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O Japão Moderno

1.8. Relações Domésticas e Internacionais

Se a Revolução Meiji redefiniu a relação entre o autóctone e o alienígena (ORTIZ

2000:26), era importante então manter habilmente o equilíbrio entre eles. Depois da euforia da ocidentalização nas primeiras décadas após a Restauração Meiji, começou a surgir no país uma forte reação a ela, surgindo assim, no final dos anos 1880, uma unidade inquestionável do imperador e da valorização da tradição em que o conservadorismo político se funde ao culturalismo nacionalista (PYLE 1989 apud ORTIZ 2000:27). De acordo

com IRIYE (1989:734-5), a estabilidade do novo governo parecia depender, por um lado, da vontade de várias facções para lidar com os estrangeiros e, por outro, da cooperação dos estrangeiros nesse processo. Apesar da delicadeza da situação, em geral os novos líderes foram bem sucedidos em separar assuntos externos das tensões internas exacerbadas e usar esses assuntos externos para estabilizar a ordem doméstica.

Um exemplo disso foi a proibição dos ataques antiestrangeiros no Japão. O novo regime sabia que tais ataques poderiam minar a sua posição de governo no país. Para tal, o governo desenvolveu um sistema legislativo, engajando também uma extensiva campanha de propaganda para informar a população de que esses ataques antiestrangeiros eram contra “as leis do mundo”. Uma vez que o país se desenvolvesse de acordo com as leis internacionais, o Japão alcançaria o prestígio pelo mundo afora. Era uma estratégia eficaz e perspicaz em que combinava a proibição do antiestrangeirismo com a visão de um futuro glorioso, sendo ambas calculadas para consolidar a autoridade e prestígio do governo. Aparentemente, alguns anos depois da implantação do novo regime em 1868, todos os segmentos da população aceitaram essa nova orientação. Essa questão do antiestrangeirismo estava intimamente relacionada às reformas legais no país que, dentre

8 Numa linguagem acessível aos ‘não-japoneses’, veja por exemplo, C

HAMBERLAIN (1981); um site em inglês: “Japanese Creation Myth (712 CE) – From Genji Shibukawa: Tales from the Kojiki”. Washington State University. URL (acessado 26/04/2006):

outras coisas, aboliram a “extraterritorialidade”. Isso significava que por um lado, o país seria um lugar seguro para os estrangeiros, não estando mais confinados a áreas restritas para protegê-los da violência, nem ter um sistema especial de proteção legal na forma de jurisdição consular. Segundo YAMAWAKI (2000:39), durante o período entre 1859 e 1899, havia áreas restritas aos estrangeiros no Japão, em geral eram colônias ou estabelecimentos próprios, com suas próprias leis. A partir de 1899, por outro lado, eles teriam que obedecer às leis japonesas como qualquer outro país moderno. Isso quer dizer que o Japão tinha se transformado em um Estado moderno legal e, sendo assim, passou a ser prestigiado internamente e externamente.

Até então, a extraterritorialidade e o privilégio dos residentes ocidentais que eram processados apenas em cortes especiais eram considerados um sinal humilhante da superioridade européia. Diante da ameaça da frota americana do Comodoro Perry – como já foi dito anteriormente – e sem alternativa, Edo 江戸 (atual Tokyo) teve de assinar o tratado com os Estados Unidos e estabelecer uma relação comercial. Os dois portos abertos foram Shimoda 下田 , no final da península perto de Edo, e Hakodate 函館 em Hokkaidō 北海

道 , ambos portos insignificantes em lugares relativamente remotos e foi estipulado que

qualquer nova concessão feita a outros países ocidentais seria automaticamente aplicada aos Estados Unidos também, uma provisão tomada do sistema de “tratado desigual” que foi então forçado à China. Uma vez abertas as portas, não tinha mais como fechá-las. Em dois anos o governo japonês foi forçado a assinar tratados semelhantes com os britânicos, russos e holandeses. O tratado russo adicionou um outro elemento do sistema de “tratado desigual” chinês: a ‘extraterritorialidade’, ou o direito de os ocidentais residirem no Japão, tendo sua própria corte consular sob suas próprias leis nacionais. Os comerciantes estrangeiros foram particularmente atraídos aos portos recentemente abertos de Yokohama

横浜 (próximo a Edo) e Kōbe 神戸 (próximo a Ōsaka 大阪 ) – ambas as regiões que se

desenvolveram como grandes cidades. Aí os soldados britânicos e franceses seguiram os ocidentais para protegê-los dos samurais intransigentes que se opunham à sua presença, através de ataques antiestrangeiros.

Nesse sentido, revogar a extraterritorialidade significava um importante reconhecimento de igualdade por parte de outros países europeus civilizados. Um acordo com a Grã-Bretanha foi o primeiro dentre vários que findou esse sistema em 1899.

Lentamente as potências ocidentais foram percebendo que lidar com o Japão era uma questão muito diferente de outros países não-ocidentais, sendo então aceito e reconhecido como uma potência “civilizada”.

As práticas legais antes da emergência do Estado nacional moderno, assim como o sistema de registro familiar e o controle dos estrangeiros 9, parecem ser as influências mais importantes na codificação inicial da lei de nacionalidade no Japão. A adoção de jus sanguinis deveu-se à compatibilidade com o sistema de registro familiar, uma escolha lógica que se baseou no estudo comparativo de leis de nacionalidade, na tentativa de controlar a penetração de estrangeiros e na pressão externa para modernizar a lei de nacionalidade como um componente das relações internacionais e busca pela soberania nacional. Apesar do crescimento do nacionalismo étnico nos anos 1890 no Japão, o seu impacto direto na legislação foi fraco. A codificação da lei de nacionalidade foi, mais do que qualquer coisa, um passo necessário para a implementação do Tratado de Igualdade com as potências estrangeiras. Neste sentido, o projeto foi levado adiante dentro de uma estrutura mais ampla de modernização das instituições legais em que o governo, além das preocupações burocráticas e estadistas, estava em oposição aos setores tradicionais, conservadores e etnonacionalistas (KASHIWAZAKI 1998:13).