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O CINEMA NO BRASIL NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO

1.5 Anos 1990: a retomada do cinema e início da era do Estado incentivador

A década de 90 marca o início de um novo ciclo de cinema no Brasil, com a retomada da produção, de forma mais sistemática, a partir dos anos 1994-95. Os mecanismos de produção e distribuição de grande parte dos filmes nacionais, que durante as décadas de 1970 e 1980 estavam basicamente a cargo de órgão estatal, a Embrafilme, haviam sido extintos pelo governo do presidente da República, Fernando Collor, em 15 de março de 1990. Os reflexos de uma política global de cunho fortemente neoliberal comprometeram o Estado brasileiro como promotor e difusor da produção cultural audiovisual. Entre 1990 e 1993, o cinema brasileiro de longa-metragem praticamente desapareceu. Poucos títulos

foram produzidos e chegaram ao público espectador.

Com o advento da chamada Lei do Audiovisual33, que permitiu um aumento significativo da produção, os agentes da produção e direção de cinema apostaram em um “potencial” mercado internacional para os filmes nacionais. Assim, parte da produção brasileira da segunda metade da década de 1990 esteve voltada para a produção de filmes com visíveis interesses de mercado. Com pretensões a recuperar algum público para o cinema feito no Brasil. Alguns novos filmes dessa época incorporam modelos estéticos compatíveis com a demanda de mercado internacional, de inspiração na linguagem e narrativa de filme de padrão hollywoodiano.

O argumento pretendido é de que as novas produções poderiam competir com produtos estrangeiros similares em sua narrativa, adaptando-se a um gosto geral do mercado de cinema mundial. Estabeleceu-se uma tendência crescente de produção voltada para o mercado, entendida principalmente como aquele padrão de filme, feito, sobretudo, para o entretenimento, com linguagem acessível, bem aproximada àquela difundida pelo cinema narrativo convencional e até mesmo com filmes produzidos em inglês. Um quadro estético bastante diverso daqueles preconizados nas três décadas anteriores aos anos 1990.

No entanto, a viabilidade do modelo de filme voltado para o mercado e falado em inglês, embora produzido no Brasil, apresentava-se como uma impossibilidade porque o cinema brasileiro ainda não havia alcançado padrões técnicos compatíveis com a grande indústria cinematográfica dos EUA. Era apenas um cinema periférico, que estava lançando mão de uma estratégia mercadológica que não parecia ter provas empíricas de que seria bem sucedido comercialmente.

Houve uma quantidade razoável de filmes com essa finalidade, com destaque para Jenipapo (Monique Gardenberg, 1995). A produção aborda a questão dos sem-terra e do envolvimento da Igreja com a reforma agrária no Brasil, pela ótica de um jornalista

33 A Lei 8.685, de 20 de julho de 1993, o primeiro dispositivo legal especificamente voltado para a produção de cinema brasileiro, depois da era - Collor, ainda no governo do presidente Itamar Franco.

estrangeiro. No filme, não é raro ver personagens simplórios falando em inglês. Walter Lima Júnior (um remanescente do cinema novo) produziu e dirigiu O monge e a filha do carrasco (Walter Lima Júnior, 1995), adaptado de obra literária estrangeira. No filme, atores brasileiros e mais um ou dois norte-americanos representam em inglês um enredo ambientado na Europa medieval.

Cineasta veterano e não alinhado a quaisquer correntes e movimentos da tradição cinematográfica brasileira, Walter Hugo Khoury também dirigiu filmes em inglês. Tido por parte da crítica como o “Ingmar Bergman brasileiro” e no gênero do drama psicológico, com toques de erotismo, Khoury contou no elenco com Ben Gazzara, reconhecido ator norte-americano. Vale citar ainda Buena sorte (Tânia Lamarca, 1997), que se apropria de temática country para fazer uma espécie de faroeste caboclo, com personagens que dialogam em inglês. Em dado momento sente-se que a diretora desejou realizar uma sátira (ou seria uma paródia?) à estética da qual se apropriou, incluindo na trilha sonora uma mescla de sucessos rurais norte-americanos e brasileiros (anteriormente nomeados de sertanejos). Seria este o típico filme globalizado da década de 1990?.

No entanto, o fenômeno não ocorreu apenas no Brasil. A década de 1990 marca um movimento registrado em todos os cinemas nacionais não-norte-americanos, periféricos ou de tradição, na direção da estética da narratividade, a exemplo do cinema francês. Luc Besson se apropria de narrativa, linguagem, gênero cinematográfico e língua inglesa para realizar seus filmes.

Na segunda metade dos anos 1990, a temática / estética do sertão (cara à tradição cinematográfica do Brasil, a partir dos anos 1950, com o auge nos anos 1960 e 1970) retorna nos filmes Sertão das memórias (José Araújo), Central do Brasil (Walter Salles, 1998), Guerra de Canudos (Sérgio Rezende), Corisco e Dadá (Rosemberg Cariry), Baile perfumado (Paulo Caldas e Lírio Ferreira) e O cangaceiro (Aníbal Massaíni). São filmes que realizam uma representação do Brasil sob os mais diferentes prismas, pontos de vistas e enfoques estéticos, mas em todos pontifica a “cultura nordestina” como referencial estético.

Segundo o crítico Ismail Xavier (1997), as constantes variações e instabilidades por que passa o cinema brasileiro podem fazer acreditar que, na década de 90, mais um ciclo se configurou. Diz o autor, “travado, o sistema - cuja dissolução precoce tanto preocupou Paulo Emílio - parece estar sempre em formação, porque condenado pela história maior a não se consolidar; e o tempo parece apenas mudar a forma, e também a força, dos obstáculos”.

Filmes como Carlota Joaquina (Carla Camuratti, 1995) e Central do Brasil, aproximam-se do público brasileiro. São filmes que, de alguma maneira, dialogam com a tradição cinematográfica nacional. Carlota o faz pelo viés da chanchada dos anos 1950. Central do Brasil adota calculadamente uma mistura inteligente de influências neo-realistas e cinemanovistas com uma linguagem de cinema narrativo clássico, sempre a partir de uma temática nacional.

Néstor García Canclini (1995) dedica parte de seus estudos sobre globalização à problemática do cinema na América Latina e defende que os governos latino-americanos definam uma política cultural, separadamente, para os campos das artes tradicionais (teatro, artes plásticas, música, literatura etc.) e dos meios de comunicação (cinema e TV) porque compreende que a sobrevivência das nações depende desse investimento maciço na cultura de grande público via os meios de comunicação contemporâneos, definida como a indústria do audiovisual e não mais separadamente como cinema e televisão.

O autor comenta essas tendências como parte de um projeto de “sobrevivência” do cinema enquanto indústria que precisa de mercado consumidor. Para Canclini (1995), diante de dificuldades econômicas em tempos recessivos surge uma necessidade de acentuar aspectos de “transnacionalização”, quando se reduz os aspectos nacionais e regionais em prol de um procedimento que tornará o produto filme “compreensível” por platéias diversas. Para o autor, a globalização traz crescentemente a idéia de um “cinema-mundo”, fortemente estruturado a partir de alta tecnologia audiovisual e ferramentas mercadológicas de promoção e publicidade dos filmes, o que permite que cineastas como Steven Spielberg e George Lucas produzam “narrativas espetaculares”, a partir de “mitos inteligíveis” para

amplos segmentos dos públicos espectadores, independentemente “de seu nível cultural, educacional, econômico, da história de seu país ou do regime político que vivem”.