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1.2. Pessoa humana e dignidade

4.1.3. Direitos Fundamentais: um rol não taxativo

O § 2º do artigo 5º da Constituição de 1988 encerra um preceito que se repete em nossa Lei Fundamental desde 1891, e dispõe o seguinte: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Apenas para fins de constatação, a Constituição Brasileira de 1891, dispunha em seu artigo 78: “A especificação das garantias e direitos expressos na Cons- tituição não exclue(sic) outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da fór- ma(sic) de governo que ella(sic) estabelece e dos princípios que consigna”.259

Valendo-se dos ensinamentos de José Celso de Mello Filho, Maria Garcia comenta: “a respeito do art. 152, § 36 da Constituição de 1967/1969, imediata- mente anterior à Constituição de 1988 (‘A especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princí- pios que ela adota’) – demonstrar-se norma de encerramento, que institui as liberdades resi-

duais, inominadas, implícitas ou decorrentes que, apesar de não enunciadas ou especifica-

das na Carta Constitucional, resultam do regime e dos princípios que ela adota”(grifado no texto).260

A inspiração de mencionado dispositivo deve ser buscada na História, em especial na Emenda IX da Constituição dos Estados Unidos de 1787, que diz: “A

nhecimento, na legislação nacional, da existência de diferenças hierárquicas claras entre os direitos fundamen- tais”.

259 Maria Garcia, Desobediência Civil – Direito Fundamental, p. 188.

260 Maria Garcia, Desobediência Civil – Direito Fundamental, p. 187, apud, José Celso Filho, Constituição Fe-

enumeração de certos direitos na Constituição não deverá ser interpretada como anulando ou restringindo outros direitos conservados pelo povo”.261

Celso Ribeiro Bastos apresenta comparativo interessante entre o dis- positivo derivado da Emenda à Constituição Norte-Americana e o dispositivo exis- tente em nossa Lei Fundamental: “’A enumeração de certos direitos na Constituição não deverá ser interpretada como anulado ou restringindo outros direitos conservados pelo povo’. O dispositivo americano fazia muito sentido, sobretudo em face da concepção jusna- turalística sobre o direito então vigorante. O que se queria dizer é que o esquecimento ou a deliberada não inclusão de direitos já reconhecidos em nível de costumes não implicava uma revogação da Carta Magna. Na nossa, a significação é um tanto diferente, porque a referência não é feita aos ‘direitos conservados pelo povo’, mas sim a outros, decorrentes do regime de princípios por ela adotados”.262 Para fundamentar a comparação noticiada, o saudoso mestre cita: “Manoel Gonçalves Ferreira Filho expõe de forma precisa o alcance do preceito: ‘O dispositivo em exame significa simplesmente que a Constituição brasileira ao enumerar os direitos fundamentais não pretende ser exaustiva. Por isso, além desses direi- tos explicitamente reconhecidos, admite existirem outros, decorrentes dos regimes e dos princípios que ela adota, os quais implicitamente reconhece’ (cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 632)”.263

Em face do caráter não exaustivo do rol dos direitos fundamentais elencados nos incisos do artigo 5º da Constituição de 1988, onde existem direitos explícitos, o disposto no § 2º do artigo 5º admite interpretação no sentido de que ou- tros direitos existem, decorrentes dos regimes e dos princípios adotados por nossa Lei Fundamental, os quais implicitamente reconhece.264

Segundo Celso Bastos, talvez o § 2º do artigo 5º da Constituição recu- pere maior alcance e significação, se houver por parte da doutrina e da jurisprudên-

261 Maria Garcia, Desobediência Civil – Direito Fundamental, p. 188. Assim traduz o dispositivo da Emenda à

Carta Americana: “A enumeração de certos direitos na Constituição não poderá ser interpretada como negando ou coibindo outros direitos inerentes ao povo” (“A Constituição dos Estados Unidos da América”, in Folha de São Paulo, 13.9.87, p. 18, 1º Caderno). Vide ainda na mesma obra da autora as várias colocações apresentadas sobre esse tema, inclusive analisando o dispositivo em todas as Constituições brasileiras: fls. 188 e ss. Vide Também Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, Celso Bastos Editor, São Paulo, 2002, p. 283.

262 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 283.

263 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 283, nota de rodapé nº 157. 264 Cf. já citado por Celso Bastos, apud, Manuel Gonçalves Ferreira Filho.

cia uma interpretação mais coerente com a natureza das normas principiológicas. “Em outras palavras, se houver rigor em extrair-se as conseqüências implícitas de todos os artigos que explicitamente a Constituição encerra, certamente será possível emprestar força a um rol de direitos não expressos. É uma questão de coragem hermenêutica e de coerência com a aceitação dos princípios. Uma vez que postos estes, há de se concluir que sejam geradores de direitos e deveres e não uma mera enunciação, de cunho teórico e filosófico”. 265

Para Pinto Ferreira, o rol contido no artigo 5º da Constituição Federal também não é exaustivo, mas sim exemplificativo, e nessa mesma linha, “esclarece que o enunciado dos direitos e garantias constitucionais não é completo, nem se apresenta como um numerus clausus: refere-se aos direitos e garantias expressos na Constituição, o que não exclui outros, decorrentes dos princípios e do regime por ela adotados. Além dos princípios expressos, lembra, há também princípios implícitos e refere o exemplo da Argen- tina em que a Constituição não menciona o direito de reunião; contudo ‘tal direito foi consi- derado como válido e existente, por força de outros princípios expressos, nos quais ele se inclui implicitamente’” (grifado no texto).266

Boa parte da doutrina admite a possibilidade de invocação dos tratados internacionais subscritos pelo Brasil: “Doravante será, pois, possível a invocação de tra- tados e convenções, dos quais o Brasil seja signatário, sem a necessidade de edição pelo Legislativo de ato com força de lei, voltado à outorga de vigência interna aos acordos inter- nacionais”.267

Ainda sobre o tema, temos que: “A Constituição, ademais, não contém todo o direito constitucional de um povo: ‘la constitución política es una sobreestructura’ da sociedade à qual se dirige e organiza, além de combinar-se à coordenação internacional e integração supranacional, dada a interdependência existente na sociedade mundial, daí a importância dos tratados e convenções e acordos de âmbito internacional; além disso, a Constituição representa a inter-relação governantes-governados e ‘a proposta normativa acolhida popularmente, vivenciada, outorga legitimidade e eficácia às instituições’”.268

265 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, pp. 283/284.

266 Maria Garcia, Desobediência Civil – Direito Fundamental, p. 209/210, apud, Pinto Ferreira, Comentários à

Constituição Brasileira, op. cit., pp. 219/220.

267 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 284. 268 Maria Garcia, Desobediência Civil – Direito Fundamental, p. 192/193.

Os tratados “dizem respeito à norma usualmente designada pela fórmula

pacta sunt servanda, e por ela, diz Kelsen, os sujeitos da comunidade jurídica internacional

são autorizados a regular sua conduta recíproca, ou seja, a conduta dos seus órgãos e sú- ditos, em relação aos órgãos e súditos dos outros – o que envolve deveres e direitos aos indivíduos, embora isto ocorra ‘por intermédio da ordem jurídica estadual (da qual apenas o ‘Estado’ é a expressão personificadora)’” (grifado no texto).269

Uma vez disposto em sede de tratado internacional, determinados di- reitos ou garantias individuais, os países subscritores, e, principalmente aqueles que contêm em sua Lei Maior dispositivo de igual teor ao do § 2º do art. 5º, da Constitui- ção Brasileira, o texto internacional assinado passa a incorporar o “sistema jurídico estatal, observada a respectiva Constituição”. Assim, em face do § 2º do art. 5º, esses direitos e garantias passam a integrar o rol constante da Lei Maior, e podem ser exi- gidos ou “exercidos, independentemente de norma expressa”. 270

Segundo os ensinamentos de Celso Bastos: “Doravante será, pois, possí- vel a invocação de tratados e convenções, dos quais o Brasil seja signatário, sem a neces- sidade de edição pelo Legislativo de ato com força de lei, voltado à outorga de vigência in- terna aos acordos internacionais”.271

Concluindo, se o § 2º do art. 5º, da Constituição de 1988 assegura es- ses direitos e garantias, tal se dá por força do regime ou sistema dos direitos funda- mentais, pelo regime e princípios adotados pela Constituição ou pelos tratados inter- nacionais subscritos pelo Brasil.

Vida digna, condições de vida e outras expressões correlatas que indi- cam a qualidade de vida como um direito do homem, são uma constante nas Decla- rações e Tratados internacionais subscritos pelo Brasil.

Assim, a qualidade de vida como direito que é não está expressa de maneira isolada no art. 225 da Constituição.

269 Maria Garcia, Desobediência Civil – Direito Fundamental, p. 211. 270 Maria Garcia, Desobediência Civil – Direito Fundamental, pp. 211/212.

4.1.4. Os direitos não enumerados, o caráter incompleto e inacabado e a realização

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