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Os direitos não enumerados, o caráter incompleto e inacabado e a realização da Constituição (K Hesse)

1.2. Pessoa humana e dignidade

4.1.4. Os direitos não enumerados, o caráter incompleto e inacabado e a realização da Constituição (K Hesse)

Conforme já afirmado por Celso Bastos e por Manuel Gonçalves Ferrei- ra Filho, o rol do artigo 5º da Constituição é um rol meramente exemplificativo e por isso não pode ser considerado taxativo.

Assim também é a lição de Meirelles Teixeira, quando afirma que os direitos e garantias enumerados na Lei Fundamental não são os únicos que ela re- conhece: “Observemos, afinal, com Dabin, que os direitos e garantias constitucionais, se os considerarmos em conjunto, revelar-se-ão condicionados, entrelaçados uns aos outros, ser-

vindo-se, auxiliando-se mutuamente, na tarefa comum e suprema da preservação da liber-

dade. Assim, a liberdade de associação, de reunião, de imprensa, entrarão na liça como outros tantos meios de denunciar os atentados aos direitos; alertar a opinião contra os abu- sos do poder, e pelos próprios termos, da opinião, obrigar o poder público a respeitá-los. Muito dos direitos institucionais revelam-se, como vimos, outros tantos meios de defesa, garantias da liberdade. E as garantias constitucionais, afinal, seja de modo geral seja como dispositivos especiais de repressão e segurança, destinam-se especificamente à proteção dos direitos, garantias de liberdade, e todos servem, afinal, àquele centro e fulcro, àquela razão de ser da vida social, do Estado, do ordenamento jurídico, do Bem Comum – a pes-

soa humana, e o pleno e harmonioso desenvolvimento de suas potencialidades físicas, in-

telectuais e espirituais, no sentido daqueles destinos que sua própria natureza lhe assinala, na ordem da Criação”(grifado no texto).272

Ora, desse entrelaçamento dos direitos e garantias constitucionais

(Unidade da Constituição), cujo escopo é a pessoa humana, é que torna possível ex- trair a qualidade de vida como direito fundamental (originária do direito à vida criando uma terceira acepção).

E nessa mesma linha de pensamento “um outro aspecto, já no sistema da Constituição de 1988, vem abordado por Ruy Barbosa Nogueira, quando expõe, com muita pertinência, ‘que a lei e, mais ainda, a Constituição, não comanda somente por disposições

271 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 284. 272 Meirelles Teixeira, Curso de Direito Constitucional, pp. 705/706.

textuais isoladas, mas pelo contexto ou conjugação de seus dispositivos e ainda pelas dis- posições implícitas, decorrentes dos princípios’”.273

A expressão qualidade de vida encontra-se isolada no artigo 225, e assim, ela deve ser interpretada no contexto constitucional através de uma conjuga- ção sistêmica, donde se extrairá que ela, qualidade de vida, é direito fundamental decorrente do próprio direito à vida.

A Constituição é incompleta e inacabada (nem completa e nem perfeita). Para Hesse, a Constituição não é uma unidade fechada. Seus elementos encon- tram-se em situação de mútua interação e dependência, formando uma globalidade produzindo um conjunto. Esse jogo global não está livre de tensões e contradições. Por isso diz-se que a Constituição só pode ser compreendida e interpretada corre- tamente quando é entendida como uma unidade.274 Celso Bastos alerta para a im- portância do princípio da unidade da constituição onde os seus dispositivos não po- dem ser interpretados isoladamente, mas sim de uma maneira sistêmica.275

O postulado da unidade da Constituição indica que o intérprete não pode e não deve analisar individualmente os vários preceitos existentes, pois não atingirá a necessária compreensão. Assim, depreende-se que as suas normas não podem ser interpretadas isoladamente, mas sim de uma maneira sistêmica. A ver- dade inserida na Lei Fundamental só poderá ser alcançada através de uma inter- pretação sistemática, o que afasta preliminarmente a simples leitura de um artigo de maneira isolada (interpretação gramatical), devendo o obreiro da atividade interpretati- va buscar as recíprocas implicações de preceitos e princípios até atingir uma vonta- de unitária na Constituição.276

273 Maria Garcia, Desobediência Civil – Direito Fundamental, p. 200, apud, Rui Barbosa Nogueira, Imunidades,

Ed. Saraiva, São Paulo, 1992, pp. 36/40.

274 Konrad Hesse, Escritos de Derecho Constitucional, p. 18: “Como tampoco es una unidad sistemática ya

cerrada, bien sea ésta de tipo lógico-axiomático o bien basada en una jerarquía de valores. Sin embargo, sus elementos se hallan en una situación de mutua interacción y dependencia, y solo el juego global de todos produce el conjunto de la conformación concreta de la Comunidad por parte de la Constitución. Ello no significa que este juego global se halle libre de tensiones y contradicciones, pero si que la Constitución sólo puede ser comprendida e interpretada correctamente cuando se la entiende, en este sentido, como unidad, (...)” (grifado no texto).

275 Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica Constitucional, Revista de Informação Legislativa – Ano 42 – n. 96 –

out/dez – 1987, p. 54.

276Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica Constitucional - Revista de Informação Legislativa - ano 42 - n. 96 -

A interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas. Assim, de total aplicabilidade o magistério de Ferra- ra, quando diz que um princípio jurídico não pode ser concebido de maneira isolada, pois está ligado por nexo íntimo com outros princípios.277

Por outro lado, a Constituição não codifica, mas regula, na maioria das vezes de forma pontual, aquilo que parece importante, que necessita de uma deter- minação. Desenvolvendo ainda mais esse raciocínio, assegura Konrad Hesse que

“todo lo demás se da por supuesto tácitamente, o bien se confia al resto del ordenamiento jurídico su conformación y concretización. De ahí que de antemano la Constitución no pretenda carecer de lagunas ni ser tan siquiera un sistema cerrado”.278 Por isso a Consti- tuição não tem lacunas; não é um sistema fechado, mas sim um sistema aberto. Pode-se concluir, ainda sobre a inexistência de lacuna constitucional, que se a Constituição não disse, foi porque não quis, ou porque deixou a matéria para ser regulamentada por normas infraconstitucionais.

Hesse destaca que “determinadas cuestiones como, por ejemplo, la de la <<constitución económica>>, la Constitución las deja pretendidamente abiertas, al objeto de dejar e ellas libre espacio a la discusión, decisión y configuración”(grifado no texto).279 “(...) la Constitución debe permanecer incompleta e inacabada por ser la vida que pretende normar vida histórica y, en tanto que tal, sometida a cambios históricos”.280 Se for fechada, necessitará sempre de reforma. Se for aberta, poderá adequar-se às mudanças de- correntes da evolução histórica e da sociedade.

E continua: “La Constitución no se limita a dejar abierto sino que establece, con carácter vinculante, lo que no debe quedar abierto. No deben quedar indeterminados los

fundamentos Del orden de la Comunidad. Al establecerse con carácter vinculante tanto los

277 Francesco Ferrara - Interpretação e Aplicação das Leis, p. 143.

278 Konrad Hesse, Escritos de Derecho Constitucional, pp. 18/19. “El carácter incompleto de la Constitución

puede deber-se a que no sea necesaria una norma constitucional. La Constitución no codifica sino únicamente regula – y muchas veces sólo de forma puntual y a grandes rasgos – aquello que parece importante y que necesita determinación; (...).”. O restante a ser regulado deverá ficar para o ordenamento jurídico. Por isso a Constituição não tem lacunas e nem é um sistema fechado (compreensão nossa do texto).

279 Konrad Hesse, Escritos de Derecho Constitucional, p. 19. Alguns temas ficam propositadamente abertos na

Constituição, deixando espaços para discussão, decisão e formato. Temas como política exterior ou atividades dos partidos políticos, em face do caráter mutável, não possibilita uma regulamentação detalhada (compreensão nossa do texto).

princípios rectores de formación de la unidad política y de fijación de las tareas estatales como también las bases del conjunto del ordenamiento jurídico, dichos fundamentos deben quedar sustraídos a la lucha constante de los grupos y tendencias, creándose un núcleo estable de aquello que ya no se discute, que no es discutible y que, por lo mismo, no precisa de nuevo acuerdo y nueva decisión. La Constitución pretende crear un núcleo estable de aquello que debe considerarse decidido, estabilizado y distendido” (grifado no texto).281

Em face do exposto, não deve ficar indeterminado na Constituição: a) a estrutura estatal – A Constituição cria órgãos com competências distintas para cada tarefa,

visando a função dos poderes no sentido de que se complementem, evitando o abuso de competência; b) o procedimento que possibilita a decisão de questões em aberto – com re- gras claras, compreensíveis e que possibilitam um resultado adequado. Essa questão ganha importância quando a Constituição se mantém mais aberta em seu conteúdo (compreensão nossa do texto).282

O Direito Constitucional cria regras de atuação e decisões políticas, proporcionando diretrizes e pontos de orientação. Todavia deixa espaço para atua- ção das forças políticas, em especial quando não regulamenta as numerosas ques-

280 Konrad Hesse, Escritos de Derecho Constitucional, p. 19: A Constituição deve permanecer incompleta e

inacabada para poder ser submetida e adequar-se às mudanças da história. (compreensão nossa do texto).

281 Konrad Hesse, Escritos de Derecho Constitucional, p. 19/20: A Constituição deixa em aberto somente aquilo

que não tem caráter vinculante. Não devem ser indeterminados os fundamentos da ordem da Comunidade, pois elas possuem caráter vinculante, como p. ex: os princípios governantes de formação da unidade política e de fixação das tarefas estatais como também as bases do conjunto do ordenamento jurídico. Tal deve estar longe das discussões e tendências criando um núcleo estável. A Constituição pretende criar um núcleo estável daquilo que é considerado decidido, estável e dilatado. (compreensão nossa do texto).

282 Konrad Hesse, Escritos de Derecho Constitucional, p. 20/21: “26. Pero tampoco deben quedar

indeterminados la estructura estatal y el procedimiento mediante el cual han de decidirse las cuestiones dejadas abiertas. 27. (...) La Constitución funda competencias, creando así en el ámbito de los respectivos cometidos poder estatal conforme a derecho. Procura regular la composición y conformación de los órganos de tal modo que corresponda al carácter de su cometido, garantizando así la adecuada asunción de sus funciones. Coordina las diferentes funciones una con otra, tratando de conseguir así que las mismas se complementen mutuamente, que la cooperación, la responsabilidad y el control queden asegurados, evitándose un abuso de competencias.

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