• Nenhum resultado encontrado

1.2. Pessoa humana e dignidade

2.1.5. Decompondo o “caput” do artigo 225 da CF

78 José Roberto Marques, Meio Ambiente Urbano, p. 29.

79 José Roberto Marques, Meio Ambiente Urbano, p. 29, apud, Fernando da Costa Tourinho Neto, In O dano

ambiental, Revista de Direito Ambiental, nº 3, p. 67.

Com o advento da Constituição da República de 1988, pela primeira vez na ordem constitucional brasileira foi destinado no título da Ordem Social, um Capítulo exclusivo dedicado ao Meio Ambiente. Através da inclusão de um Capítulo sobre o Meio Ambiente na Carta Constitucional, é possível afirmar que ele, o meio ambiente, trata-se de um direito social do homem.81

Inova o texto constitucional quando faz menção expressa ao termo sa- dia qualidade de vida. O avanço foi importante, mas tímido, ao relacionar a qualida- de de vida somente com relação ao meio ambiente e não como direito fundamental decorrente do direito à vida, portanto com outras áreas de incidência.

Celso Ribeiro Bastos informa que o meio ambiente passou a ser trata- do como um verdadeiro princípio constitucional, pois o artigo 225 “investiu a todos num direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, impondo, destarte, o dever- poder de defesa da ecologia, para o Poder Público e para o particular.82

O artigo 225 da Carta da República é claro quando dispõe que o meio ambiente é bem de uso comum do povo e elemento essencial à sadia qualidade de vida. O texto constitucional em comento dá uma abertura que acompanha outras inovações de conceitos trazidos pela Carta de 1988 como v.g., a garantia do direito de propriedade onde esta deverá cumprir a sua função social (art. 5º, incisos XXII e XXIII, e art. 182, § 2º, C.F.). Assim, o meio ambiente igualmente deve cumprir sua fun- ção social. Para uma melhor compreensão mister se faz necessário entender o meio ambiente como bem de uso comum do povo e como elemento essencial à qualidade de vida.

2.1.5.1. Meio ambiente: bem de uso comum do povo

81 Constituição Federal de 1988 – Título VIII – Da Ordem Social – Capítulo VI – Do Meio Ambiente (Art. 225 e

seus acessórios).

82 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 785 (A defesa dar-se-á através de instrumentos como

A forte influência do Direito Romano83 no Código Civil Brasileiro de 1916 fez com que aquele diploma legal se preocupasse em traçar uma noção da- quilo que seria bem de uso comum do povo em seu artigo 66, inciso I, incluindo um mínimo de bens dessa natureza como: mares, rios, estradas, ruas, praças.

Noutro giro, o novo Código Civil vigente (Lei nº 10.406, de 10.01.2002 – art. 99, inciso I) repete o mesmo texto do estatuto anterior.84

Já as praias foram incluídas posteriormente na categoria de bens de uso comum do povo, com o advento da Lei nº 7.661/1988.

O artigo 225 da Lei Fundamental empresta uma nova dimensão ao conceito de meio ambiente como bem de uso comum do povo, pois ao dispor sobre a existência de um bem que se apresenta como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, “configurou nova realidade jurídica, disciplinando bem que não é público nem, muito menos particular”.85

Dentre as inovações conceituais trazidas pela Carta de 1988, o antigo conceito de bem de uso comum do povo não foi eliminado, mas sim ampliado, quan- do nele se insere a função social e a função ambiental da propriedade (Arts. 5º, XXIII, e 170, III e VI, C.F.)“como bases da gestão do meio ambiente, ultrapassando o conceito de propriedade privada e pública”.86 A função social como instrumento da concretização do bem comum sobrepõe-se aos conceitos de propriedade pública e propriedade privada.

Os bens de uso comum do povo permitem a todos os cidadãos tão so- mente o seu direito de uso, de desfrutá-lo dentro dos limites constitucionais e desde que com a necessária parcimônia.

83 Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, p. 111, apud Eugene Odum, Ecologia, 2ª ed., São

Paulo/Brasília, Pioneira/INL., 1975. p. 24: Nas Institutas de Justiniano consta: “Et quidem naturali iure com- munia sunt omnium haec: aër et aqua profuens et maré et per hoc litora maris” (“Por direito natural são co- muns todas as coisas seguintes: o ar, a água corrente, o mar e seu litoral”).

84 Art. 99 – São bens públicos: I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças. 85 Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 54.

O direito aos bens de uso comum do povo é igualmente essencial à qualidade de vida, que se encontra garantida nos fundamentos da Constituição da República, em especial, ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, C.F.).

Ora, se todos são titulares desse direito, não está o dispositivo consti- tucional reportando-se “a uma pessoa individualmente concebida, mas sim a uma coletivi- dade de pessoas indefinidas, o que demarca um critério transindividual, em que não se de- terminam, de forma rigorosa, os titulares do direito”.87

Depreende-se, pois, não caber exclusivamente a uma pessoa ou grupo a titularidade dos bens de uso comum do povo. Diga-se o mesmo com relação ao Poder Público. Melhor explicando, o Poder Público apresenta-se não como proprie- tário desses bens, mas sim “como um gestor ou gerente, que administra bens que não são dele e, por isso, deve explicar convincentemente sua gestão”.88

O gestor ou gerente (no caso o Poder Público) atua tão somente como administrador dos bens de uso comum do povo, e por isso, a prestação de contas e as formas de fiscalização previstas em lei, a eles se aplicam para todos os fins, até para os efeitos de se exercitar a proteção desses bens pelas vias judiciais previstas.

Essa nova concepção de gestão e fiscalização dos bens de uso comum do povo também propiciará uma participação maior da sociedade, que exercitando os instrumentos da soberania popular, poderá opinar na administração dos bens ambientais, obrigando o Poder Público a uma prestação de contas sobre a sua utili- zação, concretizando um Estado Democrático e Ecológico de Direito (Arts. 1º, 170 e 225, CF). A necessidade de prestação de contas e fiscalização caracteriza uma con- trapartida, pois, juntamente com o direito de uso surge o dever de preservação des-

87 Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 54.

88 Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, p. 112. Em nota de rodapé o autor conceitua a

figura do gestor, que é encontrada com a mesma grafia em Espanhol: “Gestor. El que, sin tener mandato para ello, cuida bienes, negocios o intereses ajenos, en pro de aquel a quien pertenecen” (Diccionario de la Lengua Española, 21ª ed., t. I, Madri, Real Academia Española/Editorial Espasa Calpe, 1977, p. 1.038). Da mesma forma o autor conceitua a figura do gerente. “Gérant – qui administre pour autrui” (Dictionnaire Universel de Poche, cit., p. 248).

ses bens para as próximas gerações, a fim de que tenham as mesmas oportunida- des de desfrutá-los em igualdade de condições.

2.1.5.2. O meio ambiente e a qualidade de vida

A Constituição Brasileira de 1988 no caput do art. 5º inicia o rol dos direitos individuais garantindo a inviolabilidade do direito à vida, que possui o status de Direito Fundamental, e é visto constitucionalmente, sob dois aspectos: o direito de permanecer vivo e o direito de se ter uma vida digna quanto à subsistência.

A Lei Fundamental também avança ao cuidar de uma nova figura quando trata do meio ambiente: a sadia qualidade de vida (art. 225).

Muito embora no texto constitucional a expressão qualidade de vida passe a idéia de vinculação exclusiva ao meio ambiente, tal conclusão, se extraída somente através de uma interpretação meramente gramatical, conduzirá a um juízo equivocado.

Todavia, adotando-se o princípio da unidade da constituição89 onde o intérprete deve procurar “as recíprocas implicações, tanto de preceitos como de princípios, até chegar a uma vontade unitária da Constituição”,90 pode-se concluir, após regular in- terpretação sistemática, que embora citada apenas com relação ao meio ambiente de maneira expressa, de maneira implícita essa mesma qualidade de vida circula pela Carta Constitucional juntamente com os demais direitos fundamentais. Assim, é correto afirmar que não basta apenas viver, conservar a vida e subsistir. É necessá- rio que todo ser humano busque, consiga e tenha garantido constitucionalmente como direito fundamental a qualidade de vida.

89 Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e Interpretação Constitucional, p. 173: “O princípio da unidade da Cons-

tituição significa que todo o Direito Constitucional deve ser interpretado evitando-se contradições entre suas normas. Da mesma forma, significa ser insustentável uma dualidade de constituições. Este postulado “obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existen- tes entre as normas constitucionais a concretizar”.

Para tanto, é necessário partir da premissa de que o direito à vida em uma terceira acepção, deve ser composto pelos fundamentos da República,91 seus objetivos fundamentais, pelos direitos individuais e coletivos, pelos direitos sociais e pelo acesso de todas as pessoas aos serviços públicos que deverão ser justamente distribuídos. A tudo isso, acresça-se o princípio da dignidade da pessoa humana, mas em seu aspecto material.92

Assim, através da junção dessas premissas poder-se-á se caracterizar a qualidade de vida como direito fundamental originando uma terceira acepção do direito à vida.

Documentos relacionados