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28. Además de esta regulación de la estructura estatal la Constitución determina los procedimientos que deben

5.2. Qualidade de vida (II)

5.2.1. As funções sociais da cidade (Habitação, trabalho, circulação e recreação)

A Constituição da República de 1988, em seu artigo 182, § 1º, ao cui- dar da Política Urbana, obriga os municípios com mais de vinte mil habitantes a pro- videnciarem a elaboração e aprovação pela Câmara Municipal, de Plano Diretor.

O caput do artigo anuncia que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. “A Cidade é a casa, o País, o mundo: é o âm- bito político de uma existência que se inicia, decorre e termina localmente; também um âm- bito subjetivo, individual, pessoal”.319

A função social da cidade e da propriedade deve ser entendida como a preponderância do interesse comum (coletivo) sobre o direito individual de proprieda- de, propiciando o uso socialmente justo e ambientalmente equilibrado do espaço urbano.

Segundo Luiz de Pinedo Quinto Jr., o conceito de função social da ci- dade, “por sua vez, incorpora a organização do espaço físico como fruto da regulação soci- al, isto é, a cidade deve contemplar todos os seus moradores e não somente aqueles que estão no mercado formal da produção capitalista da cidade”.320 Concordamos com a afir-

318 Nelson Saule Júnior, Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Ordenamento Constitucional da

Política Urbana. Aplicação e Eficácia do Plano Diretor, p. 273.

319 Maria Garcia, A Cidade e o Estado. Políticas Públicas e o Espaço Urbano. In A Cidade e seu Estatuto, p. 27. 320 Luiz de Pinedo Quinto Jr, Nova legislação urbana e os velhos fantasmas, Estudos Avançados, vol. 17, nº 47,

mativa, vez que somente assim, contemplando a todos, poder-se-á evitar segrega- ção e discriminação social.

A importância da cidade reside no fato de que ela concentra grande quantidade de recursos. Todavia, a distribuição desses recursos nem sempre é so- cialmente justa, posto que o mercado atua em função da lucratividade e não dos re- sultados e benefícios sociais.

Esse fator de descompasso traz graves prejuízos à quase totalidade da população, mas em especial às camadas economicamente menos privilegiadas. As- sim, questões como poluição ambiental, congestionamentos, a segregação social

(que gera a violência urbana) e o alto custo de vida, deixam claro porque a questão urbana afeta a todos.

Conforme já visto, as funções sociais da cidade, como habitação, tra- balho, circulação e recreação, são funções que estabelecem diretrizes básicas, mas que devem alcançar na plenitude um universo mais amplo. “As imposições de funcio-

nalidade urbana passaram a ter destaque especial na regulamentação edilícia. Isto porque a

cidade, na concepção do moderno Urbanismo, há de ser humana e funcional, isto é, corres- pondente às necessidades materiais e espirituais do homem e apta à satisfação de suas quatro funções sociais precípuas: habitação, trabalho, circulação e recreação” (grifado no texto).321 E continua Hely Meirelles:

“Para o atingimento desse desiderato, não basta a racionalização do traçado urbano, nem a eficiência dos serviços públicos. Necessária a limitação do uso da proprieda- de particular, e, notadamente, o condicionamento das construções a índices técnicos e a preceitos urbanísticos de funcionalidade da cidade. E as razões são óbvias: a ex- cessiva concentração populacional, a indiscriminada utilização da área urbana, a lo- calização inadequada das atividades humanas e fatores outros de desajustamento entre a população e o ambiente causam transtornos insuportáveis para a vida urba- na, desequilibrando o trinômio: área-população-equipamento” (grifado no texto).322

321 Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, pp. 403/404. No mesmo sentido vide José Afonso da

Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, p. 67.

Denota-se do teor dos textos transcritos que embora o autor não faça qualquer alusão à expressão qualidade de vida, a ela se refere de maneira indireta, quando relaciona as necessidades materiais e espirituais do homem e as quatro fun- ções sociais da cidade, sob pena de que a não observância dessas fun- ções/necessidades, irá causar desajustamento entre a população e o ambiente, e por decorrência lógica, irá tornar insuportável a vida urbana.

A Carta Mundial do Direito à Cidade323 apresenta como função social da cidade e da propriedade as seguintes disposições: “2.1. A cidade tem como fim prin- cipal atender a uma função social, garantindo a todas as pessoas o usufruto pleno da eco- nomia e da cultura da cidade, a utilização dos recursos e a realização de projetos e investi- mentos em seus benefícios e de seus habitantes, dentro de critérios de equidade distributi- va, complementaridade econômica, e respeito à cultura e sustentabilidade ecológica; o bem estar de todos os seus habitantes em harmonia com a natureza, hoje e para as futuras ge- rações. 2.2. Os espaços e bens públicos e privados da cidade e dos cidadãos(ãs) devem ser utilizados priorizando o interesse social, cultural e ambiental. Todos os cidadãos(ãs) têm direito a participar da propriedade do território urbano dentro de parâmetros democráticos, de justiça social e de condições ambientais sustentáveis. Na formulação e implementação de políticas urbanas se deve promover o uso socialmente justo, com equidade entre gêne- ros, do uso ambientalmente equilibrado do solo urbano, em condições seguras. 2.3. Os ci- dadãos têm direito a participar das rendas extraordinárias (mais-valias) geradas pelos inves- timentos públicos que é capturada pelos privados, sem que estes tenham efetuado nenhu- ma ação sobre esta propriedade”. Aludido texto, ainda que implicitamente, demonstra a preocupação com o direito à qualidade de vida dos cidadãos, que deve ser preser- vado e exercitado através das funções sociais da cidade e da propriedade.

Muito embora diga-se que atualmente as quatro funções básicas da cidade (habitar, trabalhar, recrear e circular) perderam para uma nova função social da cidade, desdobrada do princípio da função social da propriedade, é possível enten- der que não houve uma mudança de sentido excluindo o pensamento oriundo da Carta de Atenas. O que houve foi uma ampliação das funções sociais da cidade, mas que ainda passam pelas quatro funções gerais.

323 Fórum Social das Américas – Quito – Julho de 2004; Fórum Social Urbano – Barcelona – Setembro de 2004

O acesso à habitação (primeira função), como direito e garantia funda- mental, coloca um fato na cultura urbanística, ou seja, a de que todos os moradores da cidade têm direito a uma habitação digna. Assim, a população cuja faixa de renda não ultrapasse cinco salários mínimos por família, só terá acesso à habitação digna através de fundos públicos, que financie suas parcelas imobiliárias em áreas sem interesse de mercado, sob pena de assim não sendo, restar somente a opção atra- vés de ocupações irregulares, passando essa população de menor poder a residir em áreas de sub-habitação, morando em favelas, loteamentos clandestinos ou corti- ços, criando quase sempre, conflito urbano, e prejudicando o direito à qualidade de vida.

A Carta Mundial do Direito à Cidade,324 ao cuidar do direito à moradia, estabeleceu alguns parâmetros para o exercício desse direito, tais como: 1. As cida-

des dentro de suas competências, se comprometem a adotar medidas para garantir a todos os cidadãos que os custos da habitação serão proporcionais ao valor de sua renda, deven- do, as habitações que tenham condições de habitalidade ser acessíveis, bem localizadas em lugar adequado, e deverão estar adaptadas às características culturais de quem as ha- bitem; 2. As cidades se obrigarão a facilitar uma oferta adequada de habitação e equipa- mentos de bairro para todos os cidadãos e de garantir as famílias em situação de pobreza, planos de financiamento e de estruturas de serviços para a assistência à infância e à velhi- ce; 3. As cidades garantem aos grupos vulneráveis prioridade nas leis e nas políticas de habitação. As cidades se comprometem a estabelecer programas de subsídio e financia- mento para aquisição de terras ou imóveis, e regularização fundiária e melhoramentos de bairros precários, assentamentos e ocupações informais para fins habitacionais; 4. As cida- des se comprometem a incluir as mulheres beneficiárias nos documentos de posse ou pro- priedade expedidos e registrados, independente de seu estado civil, em todas as políticas públicas de distribuição e titulação de terras e de habitação que se desenvolvam; 5. Todos os cidadãos, em forma individual, casais ou grupos familiares sem lar têm o direito de exigir a provisão imediata pelas autoridades públicas da Cidade de habitação suficiente, indepen- dente e adequada. Os albergues, os refúgios e os alojamentos com cama e café da manhã poderão ser adotados como medidas provisórias de emergência, sem prejuízo da obrigação de promover uma solução definitiva de habitação; 6. Todas as pessoas têm o direito à segu- rança da posse sobre sua habitação por meio dos instrumentos jurídicos que garantam o direito à proteção frente aos deslocamentos, desapropriação e despejos forçados e arbitrá-

rios; 7. As cidades se comprometem a impedir a especulação imobiliária mediante adoção de normas urbanas para uma justa distribuição de cargas e de benefícios gerados pelos processos de urbanização e de adequação dos instrumentos de políticas econômicas, tri- butária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos e desenvolvimento urbano; 8. As cidades promulgarão a legislação adequada e estabelecerão mecanismos e sanções desti- nados a garantir o pleno aproveitamento do solo urbano e de imóveis públicos e privados não edificados, não utilizados ou sub-utilizados ou não ocupados, para o fim de cumpri- mento da função social da propriedade; 9. As cidades protegerão os inquilinos dos juros e dos despejos arbitrários, regulamentando os aluguéis de imóveis para habitação de acordo com a Observação Geral nº 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Or- ganização das Nações Unidas; 10. O presente artigo será aplicável para todas as pessoas, incluindo famílias, grupos, ocupantes sem títulos, sem tetos e aquelas cujas circunstâncias de habitação variam, em particular aos nômades e viajantes; 11. As cidades promoverão a instalação de albergues e habitações sociais para locação das mulheres vítimas da violência conjugal.

É certo que a Carta Mundial do Direito à Cidade prescreve o que seria uma realidade perto da perfeição para a proteção do direito à moradia. Mas, se atra- vés de políticas públicas sérias, alguns desses parâmetros forem sendo implantados

(não necessariamente todos) estaria a cidade cumprindo com sua função social e pos- sibilitando o exercício do direito fundamental à qualidade de vida.

Então, a habitação ainda é função primordial da cidade por força de garantia constitucional, e em face do princípio da dignidade humana, respeitando, destarte, o direito fundamental da qualidade de vida, decorrente do próprio direito à vida.

O direito ao trabalho (Direito Social previsto no art. 6º da Constituição) tam- bém é ligado diretamente ao direito à vida, conforme já visto. Rodrigo de Lacerda Carelli, ao estudar os Direitos Sociais como Direitos Fundamentais, vale-se dos en- sinamentos de Alexy para destacar que “direitos do homem insistem em sua institucio- nalização. Assim, existe não somente um direito do homem à vida, senão também um direito do homem a isto, que exista um Estado que concretize tais direitos”. Assim, políticas e

324 Fórum Social das Américas – Quito – Julho de 2004; Fórum Social Urbano – Barcelona – Setembro de 2004

mudanças institucionais devem ocorrer para assegurar os direitos do homem como, por exemplo, o direito de viver uma vida decente.325

Uma vez que o direito ao trabalho é função social da cidade, a Carta Mundial do Direito à Cidade tece algumas regras básicas.326 1. As cidades, em co-

responsabilidade com seus Estados nacionais, contribuirão, na medida de suas possibilida- des, na consecução do pleno emprego na cidade. Assim mesmo promoverão a atualização e a requalificação dos trabalhadores empregados ou não através da formação permanente;

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