo custo e flexível continuou constantemente e a migração de trabalhadores da Coréia colonial foi uma resposta permanente às condições do mercado de trabalho no Japão. O recrutamento ativo da mão-de-obra colonial foi inicialmente estimulado pela rápida expansão industrial que acompanhou a entrada do Japão na Primeira Grande Guerra e que continuou mais ou menos ininterrupto até 1945.

Aos trabalhadores chineses e coreanos da periferia colonial que entraram no Japão antes e durante a Guerra do Pacífico (1941-1945)18, a função econômica e o status social eram determinados por uma identidade subordinada como súditos coloniais. Embora as anexações de Taiwan em 1895 e da Coréia em 1910 tenham conferido certo grau de mobilidade ocupacional e residencial dentro do próprio Japão (naichi), a possibilidade de igualdade social, econômica e política era remota. Ao contrário, os súditos chineses e coreanos eram assimilados em um processo desenhado para substituir sua herança cultural por uma identidade que refletia seu status dentro da hierarquia racial asiática. Isso encontrou expressão nas políticas sociais tanto nas administrações metropolitanas quanto coloniais (WEINER 2000:54).

A privação econômica e marginalização política em parte influenciaram na decisão de migrar, mas o aspecto estrutural sobre o tipo de mão-de-obra flexível oferecido pelos trabalhadores migrantes foi um fator bem mais importante para regular o fluxo populacional. Entre 1915 e 1945, a demanda por mão-de-obra industrial e barata permaneceu mais ou menos constante e a migração da periferia colonial se autoperpetuou em resposta às condições do mercado de trabalho no Japão. De fato, as comunidades comerciais chinesas existiram no Oeste do Japão por vários séculos, enquanto várias centenas de coreanos foram recrutados para serem empregados nas minas em Kyūshū 九州 (ilha ao sul do Japão) imediatamente antes da virada do século XX. Contudo, não há dúvida de que as migrações massivas da Coréia em particular ocorreram durante o período colonial e que formaram a base das comunidades atuais de zainichi 在日 [estrangeiros residentes por longo período no Japão] (WEINER 2000:54).

O número de coreanos e chineses que vieram trabalhar sem permissão no Japão aumentou rapidamente, especialmente depois do boom econômico no final dos anos 1910. Os conflitos entre os trabalhadores estrangeiros ilegais e os trabalhadores japoneses se tornaram freqüentes nos anos 1920 e as autoridades seguraram o problema rapidamente. A

18 A Guerra do Pacífico começou quando o governo militar do Império Japonês lançou uma campanha militar ao longo do Sudeste Asiático e Pacífico Ocidental. O conflito resultante envolveu muitos países da Europa, Ásia e Américas para um conflito direto com o Tripartite: Itália, Alemanha e Japão (“The Pacific War – A World War II Special Feature”. WAR TIMES JOURNAL, URL (acessado em 26/04/2006):

http://www.wtj.com/articles/pacific_war/ ). O Eixo também ficou conhecido como “Roberto” – uma sigla que se compõe das abreviações das capitais dos três países: RO de Roma (Itália); BER de Berlim (Alemanha) e TO de Tokyo (Japão).

mídia também se interessou pelo assunto nesse período. Em geral, esses conflitos constituíam-se de pequenos atritos, mas a violência estourou e ficou fora de controle depois do Grande Terremoto de Kantō [Kantō Daishinsai 関東 大震災 ] (Região de Tokyo, no Japão) no dia 1º de setembro de 1923. Agindo sob falsa informação e exagero, os civis, polícia e soldados japoneses atacaram os coreanos e os chineses e pelo menos 6.000 coreanos foram mortos, sendo muitos torturados e assassinados pelos jikeidan 自警団 ou vigilantes (RYANG 2003). O que salta aos olhos é o fato de ninguém ter vindo para defender os coreanos e os chineses e as autoridades locais realmente participaram da violência, que obviamente era ilegal em termos da legislação japonesa existente. Os coreanos não demoraram para descobrir que eles nunca deveriam confiar nas autoridades japonesas. A escala de linchamento massivo que se sucedeu logo depois do Terremoto de Kantō foi tão infame que desde então nenhum coreano no Japão poderia ter nenhuma ilusão sobre a essência do governo colonial japonês (MERVIO 2002:99).

As guerras nos anos 1930 e 1940 fizeram parte de tempos particularmente difíceis para todos os coreanos e sobretudo as coreanas. Estima-se que cerca de duzentos mil coreanas trabalharam como “Comfort Women” [ Jūgun Ianfu 従軍慰安婦 ] assim como as mulheres asiáticas de outras partes do império japonês foram levadas coagidas aos bordéis nas áreas militares. Elas eram sexualmente abusadas e exploradas por trinta a quarenta soldados japoneses por dia, por um período de meses ou anos (STETZ 2003). Sob a

Constituição Japonesa, o Imperador era o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas e era tratado como tendo uma relação direta e íntima com elas que estava além da autoridade do governo civil. As Forças Armadas eram descritas mais do que qualquer outro órgão do Estado, como “os filhos”, “membros” ou “braços” do Imperador. Mesmo as próprias Comfort Women foram afetadas por esse pensamento. De acordo com os dados colecionados por KIM Il Myon (1976)19, elas geralmente achavam eficiente dizer que

também eram “filhas do mesmo Imperador” (HICKS 1995:16), tentando assim amenizar o comportamento violento das tropas contra elas. Este tema polêmico se tornou mais visível apenas mais recentemente, digo, desde os anos 1990, quando a crítica internacional aumentou, à medida que o tema dos ‘Direitos Humanos’ foi ganhando espaço no debate

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Segundo HICKS (1995), esta autora fez o estudo mais notável sobre o tema pela relevante literatura sobre reminiscência da guerra, baseada em 75 fontes importantes, datadas de 1942 a 1975.

acadêmico, político e mundial (GOODMAN & NEARY 1996). Diante da pressão externa, o

Japão tem se sentido obrigado a olhar de frente as questões mal resolvidas do período de guerra. Esse movimento de direitos humanos também deu voz e visibilidade às minorias e grupos marginalizados como os ex-colonizados. Dentre estes, as Comfort Women que hoje são senhoras entre 70 e 80 anos e têm sido foco de algumas ONGs20. Com apoio dessas organizações, esses grupos marginalizados do mainstream japonês são também um dos pontos importantes na tensa relação entre o Japão e a Coréia, ainda nos dias de hoje, geralmente associada às outras polêmicas, como a dos livros didáticos de História (como será detalhado mais adiante no Capítulo 4, sobre o nacionalismo japonês contemporâneo).

Vejamos agora, algumas implicações deste contexto imperial para os coreanos que estão no Japão propriamente dito. A maior onda de imigração da Coréia ao Japão ocorreu nesse mesmo período, dos anos 1930 e 40. Centenas de milhares de coreanos foram levados ao Japão, sob o domínio colonial japonês. Depois da guerra, um grande número de coreanos viveu no Japão sem a cidadania japonesa e enfrentou várias formas de discriminação. A maioria dos coreanos no Japão hoje é descendente do povo que veio ou foi trazido ao Japão durante o período colonial, além da segunda, terceira ou quarta geração de nipo-coreanos que cresceram no Japão21. Por causa dos problemas políticos que impediram a formação de relações mais estreitas entre o Japão e ambas as Coréias, a comunidade coreana no Japão viveu em um isolamento relativo, que tornou difícil acompanhar as mudanças sociais e culturais na sociedade coreana contemporânea. Por outro lado, os coreanos no Japão tiveram que dar o melhor de si e para maioria das pessoas isso significou assimilar-se à sociedade japonesa. Contudo, a questão da “assimilação” é muito delicada uma vez que a maioria dos nipo-coreanos entende e enxerga os valores da cultura coreana (muito melhor do que a maioria dos japoneses) e são muito conscientes da “alteridade” que continua os separando da maioria. A assimilação inclui um aspecto de retornar para uma cultura enquanto abraça uma outra. Quando tanto as leis como as práticas intersubjetivas japonesas discriminaram os coreanos, a maioria dos coreanos tinha pouca

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ONG é sigla de Organização Não Governamental. Há também organizações sem fins lucrativos [ NPO – Non Profit Organization ] , outras voluntárias, etc..

21 No Capítulo 5 sobre os grupos minoritários na sociedade japonesa discutiremos mais detalhadamente sobre a questão contemporânea dos coreanos e seus descendentes no Japão, que compõem a maior população estrangeira no Japão, atualmente, focando na questão da sua identidade.

razão para se sentir japonesa, mesmo que eles tivessem se assimilado profundamente, talvez mais do que outras comunidades estrangeiras no Japão (MERVIO 2002:92).

Os coreanos eram considerados como um caso especial já desde o ano de 1876, desde quando, baseando-se no Tratado de Amizade entre Japão e Coréia, permitiu-se aos coreanos morar livremente no Japão, fora dos estabelecimentos designados para os “estrangeiros”. Contudo, o número de coreanos no Japão permaneceu muito baixo por algum tempo. Em 1885 havia apenas um coreano no Japão e em 1910, no período de anexação da Coréia pelo Japão, havia 3.542 coreanos no Japão. Muitos desses visitantes / imigrantes foram ao Japão como estudantes, pois o Japão mantinha um controle imigratório rígido. Depois de 1910 o número de coreanos no Japão passou a crescer gradualmente. As “reformas” japonesas na península acabaram empobrecendo milhões de fazendeiros coreanos de suas áreas rurais, tornando-os uma massa de força de trabalho barata para as corporações japonesas (muitas das quais tinham posições de monopólio) tanto na Coréia quanto no Japão. Durante a Guerra do Pacífico (1941-1945), mais de um milhão de coreanos foram levados à força ao Japão como mão-de-obra em construções e minas em trabalhos manuais pesados e perigosos. Pelo menos 60 mil coreanos morreram nas minas japonesas durante esse período e alguns foram assassinados a sangue frio durante ou depois de revoltas. As condições de moradia e de trabalho dos trabalhadores forçados constituíam claramente um crime de guerra (Ibid:97).