• Nenhum resultado encontrado

BREVE HISTÓRIA SOCIAL DO CINEMA

2 Formação do subcampo do cinema

2.2 A fase pioneira: o pré-cinema

A primeira sessão comercial oficial de cinema, segundo a historiografia comum, aconteceu em Paris, França, no dia 28 de dezembro de 1895, com somente 35 pessoas que assistiram à projeção de dez filmes de dois minutos de duração cada um. A “sala de exibição” era o Salão Indiano, no subsolo do Grand Café, situado no Boulevard dês Capucines, perto do Opera, e na sua fachada trazia o cartaz “Cinematógrafo Lumière”. Essa primeira sessão oficial foi precedida por uma pré-estreia no dia anterior, somente para convidados.

A novidade causou espanto àquelas poucas pessoas que estavam presentes porque, pela primeira vez na história da cultura, viam-se imagens em movimento, algo como uma fotografia que se mexia. Não é difícil imaginar a surpresa do público com aquela mais recente tecnologia do mundo moderno. Conta-se a lenda de que algumas daquelas pessoas presentes - que ao entrarem esperavam apenas assistir a mais um espetáculo de lanterna mágica, comum naqueles tempos - saíram correndo apavoradas, depois de assistir, em um dos filmes a um trem chegando à estação, filmada sob a perspectiva de alguém que o espera na plataforma de embarque (DUFRESNE, 2005). Nascia, oficialmente, o cinema como técnica e tecnologia aplicada ao lazer e ao entretenimento, mas também a gênese do que pouco mais de 20 anos depois iria se transformar em uma verdadeira indústria da diversão, a maior de todas até a metade do século XX, quando a Televisão desbancou o cinema do posto de mídia de grande público.

Embora a sessão inaugural do cinema, que custou um franco, não haver sido bem-sucedida comercialmente, pois se esperava mais do que 35 espectadores, o boca-a-boca sobre a novidade fez com que rapidamente pelo menos 1.500 pessoas se postassem diante do Grand Café, inaugurando a fila à porta do cinema, aquilo que, até os dias atuais, faz parte do ritual de qualquer espectador. Muito cedo, os que haviam se maravilhado com a primeira sessão retornavam posteriormente com amigos para conferir a grande novidade. A imprensa de Paris praticamente ignorou o evento histórico, dedicando-lhe pouquíssima atenção.

Anteriormente a este grande dia, Louis e Auguste Lumière, os inventores do cinema, eram originários de Lyon, e dedicaram, nos anos antecedentes, boa parte de seus estudos à

fotografia, inclusive, a fotografia colorida. Simultaneamente, os dois, assim como outros inventores da época, dirigiam suas pesquisas na tentativa de criar uma “fotografia animada”, que reproduzisse o movimento. Um ano antes da sessão inaugural, os irmãos já haviam descoberto a técnica e em fevereiro de 1895 patentearam o cinematógrafo, nome atribuído ao invento. Somente depois de incentivados pela classe dos inventores e o campo acadêmico, os irmãos decidiram apresentá-lo ao público.

Georges Méliès (1861-1938), outro dos pioneiros do cinema, era um dos convidados à sessão fechada para convidados no dia 27 de dezembro. Empresário e artista do ramo do espetáculo público, Méliès trabalhava com desenho, ilusionismo, lanterna mágica e prestidigitação. Maravilhado com a descoberta dos irmãos Lumière, Méliès tentou comprar o aparelho. O pai da dupla, Antoine Lumière, recusou, não porque achava que tinha uma mina de ouro nas mãos, mas porque não acreditava no desenvolvimento do cinema. Para ele, tratava-se apenas de uma descoberta científica que logo cairia no esquecimento, não antevendo o promissor futuro comercial da invenção de seus filhos.

A descoberta de uma técnica que permita o movimento das imagens é uma obsessão para o homem civilizado. No século II d.C., Ptolomeu, no Tratado de Óptica, descreveu os fenômenos de persistência de impressões luminosas sobre a retina. Em 1671, o religioso alemão padre Kircher, descreveu pela primeira vez a lanterna mágica. No entanto, é no mundo moderno, a partir do Século XIX, com o desenvolvimento tecnológico provocado pela Revolução Industrial, é que uma série de aparelhos foram utilizados para criar a ilusão de movimento nas imagens fotografadas. O fenaquisticópio, do belga Joseph Plateau, em 1829, era composto por disco sobre o qual figuravam oito imagens, que rodando rapidamente, moviam-se.

Em 1874, Jules Janssen, com o “Revólver astronômico”, fixou as passagens de Vênus diante do sol e inaugurou a cronofotografia. Seus trabalhos foram aperfeiçoados por Jules Marey, fisiologista, que reconstituiu o movimento da asa de um pássaro. A partir de 1877, Emile Reynaud criou o praxinoscópio, combinação de projetores e espelhos, que reproduzia imagens desenhadas sobre uma tela. Nos EUA, Thomas Edison pesquisou imagens em

movimento, com o cinetógrafo (1891) e depois com o cinetoscópio, que reproduzia imagens registradas pelo primeiro aparelho. Para vê-las era preciso se inclinar sobre uma espécie de caixa que continha as imagens, equipada com lentes. No entanto, esse sistema era limitado porque somente uma pessoa de cada vez poderia olhar as imagens. Essa invenção de Edison, considerado bem-sucedida, é parte da controvérsia sobre a real paternidade do cinema, que o antagonizava com os irmãos Lumière.

Superada a fase científica do cinema, que provocou apenas curiosidade na sociedade moderna da passagem do Século XIX para o XX, Méliès, que não conseguiu comprar o cinematógrafo da família Lumière, construiu o seu próprio aparelho, fazendo com que aquela invenção tecnológica de fato se aproximasse do espetáculo público de cunho popular que se transformaria já no início do novo século. Como se sabe, na sua fase científica, o cinema era basicamente a filmagem de um plano, com câmera parada em determinado ponto, de paisagens urbanas e do movimento de pessoas nas grandes cidades, como a chegada do trem na estação, as operárias diante da fábrica, conhecidas como “vistas”. Não havia enredos, não havia uma movimentação da câmera e não havia um corte e uma edição que se aproximasse minimamente o que era filmado de uma narrativa cinematográfica. Então, Méliès fez seu primeiro filme em único cenário: o jardim de sua casa, com um simples enredo (DUFRESNE, 2005).

As descobertas técnicas, que, em verdade, eram princípios da linguagem e da narrativa cinematográfica, foram sendo paulatinamente pensadas e solucionadas por Méliès24, a partir de situações vivenciadas no set de filmagem: multiplicação de imagens de um mesmo personagem, o desaparecimento gradual de uma imagem e a transição progressiva para outra (o que conhecemos atualmente como fade in, fade out e fusão. Assim, nasceram as suas produções: Viagem à lua, A conquista do pólo, A viagem de Gulliver, O reino das fadas. No total, o pioneiro francês produziu mais de mil títulos, sendo considerado e reconhecido, posteriormente, como o primeiro grande criador artístico do cinema.

24

Entre 1896 e 1913, Méliès dirigiu 552 filmes, sendo ainda produtor, roteirista, ator, diretor de fotografia,

Menos de uma década depois da exibição de estréia promovida pela família Lumière, o cinema já era, em 1900, durante a Exposição Universal, em Paris, a atração do mundo modernizado e industrial da passagem dos séculos XIX para o XX, a atração que mais impressionou os visitantes. Os organizadores do grande evento colocaram telas que exibiam paisagens dos países representados na exposição; imagens que eram vistas simultaneamente por milhares de pessoas (DUFRESNE, 2005).

O cinema, como entretenimento público, surgiu no contexto de uma prática de diversão para agentes de classes sociais menos favorecidas. O Nickelodeon, invenção de Thomas Edison, tido pela historiografia do cinema, como precursor das atuais salas de exibição, surgiu, inicialmente, nas cidades ao preço de um níquel. Era um espaço de exibição dos “filmes”, ainda não hegemônico no gosto popular, posto que, como forma de entretenimento, disputava com os shows de bizarrices, esquisitices e horrores, muito comuns nessa época, a preferência das camadas mais populares da sociedade.

Assim, o cinema surge nesse contexto como a expressão transformada (e transformadora) da cultura popular na modernidade, trazendo entre seus elementos de formação como campo social a síntese das contribuições do entretenimento popular (afinal, destinava-se, inicialmente, ao público menos esclarecido). Mas, não apenas isso. A própria existência como campo social deve-se a uma espécie de desdobramento do campo artístico, uma vez que grande número de agentes criadores é oriundo do teatro, e de outras expressões artísticas, em migração para o campo em formação.

Por sua vez, este novo subcampo do cinema, ao tornar-se popular, proporcionou visibilidade, ascensão e legitimidade social a seus muitos agentes (os criadores do campo), além de promover a existência de novos valores culturais na sociedade moderna. Obviamente, tal processo não acontece repentinamente, levando alguns anos, ou seja, o tempo de formação do campo. Conforme será visto mais adiante, somente a partir dos anos 1920, o subcampo do cinema passa a ser percebido, também, como expressão artística.