• Nenhum resultado encontrado

Somente o meio ambiente não garante uma sadia qualidade de vida

1.2. Pessoa humana e dignidade

2.1.6. Somente o meio ambiente não garante uma sadia qualidade de vida

É possível afirmar que o meio ambiente de maneira solitária e isolada não se presta de per si para garantir uma sadia qualidade de vida.

Para comprovar essa afirmação, basta uma breve análise crítica de um dos primeiros conceitos trazidos sobre qualidade de vida por Paulo Affonso Leme Machado: “A qualidade de vida é um elemento finalista do Poder Público, onde se unem a felicidade do indivíduo e o bem comum, com o fim de superar a estreita visão quantitativa, antes expressa no conceito de nível de vida”.93

91 Pensamento assemelhado é apresentado por Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Curso de Direito Ambiental

Brasileiro, p. 55: “Como salientamos, para que se tenha a estrutura de bem ambiental, deve este ser, além de bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida. Daí questionarmos: quais seriam no ordena- mento positivo os bens essenciais à sadia qualidade de vida? A resposta está nos próprios fundamentos da Re- pública Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito: são os bens fundamentais à garantia da dignidade da pessoa humana. Isso importa afirmar que ter uma vida sadia é ter uma vida com dignidade” (gri- fado no texto).

92 Aspecto material do princípio da dignidade humana: são as exigências básicas para que ao homem sejam ofe-

recidos os recursos de que dispõe a sociedade para a mantença de uma existência digna e condições para o des- envolvimento de suas potencialidades.

93 Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, p. 48, apud Fernando López Ramón, El Derecho

Ambiental como Derecho de la función pública de protección de los recursos naturales, in Cuadernos de Dere- cho Judicial XXVIII/125-147, 1994.

Quando se fala em qualidade de vida, deve-se entender como referên- cia a expressão utilizada no caput do artigo 225 da Constituição Federal que se refe- re à sadia qualidade de vida.94 Todavia não parece feliz a expressão.

A vida como direito fundamental é diretamente vinculada ao princípio da dignidade humana, em especial em seu sentido material (ou seja, as exigências básicas para que ao homem sejam oferecidos os recursos de que dispõe a sociedade para a mantença de uma existência digna e condições para o desenvolvimento de suas potencia-

lidades). Esse binômio, vida-dignidade, só pode ter sentido de validade se a ele se

acrescentar o vocábulo qualidade (propriedade, excelência, virtude). Assim, o binômio vida-dignidade só vai atender o seu sentido constitucional se for entendido como qualidade de vida, que por motivos lógicos deve ser sadia.

É preferível trabalhar com a expressão qualidade de vida que parece mais densa e completa, sendo desnecessário o acréscimo da palavra sadia, por já estar incluída implicitamente.

Entendendo qualidade de vida como um elemento finalista do poder público que busca vencer a limitada visão quantitativa expressa no conceito de nível de vida, ou em outra expressão sinônima bastante utilizada, que fala em condições de vida, alguns comentários devem ser tecidos, sem a pretensão, neste momento, de conceituar qualidade de vida, o que será feito no momento oportuno.

Ao tecer observações ao conceito de condições de vida, Jannuzzi en- tende que esse conceito poderia ser operacionalmente traduzido como o nível de atendimento das necessidades materiais básicas para a sobrevivência e reprodução social da comunidade, que incluiriam condições de saúde, habitação, trabalho e educação dos indivíduos da comunidade.95

94 Constituição Federal – 1988 - Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletivi- dade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (caput – destacamos).

Pensamento semelhante é apresentado por José Roberto Marques: “A qualidade de vida está ligada, intrinsecamente, ao desenvolvimento econômico, mas depen- derá da efetividade dos direitos sociais apontados no art. 6° da Constituição Federal, que conferem dignidade à pessoa humana”.96 Para Schwartzman, o problema da qualidade de vida implica em “uma noção clara e explícita de uma política de desenvolvimento soci- al”.97

Caminhando um pouco mais, é possível entender que qualidade de vida, embora não conste expressamente em outros pontos do texto constitucional, por força de sua menção no artigo 225 da Lei Fundamental e das técnicas de inter- pretação constitucional, gravita na consolidação dos direitos individuais e coletivos, dos direitos sociais e dos direitos políticos, motivo pelo qual, pode ser considerada e classificada como direito fundamental decorrente do direito à vida (uma terceira acep- ção).

Também não se pode olvidar a relação existente entre qualidade de vida e satisfação de necessidades de uma parcela cada vez maior da população, o que nos leva a falar sobre a importância de qualidade de vida (direito fundamental) e justiça social (um dos principais objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil).

Conforme já dito, se a qualidade de vida é elemento finalista do Poder Público, não se pode ignorar que instrumentos do Estado como desenvolvimento sustentável, planejamento (esses instrumentos encontram-se previstos nos Princípios 14 e 15 da Declaração do Meio Ambiente, adotada na Conferência nas Nações Unidas e firma- da em Estocolmo – junho de 1972),98 as funções sociais da cidade, os serviços públicos

(em todas as suas modalidades) e sua justa distribuição, dentre outros fatores, como a dignidade humana em seu aspecto material, são elementos indispensáveis para a consecução desse objetivo - qualidade de vida como direito fundamental.

O meio ambiente é um dos instrumentos para uma sadia qualidade de vida, mas não é o único, pois assim sentenciou o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em seu artigo 11: “1. Toda pessoa tem direito de viver

96 José Roberto Marques, Meio Ambiente Urbano, p. 37.

97 Simon Schwartzman, Seminário sobre Política de Desenvolvimento Social, Revista de Direitos Sociais. V. 5,

n. 2, p. 107. 1974. Fortaleza, CE.

em meio ambiente sadio e a dispor dos serviços públicos básicos.” (destacamos). Nesse mesmo sentido, José Roberto Marques afirma que o conteúdo da qualidade de vida, embora de difícil determinação, refere-se “ao conjunto de condições satisfatórias para a vida do homem e resulta da conjugação de diversos fatores, tendo o meio ambiente como

um de seus componentes básicos”(destacamos).99

De todo o exposto, somente poder-se-á garantir uma sadia qualidade de vida, através do trinômio: (i) meio ambiente considerado essencial; (ii) garantia do Poder Público em fornecer minimamente e de forma justa os serviços públicos bási- cos que deverão estar em consonância com os fundamentos da República (art. 1º, incisos II, III e IV, CF), e seus objetivos fundamentais (art. 3º incisos I, II e III, CF);100 e, (iii) a dignidade humana em seu aspecto material (exigências básicas para que ao ho- mem sejam oferecidos os recursos de que dispõe a sociedade para a mantença de uma existência digna e condições para o desenvolvimento de suas potencialidades).

Destaque-se, ainda, para finalizar, que a proteção do meio ambiente e sua qualidade possuem caráter instrumental, posto que, é através da proteção do meio ambiente, juntamente com os outros requisitos entendidos como essenciais para este trabalho e, acima mencionados, que se protege um valor maior, ou seja, a vida e outro direito dela decorrente: a qualidade de vida.101

Documentos relacionados