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BREVE HISTÓRIA SOCIAL DO CINEMA

1.4 O cinema de baixo orçamento e o cinema independente

À margem do grande sistema de produção distribuição e exibição da mega-indústria hollywoodiana subsiste outro cinema norte-americano. Trata-se de filmes de baixo orçamento, que, periodicamente, tornam-se inesperados sucessos de bilheteria. Filmes nomeados de cinema independente, que encontram grandes dificuldades em ser exibidos de uma forma mais sistemática, mas que eventualmente conseguem transpor a barreira imposta pelo cinema de grande orçamento.

Quando a era dos grandes estúdios terminou em Hollywood, por volta dos anos 1960, começou a florescer na indústria uma tendência de cinema de produção independente, que atingiu o seu auge nos anos 1980. A partir daí, uma seleção anual de filmes de qualidade foi produzida. Mas, como era de se supor, filmes independentes em produção costumam ser também independentes na narrativa e nas temáticas, privilegiando trabalhos mais autorais desatrelados à fórmula industrial do cinema hollywoodiano.

São produções que não dispõem do enorme aparato de marketing, promoção e publicidade da indústria hollywoodiana, e que, consequentemente, não podem concorrer com os filmes norte-americanos. Tabus da indústria como a “síndrome do final de semana” não fazem parte da realidade de produções de baixo orçamento, que não possuem uma rede de distribuição de longo alcance. Assim, os agentes mais intelectuais do subcampo do cinema nos EUA tendem a perder espaços para o grande cinema comercial. Ainda assim, novas gerações de cineastas independentes conseguiram projeção nacional, em princípio se situando à margem da indústria. Mas, é difícil transpor tais barreiras.

O cineasta David Lynch, ao ser provocado por pergunta de entrevistador em programa de TV, sobre se seria um cineasta “boicotado” por Hollywood, afirmou que não se considera “boicotado” pela indústria de cinema norte-americana, mas destacou que a liberdade total, inclusive fazer a edição final (final cut) do filmes em Hollywood somente é permitido aos cineastas cujos filmes renderam U$ 100 milhões de bilheterias, o que não é o caso dele, cujos filmes percorrem circuitos mais alternativos, ditos “de arte”. Assim, na estrutura da grande indústria hollywoodiana, não seria facultado a ele (David Lynch) o controle do final cut em seus filmes. Em virtude disso, ele não assina contratos com tais produtores, preferindo filmar com produtores independentes, que lhe proporcionam controle total sobre a criação artística de seus filmes23.

Até a década de 1970, quando o sistema de lançamento dos filmes hollywoodianos não era movido por grandiosas campanhas publicitárias e de marketing nem pela síndrome do final de semana, havia uma expectativa em torno do lançamento dos filmes que era construída aos poucos e, caso a produção fosse considerada boa, ela teria a possibilidade de crescer em espaços ocupados nas salas de cinema. Os agentes da crítica especializada desempenhavam um papel mais importante, pois era de sua atribuição, ao formar opinião, tornar certos filmes mais visíveis para os espectadores. Além disso, o sistema da indústria não era verticalizado como atualmente, fazendo com que os proprietários das salas dessem tempo para o filme ser conhecido. Uma realidade bem oposta da atual.

Filmes densos sob o ponto de vista formal e de conteúdo são direcionados quase sempre para o público adulto, uma minoria interessada em filmes mais reflexivos que costumam levar tempo para serem assimilados pelos espectadores. Desta forma, no circuito independente, cria-se outro sistema de legitimidade no interior do subcampo do cinema, baseado no valor do capital artístico e não no capital econômico-financeiro. Neste espaço do campo, os agentes da criação têm mais valor social que os da distribuição e do marketing.

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No entanto, atualmente, percebe-se que a lógica econômica atinge até mesmo o cinema dito independente. A configuração desse segmento nos EUA está se modificando, não apenas no sistema de distribuição-exibição nos quais está inserido, mas também nas narrativas e abordagens de temas que buscam. O lançamento de algumas dessas produções independentes já foi incorporado até mesmo pela grande indústria. Um dos casos mais conhecidos é o da Miramax, companhia distribuidora que lançava filmes independentes nos EUA, produções de baixo orçamento que foram reconhecidos por segmentos do público espectador, graças ao trabalho de lançamento promovido por essa companhia.

Descobriu-se, posteriormente, que a Miramax era na verdade uma divisão da Walt Disney Company, ou seja, estava perfeitamente enquadrada na grande indústria hollywoodiana. Atualmente, a Miramax é vista como um estúdio qualquer, que nasceu pequeno, cresceu, mas mantém uma divisão “clássica”, normalmente para lançar no mercado norte-americano filmes de baixo orçamento ou até mesmo produções estrangeiras (para os norte- americanos), como o filme brasileiro Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002), na tentativa de manter conexão com o que algum dia foi a companhia, mantendo-se com legitimidade econômica e cultural, ou simultaneamente com capitais econômico e cultural.

A outra síndrome da indústria poderá explicar o que aconteceu com esse estúdio. Quando uma determinada produção alcança êxito comercial gera uma natural necessidade por mais êxitos. Essa cadeia de acontecimentos faz com que os orçamentos dos próximos filmes sejam aumentados. Grandes orçamentos solicitam riscos diminuídos e menor risco significa se adequar a fórmulas já conhecidas, tornando a companhia antes inovadora e criativa em previsível na produção e promoção de produtos igualmente previsíveis. Uma vez um grande estúdio, aumenta a pressão por lucros, tornando descartável a idéia de independência.