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1.2. Pessoa humana e dignidade

3.4.3. Competência urbanística municipal

Além das competências municipais enumeradas nos artigos 29 e 29-A da Constituição Federal, o legislador constituinte, ao cuidar da competência munici- pal, deferiu poder ao ente para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I); suplementar a legislação federal e estadual no que couber (art. 30, II); instituir e arre- cadar tributos de sua competência (art. 30, III); promover no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII), e, ainda, competência comum, para junta- mente com a União, Estados, e Distrito Federal, dispor sobre as atividades elenca- das no art. 23, incisos I a XII, conforme lei regulamentadora a ser editada nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo constitucional.

Nas atribuições das competências do Município comuns com outros entes (art. 23 e incs, CF), a Magna Carta deu especial destaque às matérias sobre o meio ambiente e às matérias de natureza urbanística, uma inovação não existente nas constituições anteriores.

Com relação ao meio ambiente, a Constituição de 1988, em seu artigo 23, incisos VI e VII, dispõe como matérias de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a obrigação de proteger o meio ambi- ente e combater a poluição em qualquer de suas formas, e também preservar as florestas, a fauna e a flora. Essas proteções constitucionais são fundamentais ao direito a uma sadia qualidade de vida.

Essa mesma competência comum (art. 23), ao dispor sobre os cuidados com a saúde e assistência pública, a proteção das paisagens naturais, proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, promover a construção de moradias, melhoria das condições habitacionais e saneamento básico, e, combater as causas da pobreza e os fatores da marginalização, promovendo a integração social dos se- tores desfavorecidos, está determinando de forma concorrente ao Município (e tam- bém através de um planejamento entre a União o Estado-membro e o Município), a realiza- ção das funções sociais da cidade, além da tutela do direito à qualidade de vida.

No que diz respeito às matérias de cunho urbanístico, conforme já dito, o constituinte dedicou um capítulo próprio para essa finalidade, consubstanciando os seus objetivos nos artigos 182 e 183, que dispõe sobre a política do desenvolvi- mento urbano.

O caput do artigo 182 impõe ao legislador federal o mister de elaborar normas gerais sobre política urbana, e determina competir ao Município a responsa- bilidade sobre a implantação e execução do desenvolvimento urbano local. Fica cla- ro que a competência legislativa para realizar a política urbana é do Município, pois será ele o responsável pelo desenvolvimento urbano local, pelo desenvolvimento das funções sociais da cidade e pela garantia do bem-estar de seus habitantes.

A seguir, através de seus parágrafos, determina que o plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, dispõe sobre a desapropriação de imóveis urbanos além de estabelecer os procedimentos e instrumentos para que o Poder Público Municipal possa assegurar a função social da propriedade.

Algumas questões merecem ser colocadas nesta sede. No período em que ainda não existia a Lei Federal n° 10.257, de 1 0 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), o Município detinha competência para editar normas de cunho urbanístico ou deveria ficar na pendência da edição da Lei Federal estabelecendo regras ge- rais? Em caso de edição de lei municipal e com o advento do Estatuto da cidade, como dirimir o conflito? Os instrumentos da política urbana previstos no Estatuto da Cidade (art. 4° e acessórios) esgotam as possibilidades da criação de novos instru- mentos na esfera municipal?

Em primeiro lugar deve ser destacado que com o advento da Constitui- ção de 1988, esta conferiu competência aos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local e para promover, no que couber, adequado ordenamento territori- al, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, I e VIII). Assim, não dependia o Município de lei federal autoriza- tiva, pois, sua competência decorria da própria vontade da Constituição e não do Estatuto da Cidade. “A aplicação aos casos concretos dos instrumentos de política urbana

elencados no Estatuto da Cidade vai depender do que estiver disposto na legislação local especificamente editada em cada Município e das disposições da legislação estadual ou federal naqueles assuntos de sua competência, como é o caso, por exemplo, das desapro- priações”.226 Aliás, não poderia se impor aos Municípios que aguardassem passiva- mente a inércia legislativa federal ou estadual.

Com o advento da lei federal (ou estadual se o caso) estabelecendo re- gras gerais, as leis editadas nos Municípios devem a elas se adequar no que for conflitante, mantendo as demais regras (art. 24, e parágrafos c/c art. 30, II, ambos da C.F.).

Por fim, resta a questão no sentido de saber se o rol dos instrumentos da política urbana, previstos no art. 4° e seus ace ssórios da Lei Federal n° 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), que visam a organização dos espaços habitáveis e ao cumprimento das funções sociais da propriedade e da cidade é um rol exaustivo (taxativo) ou não.

O caput do art. 4° é claro ao dispor que esse rol não é ex austivo, posto que, o texto do dispositivo assevera que “serão utilizados, entre outros instrumentos”, além dos instrumentos enumerados. Nesse sentido são os ensinamentos de Adilson Abreu Dallari: “A redação do artigo deixa claro que tal relação não é exaustiva ao dizer que eles deverão figurar ‘entre outros instrumentos’ – o que significa um reconhecimento da vali- dade de instrumentos existentes e utilizados antes da edição do Estatuto da Cidade e tam- bém que, mesmo agora, novos instrumentos (não previstos nessa relação) poderão vir a ser criados, inclusive por Estados e Municípios”.227

Assim, o rol em tela é um tipo aberto, sujeito a inserções de novos ins- trumentos que forem criados para o desenvolvimento da política urbana, inclusive deferindo a necessária importância ao Município na realização das funções sociais da cidade, colocando-o em local de destaque junto com o Estado na tutela da es- sencial e sadia qualidade de vida.

226 Adilson Abreu Dallari, Instrumentos da Política Urbana, In Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal

10.257/2001), pp. 74/75.

227 Adilson Abreu Dallari, Instrumentos da Política Urbana, In Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal

Destaca Celso Antonio Pacheco Fiorillo, que é “interessante verificarmos que o Texto Constitucional, ao atribuir ao Município competência para legislar sobre assun- tos de interesse locais, está-se(sic) referindo aos interesses que atendem de modo imediato às necessidades locais, ainda que tenham repercussão sobre as necessidades gerais do Estado ou do País. Com isso, questões como o fornecimento domiciliar de água potável, o serviço de coleta de lixo, o trânsito de veículos e outros temas típicos do meio ambiente na- tural, artificial, cultural e do trabalho no âmbito do Município, embora de interesse local, ‘não deixam de afetar o Estado e mesmo o país’”.228

Pode-se afirmar que é no Município que os cidadãos em geral exercem de forma plena, os fundamentos garantidos pelo Estado Democrático de Direito, dentre eles o direito à cidade, mas uma cidade onde se respeite a dignidade da pes- soa humana e se possibilite o exercício do direito à qualidade de vida, como direito fundamental que é.

Os instrumentos para esse exercício são concretizados através de ga- rantias como: “a dignidade da pessoa humana combinada com a soberania popular e com o pluralismo político; é no Município que a pessoa, normalmente, nasce, cresce, alcança a maturidade e envelhece; é no Município que a pessoa humana se educa, cuida de sua saú- de, trabalha, se diverte, convive com fatores de segurança/insegurança; é ainda no Municí- pio que restarão evidenciados os permanentes conflitos do capital em face do trabalho den- tro de ambientes artificiais freqüentemente poluídos (poluição de todas as formas) e é prin- cipalmente no Município e a partir da localidade em que possui sua casa que a pessoa hu- mana, como que em uma síntese necessária e fundamental de exercício pleno de seus di- reitos constitucionais, poderá exercer o direito de se informar e mesmo de informar outras pessoas dentro de uma necessária convivência social com o mundo todo a partir da utiliza- ção dos meios de comunicação social”.229

Para concluir, há de se ressaltar que a Constituição de 1988, ao dar relevo e importância ao Município como ente federativo, deferindo-lhe competência legislativa notadamente em face do direito urbanístico, do direito ambiental, e princi-

228 Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, pp. 70/71. Todavia, quando o autor

se refere ao fornecimento domiciliar de água potável, o serviço de coleta de lixo, o trânsito de veículos, e ou- tros, nada mais está fazendo do que enumerando serviços públicos essenciais, que juntamente com a tutela do meio ambiente, resguardam a qualidade de vida.

palmente em face das matérias de interesse local, está a visar uma plena integração social, com base na moderna concepção de cidadania, e, em especial, ressaltando sua importância vital e preponderante na tutela da qualidade de vida, direito funda- mental.

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