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BREVE HISTÓRIA SOCIAL DO CINEMA

2 Formação do subcampo do cinema

3.3 Primeiro fundamento da linguagem cinematográfica: a fotografia

A fotografia, em sentido estrito, é, ao mesmo tempo, signo icônico e índice, e que a imagem é, por origem, uma imitação do real. Ou numa primeira acepção da palavra, algo

semelhante a um objeto ou pessoa real. A imagem fotográfica existe em função de que o objeto fotografado é recriado como imagem a partir da luz que incide sobre ele (o objeto). Assim, fecha-se o circuito da recriação com a “impressão” luminosa da imagem na película.

A imagem fotográfica difere da imagem produzida manualmente, como por exemplo, a pintura, uma vez que esta não é semelhante àquilo que retrata. A pintura corresponde a um conceito mental que pode ser representado figurativamente ou de forma abstrata. Ou seja, um cavalo pode ser representado figurativamente ou de forma abstrata e a realidade se faz através do artista, que se abre ao processo criativo.

É ícone porque a imagem fotográfica denota alguma coisa ao apresentar propriedades em comum com a coisa denotada (ou semelhança); e é índice por ser um signo que se refere ao objeto que ele denota em virtude de ter sido afetado por esse objeto. Ismail Xavier descreve esse processo como o de “indexalidade” (XAVIER, 2005, p. 18):

Em outras palavras, ela [Maya Deren, nota do autor] está falando sobre a indexalidade da imagem fotográfica pois, dado que o processo fotográfico implica numa “impressão” luminosa da imagem na película, esta imagem enquadra-se também na categoria de índice – “um índice é um signo que se refere ao objeto que ele denota em virtude de ter sido realmente afetado por este objeto” (Philosophical writings os Pierce, p . 102).

Xavier parte dessa premissa do estudo semiótico da imagem e vai para outra direção, qual seja a das implicações práticas que advêm dessas propriedades básicas do material cinematográfico, para discutir questões como:

 Fidelidade de reprodução de certas propriedades visíveis do objeto.  A ilusão das coisas mesmas que se apresentam sobre nós.

 A ilusão do documento.

 A ilusão de realismo no cinema que é mais intensa até do que na fotografia, posto que o cinema é um passo além, pois se trata de fotografia em movimento.

O realismo é algo que está posto na discussão do cinema desde os primórdios e mais do que isso é celebrado como propriedade, virtude e qualificação da obra cinematográfica. O filme

é composto por uma sucessão de fotografias, que a rigor, são separadas e descontínuas e somente na projeção das fotografias em uma tela é que as imagens são percebidas como um contínuo.

As relações que se criam entre uma e outra “fotografia” decorrem de duas operações. A primeira diz respeito à filmagem: como será feito o registro? Na captação das imagens não há uma sucessão cronológica espaço-temporal que não corresponde exatamente à relação espaço-temporal da projeção final, definida pelo processo da montagem, pois a filmagem é o lugar privilegiado da descontinuidade, da repetição, da desordem e de tudo aquilo que pode ser dissolvido, transformado ou eliminado na montagem. O segundo é o processo da montagem que definirá como as imagens obtidas serão combinadas e ritmadas.

Citando Noel Burch, teórico e cineasta francês de origem norte-americana, que entre outras contribuições “procura evidenciar a constituição progressiva do modo de representação dominante, que ele chama de „institucional‟, aquele que rege a linguagem do cinema clássico” (AUMONT; MARIE, 2003, p.36), Ismail Xavier (2005, p.19) afirma que na imagem cinematográfica, o plano enquadra objetos circunscritos àquele ângulo de visão e àquele quadro determinado, mas esse tema que é mostrado guarda uma relação profunda com algo que se estende para fora do quadro, um elemento que se põe fora do ângulo de visão. Ismail classifica dois os espaços objetivados pelo plano: o espaço diretamente visado e um espaço não diretamente visado, conforme desejava Burch.

No entanto, para Xavier, a idéia de “algo fora do quadro” depende da composição pretendida. Neste ponto, ele (2005, p.20) discorda de André Bazin (1990), que afirmava haver sempre algo para fora, rejeitando a idéia de quadro, mas preferindo a idéia de “recorte”, como algo que aponte para um recorte da realidade que existe para fora do que está enquadrado. Para Bazin, o quadro é centrípeto, e a tela é centrífuga, que aponta para fora, para a expansão, a impressão de que há um mundo do lado de fora. Para Xavier, isso não deverá ser uma regra.

Ismail recorre mais uma vez a Noel Burch, para tecer considerações sobre as analogias do cinema (o espaço cinemático) com o teatro (o espaço teatral). Nos primórdios do cinema, essa relação atribuía o status de “teatro filmado” ao cinema, baseado na fixação espaço- temporal de palco para onde tudo converge, onde não havia mobilidade da câmera.

O retângulo da imagem é visto como uma espécie de janela que abre para um universo que existe em si e por si, embora separado do nosso mundo pela superfície da tela. Esta noção de janela (ou às vezes de espelho), aplicada ao retângulo cinematográfico, vai marcar a incidência de princípios tradicionais à cultura ocidental, que definem a relação entre o mundo da representação artística e o mundo dito real. (XAVIER, 2005, p. 22).

Assim, o advento do movimento da câmera apontaria então para a idéia de um espaço fora dessa espacialidade temporal. A expressividade da câmera estaria no seu movimento contínuo, de posicionamento em diversos ângulos, o que acarreta uma multiplicidade de pontos de vista. Mais uma vez, Xavier critica a idéia de cinema como teatro filmado posto que na própria linguagem cinematográfica há a incidência (e alternância) de planos fixos e contínuos com planos em movimentos e de curta duração. Nesses planos fixos e contínuos há também uma indefinição do não visto e do enclausuramento e nem por isso é teatro filmado.

A expressividade da imagem cinematográfica ganha efeitos e realces com o recurso da montagem. A montagem opera o sentido da descontinuidade e continuidade. Um pedaço de filme, ou fotografia, combinado a dois registros distintos, aquele que o antecede e o que o precede. O sentido da seqüência está posto, mas também a idéia da significação que nasce da relação entre partes descontínuas. A montagem possibilita a multiplicidade de pontos de vistas.

A decupagem é o processo de decomposição do filme (e, portanto, das seqüências e cenas) em planos. O plano corresponde a cada tomada de cena, ou seja, a extensão de filme compreendida entre dois cortes. O plano é um segmento contínuo da imagem. Pensando em uma ordem do maior para o menor, um filme é composto de seqüências, que por sua vez é composto de cenas, que por sua vez é composto de planos, o plano é então a menor unidade dramática de um filme.

Ismail Xavier (2005, p. 27-28) adota uma classificação dos planos, destacando que tal categorização é arbitrária, variando sua nomenclatura e conceito de acordo com a perspectiva teórica que se adota: o plano geral destaca exteriores e interiores amplos, mostrando todo o espaço da ação, com a figura humana não sendo elemento identificável; o plano médio ou de conjunto é utilizado em interiores, identificando os elementos humanos e o cenário, mas é um campo mais restrito de visão em relação ao geral; o plano americano centraliza figuras humanas que são mostradas de cima até a cintura, denotando uma grande proximidade da câmera em relação ao elemento humano; o primeiro plano (close-up) recorte o rosto ou detalhe da figura humana, enquanto o primeiríssimo plano seria um recorte ainda mais restrito da figura humana, um olho, por exemplo.

A classificação dos ângulos: normal, quando a câmera se coloca no mesmo nível da ação mostrada; a câmera alta se posiciona acima do objeto a ser filmado, normalmente para diminuir a importância deste em relação ao conjunto. Já a câmera baixa se coloca abaixo do objeto a ser filmado, normalmente para aumentar ou destacar a importância do objeto em relação ao conjunto.