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Localização histórica, evolução, conceito, características e classificação

1.2. Pessoa humana e dignidade

4.1.1. Localização histórica, evolução, conceito, características e classificação

Os direitos fundamentais, como hoje são identificados, encontraram o seu nascedouro em várias fontes como as “tradições arraigadas nas diversas civiliza- ções, até a conjugação dos pensamentos filosóficos-jurídicos, das idéias surgidas com o cristianismo e com o direito natural”.232 Assim, é imperioso reconhecer que os direitos fundamentais são resultantes de “uma longa evolução histórica, que parte da Idade Mé- dia e chega até os dias atuais”.233 Porém, registros históricos mais marcantes desta- cam outros fatos importantes para que se possa entender a problemática da con- quista dos direitos fundamentais.234

232 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais - Teoria Geral, p. 19. 233 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 258.

234 No antigo Egito e Mesopotâmia, por volta do terceiro milênio a.C, já é possível encontrar alguns mecanismos

de tutela individual em vista do poder do Estado. Destaque-se assim, a importância do Código de Hammurabi (1690 A.C), que talvez tenha sido o primeiro instrumento legal a consagrar um rol de direitos para todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família e a supremacia das leis em relação aos governantes. As idéias de Buda sobre a igualdade de todos os homens demonstra o início da influência filosófi- ca-religiosa (500 A.C). Na Grécia, surgiram vários estudos sobre a necessidade dos institutos da igualdade e liberdade do homem, com destaque para a participação política dos cidadãos, e a crença na existência de um direito natural e superior às leis escritas (Antígona – 441 A.C). No Direito romano, é imperioso destacar a existência de mecanismos, cujo objetivo visava tutelar os direitos individuais em relação aos desmandos do Estado. Surge assim, a Lei das doze tábuas, considerada como origem dos textos escritos na consagração da liberdade, da propriedade e da proteção aos direitos do cidadão. Após o Direito romano, merece destaque a concepção religiosa oriunda do Cristianismo que tinha como mensagem a igualdade de todos os homens, inde- pendentemente de origem, raça, sexo ou credo, dando ênfase à dignidade da pessoa humana. Na Idade Média caracterizada pela organização feudal e pela separação de classes, imperava a relação de subordinação entre o suserano e os vassalos. Porém, vários documentos jurídicos reconheciam os direitos humanos como forma de limitação do poder do Estado. Impulso maior no desenvolvimento das declarações de direitos humanos funda- mentais aconteceu a partir do terceiro quarto do século XVIII até meados do século XX. Destacam-se, assim, os mais importantes antecedentes históricos das declarações de direitos humanos fundamentais, obedecendo-se a seguinte ordem: A Magna Charta Libertatum outorgada por João Sem-Terra em 15/06/1215; a Petition of Right, de 1628; o Hábeas Corpus Act, de 1679; a Bill of Rights, de 1689; o Act of Seattlemente, de 12/06/1701. Com a mesma importância na evolução dos direitos humanos tem-se, ainda, na Revolução dos Estados Unidos da América a Declaração de Direitos de Virgínia de 16/06/1776, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 04/07/1776 e a Constituição dos Estados Unidos da América, de 17/09/1787. A consa- gração normativa dos direitos humanos fundamentais coube à França, em 26/08/1789, quando a Assembléia Nacional promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com 17 artigos. A Constituição Fran- cesa de 03/09/1791 trouxe novas formas de controle do poder estatal, porém coube à Constituição francesa de

E qual foi a importância e o fundamento para o surgimento e evolução dos direitos fundamentais? A importância e o fundamento para a ocorrência de uma fusão das várias fontes, bem como para a evolução histórica dos direitos tidos como fundamentais tinham um ponto em comum: a necessidade de “limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e con- temporâneo”(grifado no texto).235

José Afonso da Silva, ao discorrer sobre o tema, destaca que a doutri- na francesa “indica o pensamento cristão e a concepção dos direitos naturais como as principais fontes de inspiração das declarações de direitos”. Porém, embora reconheça essas fontes primárias, alerta sobre a necessidade de se ampliar o raio de visão so- bre o problema, para admitir outras fontes, como v.g., as doutrinas e concepções filosóficas, sem que com isso se relegue a um segundo plano as primeiras inspira- ções.236

Considerando as várias fontes dos direitos fundamentais, é possível afirmar que a sua noção é mais antiga que o surgimento da idéia de constituciona- lismo. Nos dizeres de Alexandre de Moraes, a idéia de constitucionalismo tão so- mente “consagrou a necessidade de insculpir um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberana vontade popular”.237 Outro não é o pensamento de Celso Bastos, quando afirma que “em nossa época é quase obrigatório o fazer constar em todo Texto Constitucional uma declaração de direitos que dizem respeito ao próprio homem”.238

24/06/1793 uma melhor regulamentação dos direitos humanos fundamentais. Destaque-se, ainda, no século XIX, a Constituição espanhola de 19/03/1812 (Constituição de Cádis), a Constituição portuguesa de 23/09/1822, a Constituição belga de 07/02/1831 e a Declaração francesa de 1848. O início do século XX apre- senta diplomas constitucionais marcados pelas preocupações sociais, tais como: Constituição mexicana de 31/01/1917, Constituição de Weimar de 11/08/1919, Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 17/01/1918, seguida pela primeira Constituição Soviética (Lei Fundamental) de 10/07/1918 e Carta do Trabalho, editada pelo Estado Fascista italiano em 21/04/1927. No Brasil merecem destaque: a Cons- tituição do Império de 25/03/1824, a 1ª Constituição Republicana de 24/02/1891, a Constituição de 16/07/1934, a Constituição de 10/11/1937, a Constituição de 18/09/1946, a Constituição de 24/01/1967, a Emenda Constitu- cional nº 01 de 17/10/1967 que alterou profundamente a Constituição de 1967. Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais - Teoria Geral, pp. 24/34. Finalmente, a atual Carta Constitucional de 05/10/1988, denominada de Constituição Cidadã.

235 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais - Teoria Geral, p. 19. 236 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 158. 237 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais - Teoria Geral, p. 19. 238 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 258.

Tal se faz necessário no sentido de “consagrar o respeito à dignidade hu- mana, garantir a limitação de poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade hu- mana”.239

A proteção e a efetividade dos direitos humanos, em nível internacio- nal, deu origem a uma disciplina autônoma ao direito internacional público, denomi- nada Direito Internacional dos Direitos Humanos. Sua finalidade reside na concreti- zação da plena eficácia dos direitos humanos fundamentais, o que se dá através de normas gerais de tutela de bens da vida primordiais, tais como dignidade, vida, se- gurança, liberdade, honra, moral, e outros, além de previsões de instrumentos políti- cos e jurídicos de implementação dos mesmos. Assim, busca-se “garantir o exercício dos direitos da pessoa humana”.240

Documento de suma importância é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada em Paris, em 10 de dezembro de 1948, e subscrita pelo Brasil na mesma data de sua adoção e proclamação. As previsões contidas em seus trinta artigos contemplam toda sorte de direitos fundamentais. Dentre outros princípios de máxima importância, merece destaque o direito à vida, o direito ao trabalho e à livre escolha de profissão, com a conseqüente justa remuneração que lhe assegure, as- sim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana; o direito ao repouso e ao lazer; direito à instrução e à vida cultural.

Para os fins deste trabalho, é importante o conteúdo do texto do artigo XXV, que dispõe: “Prevê-se, ainda, que toda pessoa tem direito a um padrão de vida ca- paz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice e outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle” (grifado no texto).241 Esse disposi- tivo consagra a dignidade da pessoa humana, circunstância que justifica o direito de se ter uma qualidade de vida, com um mínimo indispensável para a mantença dessa dignidade, pois conforme já disse Jorge Miranda, “só a dignidade justifica a procura da

239 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais - Teoria Geral, p. 20.

240 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais - Teoria Geral, p. 35, apud, Flávia Piovesan – Di-

reitos humanos e o direito constitucional internacional. Editora Max Limonad, 1996, São Paulo, p. 43.

qualidade de vida” (destacamos).242 Assim, a qualidade de vida já era preocupação na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e começa a se delinear como direito fundamental.

Antes de se adentrar ao conceito de direitos fundamentais faz-se ne- cessário uma breve reflexão sobre o uso indiscriminado das várias denominações dadas ao tema. A expressão mais freqüentemente utilizada, segundo Paulo Bonavi- des, é a de “direitos humanos e direitos do homem entre autores anglo-americanos e lati- nos, em coerência aliás com a tradição e a história, enquanto a expressão direitos funda- mentais parecer ficar circunscrita à preferência dos publicistas alemães”. Segundo Hesse, citado por Bonavides, “criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liber- dade e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais almejam”.243

Ante a diversidade doutrinária no uso dessas terminologias, será possí- vel conceituar os denominados direitos fundamentais? De uma maneira simples e sintética, Alexandre de Moraes assevera que “o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições míni- mas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos

humanos fundamentais”(grifado no texto).244

Vários autores e correntes doutrinárias, igualmente apresentam inúme- ros e diferentes conceitos sobre os direitos humanos fundamentais. A tarefa é árdua e nem sempre um único conceito poderá exprimir com fidelidade absoluta e em toda a sua abrangência os direitos humanos fundamentais. Esses direitos podem ser de- nominados como direitos individuais, ou liberdades públicas, ou mesmo direitos do homem e do cidadão.

Celso Ribeiro Bastos atribui aos ingleses uma série de conquistas no Parlamento contra a Monarquia: “Daí porque até hoje existir uma área nas Constituições Modernas que podemos identificar como a dos direitos individuais, direitos do Homem ou

242 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, p. 169. 243 Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p.514.

liberdades públicas”.245 Os ensinamentos de Canotilho justificam essa posição sobre o tema: “As expressões <<direitos do homem>> e <<direitos fundamentais>> são freqüente- mente utilizadas como sinónimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui- las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direi- tos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta” (grifado no texto).246

A qualidade de vida está inserida no rol dos direitos humanos funda- mentais, em face da extensão do conceito, também denominados como direitos indi- viduais, ou liberdades públicas, ou mesmo direitos do homem e do cidadão. Contu- do, o mais importante não é conceituar, mas “realçar que os direitos humanos funda- mentais relacionam-se diretamente com a garantia de não ingerência do Estado na esfera individual e a consagração da dignidade humana, tendo um universal reconhecimento por parte da maioria dos Estados, seja em nível constitucional, infraconstitucional, seja em nível de direito consuetudinário ou mesmo por tratados e convenções internacionais”.247 Nesse mesmo sentido são os ensinamentos de Celso Bastos: “Perante esse espaço jurídico o Estado só pode comportar-se como guardião. Assim sendo, ele deve intervir no sentido de proteger essas prerrogativas, quando sejam violadas por terceiros. Embora, como tenhamos visto, o exercício de tais direitos está voltado precipuamente, contra o Estado, que é o seu potencial infrator”.248

Garantindo-se o cerne dos direitos humanos fundamentais contra a ação estatal, estar-se-á protegendo direitos dos cidadãos como a vida, a dignidade humana (o direito a uma subsistência digna assegurando um nível mínimo de vida que seja compatível com a dignidade humana), e a própria qualidade de vida como direito fun- damental. É por isso que os princípios insculpidos nas Declarações dos Direitos Humanos Fundamentais buscam estabelecer condições mínimas de vida, sem a in- gerência violenta do poder estatal.

245 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 259. 246 J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, p. 517.

247 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais - Teoria Geral, p. 41.

248 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 261. Vide ainda, Alexandre de Moraes, Direitos

Contudo, algumas palavras devem ser ditas, ainda que com brevidade, sobre as características dos direitos humanos fundamentais, tema este não tão pa- cífico entre os autores, onde alguns apresentam um rol mais enxuto, enquanto ou- tros, um rol mais extensivo.249

José Afonso da Silva apresenta quatro características básicas dos di- reitos fundamentais. “I – Historicidade. São históricos como qualquer direito. Nascem, mo- dificam-se e desaparecem. Eles apareceram com a revolução burguesa e evoluem, ampli- am-se, com o correr dos tempos. Sua historicidade rechaça toda fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza das coisas; II – Inalienabilidade. São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico- patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, por- que são indisponíveis; III – Imprescritibilidade. O exercício de boa parte dos direitos funda- mentais ocorre só no fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles não se verificam requisitos que importem em sua prescrição. Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é um instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a exigi-

bilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade de direitos personalíssimos,

ainda que não individualistas, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela pres- crição; IV – Irrenunciabilidade. Não se renunciam direitos fundamentais. Alguns deles podem até não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite sejam renunciados” (grifado no texto).250

Para concluir, não se pode deixar de registrar a classificação dos direi- tos fundamentais, ainda que de forma sucinta. Algumas tendências doutrinárias classificam os direitos fundamentais como direitos de primeira, segunda e terceira gerações.251

249 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais - Teoria Geral, p. 41. As características identificadas

por Alexandre de Moraes nos direitos humanos fundamentais são: “imprescritibilidade, inalienabilidade, irre- nunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, interdependência e complementariedade” (grifado no texto).

250 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, pp. 166/167. Merece destaque que essa clas-

sificação é também adotada por Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, pp. 260/261, em nota de rodapé nº 141, inclusive a crítica feita por José Afonso da Silva sobre o caráter absoluto e relativo dos di- reitos fundamentais.

251 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais - Teoria Geral, p. 45, destaca Celso de Mello em

julgamento do STF: “enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda gera- ção (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou con- cretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titula-

Outras escolas já preferem ampliar esse rol, incluindo os direitos fun- damentais de quarta geração. Paulo Bonavides e André Ramos Tavares dão prefe- rência à terminologia dimensão ao invés de geração.252

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