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O CINEMA NO BRASIL NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO

1.1 Anos 1950: a chanchada e os filmes da Vera Cruz

No Brasil, os filmes produzidos a partir do surgimento do estúdio cinematográfico Vera Cruz, em São Paulo, e as chamadas chanchadas produzidas pela Atlântida, no Rio de Janeiro, são considerados pela historiografia do cinema brasileiro como dois marcos na tentativa de se estabelecer, no Brasil, senão um cinema industrial, pelo menos um projeto

de atividade cinematográfica duradoura. Ambos os ciclos se caracterizaram por aspectos culturais diferenciados, a saber: o cinema paulista da Vera Cruz apostava na reprodução nacional do grande cinema clássico europeu (italiano, francês e inglês); enquanto a Atlântida tentou emular a formulação do cinema norte-americano (Hollywood), parodiando superproduções épicas do cinema dos EUA, além de investir em produções que mesclavam componentes narrativos das inocentes comédias musicais hollywoodianas, dos anos 1940- 1950, com elementos da cultura e do carnaval brasileiros.

Apesar do predomínio comercial do cinema hollywoodiano no mundo ocidental ao longo do século XX, é preciso ressaltar que os cinemas clássicos de países como Itália e, sobretudo, a França, obtiveram repercussão junto aos agentes espectadores brasileiros, formando, inclusive, algumas gerações de apreciadores de filmes. Trata-se de um tempo no qual não havia o monopólio de exibição como atualmente, sob o controle de grandes cadeias norte-americanas. Distribuidoras francesas como a Gaumont e Art Filmes possuíam cinemas no Brasil, que se encarregavam exclusivamente de exibir produções européias, especialmente italianas e francesas. No Recife, por exemplo, até os anos 1970 e 1980, havia o Trianon, Art Palácio, Ritz e Astor, que exibiam tais filmes.

Os dois citados ciclos de cinema objetivavam público e status diferenciado. A Vera Cruz almejava o cinema da “grande arte” e o público da classe média mais intelectualizada. A Atlântida mirava o cinema de entretenimento e o público das classes médias baixas e populares. A tentativa paulista resultou em menos de 20 produções ao longo de pouco mais de cinco anos e resultados fracassados de bilheteria. Um projeto estético que o público não aderiu. Já as chanchadas da Atlântida, cujo intervalo de tempo abrange desde o começo do ciclo, ainda em meados dos anos 1940, estendendo-se por toda a década de 1950, com grandes sucessos de bilheteria, resultou no mais bem-sucedido ciclo de cinema comercial da história do cinema brasileiro. No entanto, os dois ciclos contemplavam, a seu modo, a fórmula do cinema dominante e hegemônico, aquele cinema clássico oriundo dos EUA (a chanchada) e da Europa ocidental (os filmes da Vera Cruz). Alberto Cavalcanti (1897- 1982), brasileiro que fez carreira na Inglaterra e França, entre 1926 e 1977, dirigiu no Brasil

Simão, o caolho (1952), O canto do mar (1952) e Mulher de verdade (1954), clássicos nacionais.

As comédias musicais da Atlântida seguiam uma fórmula quase invariável, que incluía os protagonistas (herói e a mocinha), antagonista (o vilão), coadjuvantes (do bem e do mal), artistas famosos da época que se apresentavam em números musicais ao longo do filme, invariavelmente ambientados na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal. Embora tentativa de reprodução de cinema hegemônico, a chanchada teve o mérito involuntário de recriar o “musical à brasileira”, e de trazer para o cinema nacional certa visão irônica e até crítica da realidade brasileira desse período, com tratamento cômico. De fácil comunicação com as platéias, a chanchada, como gênero do cinema brasileiro, configurou-se como forma de comunicação direta com os espectadores.

Em sentido estrito, nem todas as produções categorizadas como chanchadas pertenciam exatamente ao gênero musical. Tradicionalmente, no musical, as canções são introduzidas no desenvolvimento do enredo, como um prolongamento dos diálogos, pois as letras continuam a “contar” a história e são “falas” dos atores. Exceções à regra, as canções do musical são escritas especialmente para aquele filme, e ainda que não tenham sido realizadas com esse fim, devem guardar profunda relação com o enredo. A rigor, a chanchada pode ser melhor compreendida como gênero de comédia com música, embora alguns de seus filmes emulassem, de fato e propositadamente, o filme musical hollywoodiano.

Os principais artistas que fizeram parte do ciclo são Oscarito (1906-1970), quase sempre formando dupla cômica, de grande repercussão e popularidade com Grande Otelo (1915- 1993), a “mocinha” Eliana Macedo, ou apenas Eliana (1926-1990), que em parceria com Adelaide Chiozzo (1931-....), formavam uma dupla musical das mais conhecidas, o “galã” Anselmo Duarte (1920-2009), o “vilão” José Lewgoy (1920-2003), Ankito (1924-2009), Dercy Gonçalves (1907-2008), Zé Trindade (1915-1990) e Zezé Macedo (1916-1999), entre tantos outros - atores de grande popularidade nos anos 1950. Cantores e cantoras

conhecidos da época também faziam participações especiais, muitas vezes lançando marchinhas que seriam hits carnavalescos de anos posteriores.

O cômico Amácio Mazzaropi (1912-1981), recordista de bilheteria com o seu popularíssimo personagem do matuto Jeca, em muitos filmes dos anos 1950 a 1970, não fez parte da Atlântida, sendo um fenômeno à parte na historiografia do cinema brasileiro. Já a participação de Carmen Miranda (1909-1955), brasileira nascida em Portugal, que estrelou muitos musicais em Hollywood, antecede a existência da Atlântida, aparecendo em cinco produções brasileiras, entre 1935 e 1940, com destaque para Alô, alô Carnaval (Adhemar Gonzaga, 1936), para a Cinédia.

A partir da década de 1960, o gênero entrou em declínio, encerrando o mais bem-sucedido ciclo comercial do cinema brasileiro. As causas foram as mais variadas: a contracultura dos anos 1960, com uma sociedade reivindicando mudança de valores, o engajamento social e político e até mesmo repetição das formulas cinematográficas que se exauriram como forma de entretenimento junto aos espectadores. É importante lembrar que as produções do ciclo da chanchada eram tecnicamente e com recursos de produção inferiores ao do ciclo da Vera Cruz, que lançou mão de equipamentos de qualidade, profissionais e técnicos de cinema renomados na Europa, bons estúdios e cenários de qualidade, para a concretização do sonho do cinema industrial.

Naquela época, pensava-se que as opções de tentativa de reproduzir o cinema dominante, seja pela qualidade técnica seja pela emulação de fórmulas narrativas, seriam suficientes para quebrar a hegemonia do cinema estrangeiro dominante. Apesar do ciclo da chanchada ter se revelado como uma mudança de habitus considerável no subcampo do cinema no Brasil, a hegemonia do cinema hollywoodiano, com sua estrutura de produção, distribuição e exibição mais potente, permanecia. Este seria então um fator a ser considerado na derrocada do ciclo da chanchada.

reduzida adesão a seus filmes e é quase unânime - principalmente por parte da crítica - a opinião de que as produções da Vera Cruz mantinham um tom de artificialismo e impostação ao tratar a realidade brasileira da época.”. O pesquisador afirma que era bastante corrente e comum qualificar as obras do “cinema de qualidade”, proposto pela Vera Cruz, como “estrangeiros”, não apenas porque eram produzidos por artistas e técnicos oriundos da Europa, mas porque havia, segundo o historiador, uma “intenção deliberada” de realizar filmes, a partir de formulações clássicas do cinema dominante europeu: inglês, francês e italiano, o que, supunha-se, descaracterizava a realidade nacional.