• Nenhum resultado encontrado

1.2. Pessoa humana e dignidade

3.3.1. A função social da cidade

Quando a cidade cumpre as suas funções sociais, ela garante a apli- cabilidade plena e o exercício do direito fundamental à qualidade de vida, pois é na cidade que as pessoas vivem e tudo acontece.

Desde logo, a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo or- denar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182, C.F).

José Afonso da Silva afirma que “realizar as chamadas funções urbanísti- cas de propiciar habitação (moradia), condições adequadas de trabalho, recreação e de cir-

culação humana”, é realizar, em última instância, “as funções sociais da cidade (CF, art. 182)” (grifado no texto).197 No mesmo sentido, para Hely Lopes Meirelles as funções sociais da cidade são aquelas pertinentes à habitação, trabalho, circulação e recrea- ção.198

Pode-se dizer que as funções sociais da cidade como habitação, tra- balho, circulação e recreação, são apenas funções que dão diretrizes básicas, uma vez que o conceito de função social da cidade busca alcançar um universo maior.

O conceito de função social da cidade ganha importância fundamental, na medida em que coloca o cidadão como principal beneficiário da cidade e pode se constituir em um forte instrumento de garantia de seu bem-estar e qualidade de vida, direito fundamental.

Márcio Cammarosano, ao abordar o caput do artigo 182 da Constitui- ção da República, igualmente destaca que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (grifado no texto). E valendo-se da doutrina estrangeira, continua o autor: ”As cidades devem propiciar, aos contingentes populacionais que abri- gam, condições razoáveis de habitação, trabalho e recreação, razão pela qual se pode dizer que o urbanismo tem por objetivo a ocupação do solo, a organização da circulação e a le- gislação pertinente a essas atividades”.199 Mais adiante conclui seu raciocínio: “a finali- dade mais imediata dos dispositivos constitucionais em questão é viabilizar a democratiza- ção das funções sociais da cidade em proveito de seus habitantes, prevendo mecanismos de promoção do adequado aproveitamento do solo urbano”.200

O pleno desenvolvimento da função social da cidade corresponde ao efetivo exercício do direito à cidade, o que se dará através de uma política de des- envolvimento urbano, conforme diretrizes norteadoras para esse desenvolvimento. O direito à cidade “tem sua fonte no princípio das funções sociais da cidade nos termos da Constituição (art. 182) e das Leis Orgânicas dos Municípios, compreendidas como o direito de todos que vivem na cidade à moradia, aos equipamentos e serviços urbanos, transporte público, saneamento básico, saúde, educação, cultura, esporte, lazer, enfim os direitos ine- rentes às condições de vida na cidade”.201

198 Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, pp. 401/402.

199 Márcio Cammarosano, Fundamentos Constitucionais do Estatuto da Cidade, apud Lê Corbusier, Princípios

de Urbanismo, trad. De Juan-Ramón Capella, Barcelona, Editora Ariel, 1973, pp. 145-146, In Estatuto da Ci- dade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001) p. 22

200 Márcio Cammarosano, Fundamentos Constitucionais do Estatuto da Cidade, In Estatuto da Cidade (Comen-

tários à Lei Federal 10.257/2001) p. 22.

201 Nelson Saule Jr, O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro, In Direito à Cidade –

Trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. p. 117. Em nota de rodapé n° 31 o mesmo autor acres- centa: “De acordo com a LOM do Rio de Janeiro, a política urbana, formulada em consonância com o processo de planejamento e as demais políticas municipais, visa implementar o pronto atendimento das funções sociais

da cidade compreendidas como direitos da população: moradia, transporte público, saneamento básico, saúde,

educação, serviços públicos, cultura, esporte, lazer e às oportunidades econômicas existentes no Município. De acordo com a LOM de Porto Alegre, a função social da cidade é compreendida como direito de acesso de todo o cidadão às condições básicas de vida. A LOM de Vitória também compreende as funções sociais da cidade como o direito de todos os cidadãos ao direito à cidade, incluindo como direitos: a coleta de lixo, drenagem de

Da literalidade do caput do artigo 182 da Constituição da República depreende-se que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Pú- blico municipal, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções soci- ais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

O mesmo dispositivo dispõe que esse desenvolvimento urbano dar-se- á conforme diretrizes gerais fixadas em lei. E qual seria essa lei? A lei de que fala o dispositivo constitucional é o denominado Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257, de 10/07/2001), que veio regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição. Nesse mesmo sentido é o posicionamento de Celso Bastos, ao cuidar da Política Urbana, destacando os artigos 182 e 183 da Constituição e o Estatuto da Cidade que veio regulamentar esses dispositivos.202

Com efeito, o artigo 2° e seus acessórios do mencio nado Estatuto dis- põe diretrizes gerais para ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, que são as funções consideradas essenciais e básicas ao urbanismo como a habitação, o trabalho, a circulação e a recreação, e também da propriedade urbana, com o objetivo precípuo de garantir o bem-estar de seus habitantes.203

vias de circulação, contenção de encostas, preservação do patrimônio ambiental e cultural condicionando a execução de política urbana a essas funções” (destacamos).

202 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 741: “Este preceito constitucional abre campo para

que o Estado assuma a função de ditar diretrizes para o desenvolvimento urbano. Não se trata de impor um pla- nejamento cogente, vinculante a todos os habitantes de uma cidade, nem de dispor, de forma coercitiva, sobre a destinação dos imóveis. Esta política de desenvolvimento urbano encontra parâmetros que lhe são ditados pelo Texto Constitucional, tais como a propriedade, a livre empresa, o livre exercício de atividades profissionais, assim como o próprio direito de locomoção”.

203 Lei n° 10.257, de 10.07.2001: Art. 2°. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento

das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da so- ciedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; IV – planejamento do desenvolvi- mento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do terri- tório sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inade- quados em relação à infra-estrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam fun- cionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente; e) a retenção espe- culativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; f) a deterioração das áreas urba- nizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento sócio-econômico do Município e do território sob sua área

Para a consecução dos objetivos enumerados no artigo 2°, seus inci- sos e alíneas o mesmo Estatuto, dentre os instrumentos da Política Urbana, em es- pecial do planejamento municipal, destaca o Plano Diretor (art. 4°, III, “a”).

As funções sociais da cidade “estarão sendo desenvolvidas de forma plena quando houver redução das desigualdades sociais, promoção da justiça social e melhoria da qualidade de vida urbana”. Busca-se, dessa forma, impedir situações de segregação e exclusão da população menos favorecida, pois enquanto não tiver acesso à moradia, transporte público, saneamento, cultura, lazer, segurança, educação, saúde, não se pode dizer que a cidade está cumprindo a sua função social.204

Documentos relacionados