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1 UMA VISÃO CONSTITUCIONAL ACERCA DOS INSTITUTOS DA

1.2. PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

1.2.4 A GARANTIA DO CONTRADITÓRIO NAS TUTELAS DE URGÊNCIA

Analisados princípios que atuam no sentido de incentivar o manejo das tutelas de urgência, voltadas ao requerente dessas, não se pode olvidar que em favor do réu há importante princípio constitucional que o ampara: o direito ao contraditório. Serve, dessa forma, como medida a contrabalancear a potencialidade instrumental que a busca pela efetividade adquire, trazendo à questão de volta a preocupação também com o réu e com a segurança na decisão. Tradicionalmente, o direito ao contraditório foi visto como uma relação de ação e reação. O contraditório estaria estabelecido na situação em que, ante a manifestação de uma parte, com

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FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. Breve análise sobre o direito fundamental duração razoável do processo. In: Bruno Freire e Silva; Rodrigo Mazzei. (Org.). Reforma do Judiciário: análise interdisciplinar e estrutural do primeiro ano de vigência. Curitiba: Juruá, 2006. p. 468.

a cientificação de parte adversa e a abertura de oportunidade para essa se manifestar. Tal ideia ainda se mostra firme no atual contexto constitucional do processo. Todavia, ainda que correta, a mera conjugação do binômio informação-reação não se mostra suficiente para ilustrar a realização do direito ao contraditório.

O princípio do contraditório encontra-se no cerne do modelo constitucional de processo. A superação da ideia de que ao contraditório bastaria a possibilidade de resposta encontra amparo no princípio democrático. Como lembra Cândido Rangel Dinamarco, os atos de poder, provenientes de pessoas diferentes daquelas que sofrerão seus efeitos, extraem sua legitimidade da participação72. Daniel Mitidiero aponta ser esse pensamento consentâneo com a ideia de democracia participativa, que indica e incentiva a participação dos cidadãos no manejo do exercício dos poderes, de onde se extrai o contraditório como fator de legitimidade das decisões judiciárias por possibilitar a participação mais efetiva na construção das decisões jurisdicionais73.

O contraditório modernamente entendido impõe que seja assegurado também o direito de poder, efetivamente, influenciar o juiz na prolação da decisão; “o contraditório surge então renovado, não mais unicamente como garantia de resposta, mas como direito de influência e dever de debate”74. De mesmo modo, o juiz deixa seu papel de mero espectador, passando a também agir em busca de uma melhor decisão, e, via de consequência, submetendo-se também ao contraditório. Como afirma Cândido Rangel Dinamarco, “é do passado a afirmação do contraditório exclusivamente como abertura paras as partes, desconsiderada a participação do juiz”75.

Percebe-se, então, que a relação processual se abre para que o conteúdo decisório se dê mediante um efetivo diálogo entre as partes e o magistrado, alcançando um ideal de um processo colaborativo. Às partes é dada a oportunidade de apresentarem seus pontos de vista e também contra argumentar as posições da parte contrária; ao magistrado, além de considerar efetivamente esses posicionamentos na formação de sua convicção, também é dado ao juiz uma atitude mais ativa, com espeque no caráter publicista que o processo adquire. Não há que

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DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. pp. 517-518.

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MITIDIERO, Daniel Francisco. Colaboração no Processo Civil - Pressupostos Sociais, Lógicos e Éticos, 2. ed.. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. pp. 66-67.

74

ZANETI JUNIOR, Hermes A constitucionalização do processo - O modelo constitucional da justiça brasileira e as relações entre o processo e constituição. 2a.. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 180.

75 DINAMARCO, Cândido Rangel . Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros,

se falar em quebra de imparcialidade inerente ao exercício da jurisdição, mas sim tentativa de alcançar um ideal de justiça. Como destaca José Roberto dos Santos Bedaque, tal modo de agir se encontra nos deveres de o juiz conferir conteúdo substancial à igualdade das partes, assumindo a direção material do processo76.

Todavia, esses poderes reconhecidos do magistrado impõem que esse também esteja submetido ao contraditório. A submissão do juiz ao contraditório significa que esse, mesmo que se utilizando de poderes para uma atuação mais ativa, deve sempre consultar as partes, sendo “absolutamente indispensável que tenham as partes a possibilidade de pronunciar-se sobre tudo que pode servir de ponto de apoio para decisão da causa”77. O dever de debate e o princípio da colaboração que advém desse debate acabam por auxiliar o magistrado na condução dos rumos do processo, permitindo um caminhar para se alcançar um resultado mais efetivo. Pode-se afirma, portanto que:

O contraditório representa não simplesmente instrumento destinado às partes, mas, principalmente, instrumento operativo do juiz, imprescindível àquela adequada condução do processo78.

Ao mesmo tempo em que serve de instrumento do juiz para a condução do processo, deve-se ter em mente que o contraditório impõe que tal condução se dê sob os olhares das partes, podendo-se afirmar, como o fez Hermes Zaneti Jr., “ser o direito de participação e influência no processo um limite ao poder do juiz”79.

Essa exigência é evidente quando se observa a nova conformação do princípio do contraditório, mormente no tocante à efetiva participação e influência nos provimentos de cunho decisório do processo. Decidir com base em algo não submetido ao debate implica, assim, violação ao contraditório na medida em que não foi assegurada às partes a possibilidade de influir quanto a esse ponto. O contraditório somente se dá quando há o debate do ponto objeto de decisão. Verifica-se então a conjugação da possibilidade (efetiva) de influência com o dever de debate como elementos que moldam o conceito de contraditório. José Roberto Bedaque dos Santos afirma que:

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BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativas de sistematização). 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 96.

77

MITIDIERO, Daniel Francisco. Antecipação da Tutela - Da Tutela Cautelar à Técnica Antecipatória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 121.

78

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativas de sistematização). 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 97.

79ZANETI JUNIOR, Hermes A constitucionalização do processo - O modelo constitucional da justiça

Não se concebe contraditório real e efetivo sem que as partes possam participar da formação do convencimento do juiz, mesmo tratando-se das questões de ordem pública, cujo exame independe de provocação. O debate anterior à decisão é fundamental para conferir eficácia ao princípio80.

Em uma primeira análise da formatação do princípio do contraditório no modelo processual pátrio, é possível notar com a formulação de pretensão sob o pálio das tutelas de urgência, mormente quando se postula uma decisão sem que haja a oitiva da parte adversa. Como já desenvolvido, o grande embate envolvendo princípios constitucionais que atuam diretamente nas tutelas de urgência é justamente entre a efetividade do direito de ação (considerada também a questão da celeridade que deve ser conferida) e a segurança jurídica, obtida precipuamente com o exercício do contraditório.

Todavia, não há que se falar em concreta incompatibilidade e, via de consequência, desobediência, entre as tutelas de urgência e o princípio do contraditório. O que se verifica é uma adaptação quanto à forma de sua incidência, que se dá acordo com o caso concreto. O primeiro passo da conciliação entre contraditório e tutela de urgência é aferir a razão pela qual a esta é requerida. Nessas situações, entra em cena a necessidade de se aplicara técnica da ponderação, tendo como pedra de torque a questão do prejuízo: deve-se perquirir qual direito sofrerá maior impacto e qual das partes é capaz de suportar com melhor aptidão a mitigação de seu interesse.

Estando caracterizado que o contraditório cederá espaço para a efetividade do direito do postulante, para se falar na prolação de decisão sem a formação do contraditório prévio à decisão, é possível imaginar dois cenários. O primeiro, quando o mero decurso do tempo torna imprescindível a decisão de forma imediata, não sendo possível aguardar a formação do contraditório. Já o segundo cenário seria quando a ciência da existência de um processo levaria o réu à prática de atos que levaria à inviabilidade prática da efetivação do mandamento judicial. Nessas situações, é forçoso constatar que o contraditório cede espaço à efetividade do direito de ação.

Mas não se trata de retirar do réu seu direito ao contraditório. Nas situações em que há deferimento de tutelas de urgência sem a oitiva do réu, o que ocorre é o diferimento desse contraditório. Ou seja, a despeito de o magistrado já ter prolatado decisão que, em regra afetará a esfera jurídica deste, a aptidão de influenciar a formação da convicção do juiz

80 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

permanecerá. O diferimento do contraditório impede que o réu atue de modo a inviabilizar a efetivação da decisão judicial, mas não impede a sua discussão e apresentação do ponto de vista do requerido. Não lhe é, portanto, tolhido o direito ao contraditório. Hermes Zaneti Jr. faz importante alerta ao reconhecer existência de diversas facetas do contraditório, dentre as quais está o contraditório diferido81.

Nessa linha, imperioso sempre ter em mente que para fins de prolação de decisão que concede a tutela de urgência, o requerente deve preencher determinados requisitos que indiquem certa plausibilidade de suas alegações, além de demonstrar as circunstâncias fáticas que autorizem a mitigação do contraditório, com a postergação de sua consolidação. Assim, a postergação da oitiva do réu se dá em razão de se pretender alcançar o primado da efetividade do direito de ação do autor, mas somente nos limites em que esse diferimento se mostrar necessário. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira aponta que há que se avaliar, em um juízo de proporcionalidade, o prejuízo processual pela não observância imediata do contraditório e o provável prejuízo do autor do pedido de concessão de tutela de urgência, levando em conta ainda a probabilidade do direito alegado82. E conclui o professor gaúcho afirmando que:

Quanto mais funda for a intervenção da ordem judicial no patrimônio jurídico do demandado — como ocorre na antecipação do efeito executivo ou mandamental para a prevenção do dano —, mais acurado deve ser o exame dos pressupostos para a concessão da providência não precedida de prévio contraditório.

Não bastando o preenchimento de requisitos que autorizem a excepcionalizar a regra de que o contraditório é antecedente à decisão, uma das características das tutelas de urgência permitem concluir que ainda há marcas do contraditório em decisões dessa natureza: a modificabilidade/revogabilidade. Proferida decisão, aberta a palavra ao réu, caso esse apresente perante o juiz elementos que permitam concluir pela modificação da situação de fato que levaram à prolação da decisão, é permitido ao magistrado sua modificação e até mesmo sua revogação. Essa característica demonstra clara incidência do princípio do contraditório também em sede de tutelas de urgência, indicando ainda que o diferimento de sua concretização não macula sua finalidade. Mantida a possibilidade de influenciar eficazmente na formação da convicção judicial, o contraditório é atendido.

Não obstante a formação do contraditório diferido, o acesso às vias recursais apresenta-se

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ZANETI JUNIOR, Hermes A constitucionalização do processo - O modelo constitucional da justiça brasileira e as relações entre o processo e constituição. 2a.. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 183.

82 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Perfil Dogmático da Tutela de Urgência. Revista Forense, v. 342,

como um meio de se obter pronunciamento judicial que infirme a presença dos requisitos para a concessão das tutelas de urgência. Nessa hipótese, ainda que não se trate de um contraditório pleno e nem perante o mesmo órgão jurisdicional, não há como afastar características inerentes ao contraditório: oitiva da parte prejudicada pela decisão urgente e possibilidade efetiva de influenciar o órgão julgador.

Constatada a presença do contraditório também em sede de tutelas de urgência, é possível perceber que, mais do que servir como um empecilho para sua concessão, o princípio do contraditório assume a função de moldar tais modalidades de provimento jurisdicional, apresentando um contraponto dialético ao pleito autoral, servindo como uma espécie de “freio” à pretensão autoral, tendo em vista que também que a garantia do direito de ação também tem como destinatário o réu, sob o suporte do que Eduardo Couture aponta como correlato direito à exceção83 (ou, na terminologia adotada no Brasil, o direito à defesa).

1.2.5 A COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM SEDE DE TUTELLAS

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