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1 UMA VISÃO CONSTITUCIONAL ACERCA DOS INSTITUTOS DA

3.3 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE PROCESSUAL

3.3.3 ATO PROCESSUAL GERADOR DE DANO

Para se falar em responsabilidade processual, partindo da classificação apresentada por Fernando Luso Soares acima explicitada e trazendo para a classificação mais ampla adotada no presente trabalho, é preciso estabelecer a relação de imputabilidade do dano. Dado o primeiro passo ao identificar a quem será imputada a responsabilidade e o fato gerador da responsabilidade (o dano), primordial a identificação do pressuposto atinente ao aparecimento do dano, qual seja, a conduta violadora do interesse juridicamente relevante. Em se tratando de responsabilidade processual, as características da conduta que levam à sua formação se apresentam mais restritas que a conduta ensejadora da responsabilidade civil.

A conduta que tem aptidão a dar ensejo à responsabilidade processual é aquela praticada no âmbito do processo. Ou seja, somente há que se falar em responsabilidade processual diante da prática de um ato jurídico processual. É possível se falar, destarte, que o pressuposto dinâmico da responsabilidade processual é o ato processual que venha a gerar um dano. O primeiro ponto que merece atenção, portanto, é a definição da conduta como um ato jurídico. A adjetivação do ato como jurídico indica sua relevância para o Direito, ou seja, trata-se de um ato que ocorre no plano fático mas que, dada sua relevância, é transportado ao plano jurídico e lhe é atribuída uma consequência jurídica. Nessa linha, o ato jurídico apresenta-se como espécie de fato jurídico221, no qual o ato humano dotado de voluntariedade se mostra imprescindível à sua configuração. Essa voluntariedade, atente-se, diz respeito à prática do ato em si, e não do alcance das consequências do ato. Paula Sarno Braga o define como “aquele cujo suporte fático é integrado por ato humano (conduta humana), sendo que a vontade em praticá-lo não só é relevante, como é indispensável para a sua configuração”222. Essa

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Marcelo Abelha Rodrigues define fato jurídico como: “todo acontecimento relevante no mundo jurídico, ou seja, capaz de criar, modificar ou extinguir direitos” (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Processual Civil. 4ª Ed., São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 229)

222 BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual: Plano de

definição é atinente ao ato jurídico lato sensu.

Como duas espécies de atos jurídicos tem-se o ato jurídico stricto sensu e o negócio jurídico. No primeiro caso, a atuação humana limita-se na vontade de praticar o ato, sem qualquer influência em relação aos seus efeitos; esses são expressamente previstos na norma e são inafastáveis. Paula Sarno Braga afirma que “há, aqui, a vontade livre e consciente na prática do ato, mas não se exige, contudo, a vontade da produção de um resultado eleito.”223 Já no caso do negócio jurídico, a atuação da vontade do agente é mais ampla, podendo se dar tanto na exteriorização de sua vontade de praticar o ato quanto no enquadramento jurídico e nos efeitos que essa vontade terá aptidão de gerar, cabendo ao legislador definir a amplitude da liberdade nesse segundo componente. Paula Sarno Braga destaca que:

A vontade manifestada compõe o suporte fático (como elemento nuclear), atribuindo-se ao sujeito, dentro de limites pré-fixados pela lei, o poder de escolha da categoria jurídica e de regramento dos seus efeitos (oscilando em sua amplitude, surgimento, permanência e intensidade)224

A segunda qualificadora do ato ensejador da responsabilidade processual é, justamente sua qualificação como processual. Partindo do conceito de ato jurídico lato sensu acima apresentado e adotando-o, o caminho para uma conceituação do ato jurídico processual passa pela transposição de tal conceito para o plano processual. A priori, identificar um ato como processual não apresentaria problemas: basta ser praticado no processo. Todavia, um exame mais qualificado não permite adotar pura e simplesmente essa assertiva como base da natureza processual de um ato.

Sob essa perspectiva, Francesco Carnelutti destaca que a qualidade processual de um ato jurídico advém da hipótese de também ser processual a situação jurídica constituída, substituída ou modificada por tal ato, concluindo que a processualidade do ato não se deve à sua realização no processo, mas sim de sua importância para o processo225. Nesse mesmo sentido, Paula Sarno Braga, ao tratar do fato processual226, assevera que esse seria “fato ou complexo de fatos que, juridicizado pela incidência de norma processual, é apto a produzir

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BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual: Plano de Existência. Revista de Processo, n. 148. São Paulo: RT, junho, 2007, p. 293-320, p. 302.

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BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual: Plano de Existência. Revista de Processo, n. 148. São Paulo: RT, junho, 2007, p. 293-320, p. 304.

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CARNELUTTI, Francesco. Instituiciones de proceso civil: traduccion de la quinta edicion italiana por Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ed. Juridicas Europa-America, 1959, vol I, p. 425.

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À semelhança do que ocorre na relação entre fato jurídico e ato jurídico, é possível identificar uma relação de gênero-espécie quando se fala em fato jurídico processual e ato jurídico processual, sendo aquele conceito mais abrangente do que esse. Assim, do conceito de fato jurídico processual é possível alcançar o conceito de ato jurídico processual.

efeitos dentro do processo”227. Aportando tal assertiva ao ato jurídico processual, percebe-se a característica de ser processual advém da conjunção de dois elementos: a previsão em norma jurídica processual e os efeitos dentro do processo.

A potencialidade de gerar efeitos no processo não está diretamente vinculada com a adequação do ato jurídico processual ao direito, ou seja, a contrariedade ao direito não retira o caráter jurídico (e processual) desse ato. Tanto o ato processual lícito quanto o ato processual ilícito são aptos a gerar efeitos e, no que interessa ao presente trabalho, a ensejar a responsabilidade processual.

O ato processual lícito lato sensu, tal qual o ato jurídico lato sensu, pode ser dividido em ato processual stricto sensu e negócio processual228. Em ambos se exige a volitividade para a prática do ato, diferenciando-se em relação à influência que a vontade do agente tem perante os efeitos do ato. No ato processual stricto sensu, a vontade é irrelevante à produção de efeitos; no negócio processual há espaço para que a vontade atue também em relação ao enquadramento jurídico e efeitos da exteriorização da vontade. A grande maioria dos atos processuais podem ser enquadrados como ato processual em sentido estrito, cabendo à parte tão somente a opção de praticá-los ou não e se sujeitando aos efeitos dessa opção. Por sua vez, os negócios processuais vêm ganhando maior força. Se antes havia uma limitação a esses, sendo o foro de eleição e a transação como os exemplos mais marcantes, com o Novo Código de Processo Civil é possível identificar uma maior importância à vontade das partes, conferindo-lhe também força normativa, como é o caso do artigo 191229, em que há a expressa previsão de estabelecimento de convenção acerca da prática de atos processuais.

Os atos processuais ilícitos, como já dito, também geram efeitos perante a relação processual. A sua prática, por óbvio, é vedada e, dessa forma, de prática não esperada. Contudo, tendo ciência da possibilidade real de as partes atuarem em desconformidade às previsões legais, a norma processual deve se preocupar também em estabelecer efeitos (sanções) nos casos de violação de seus preceitos. Possuem, portanto, aptidão a modificar, criar ou extinguir situações processuais.

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BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual: Plano de Existência. Revista de Processo, n. 148. São Paulo: RT, junho, 2007, p. 293-320, p. 314

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Não vamos adentrar na discussão acerca do reconhecimento como categoria autônoma do ato-fatos processual. Essa autonomia ou seu enquadramento como ato processual stricto sensu não invalida as conclusões que serão alcançadas e a discussão acerca dessa eventual distinção fugiria consideravelmente do tema proposto no presente trabalho

229 Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais,

Com base nessas premissas, é possível identificar que somente há que se falar em responsabilidade processual quando o ato praticado tiver relevância perante a relação processual e que venha a acarretar danos a outra parte.

A responsabilidade processual pela prática de ato processual ilícito se mostra evidente. A contrariedade ao Direito não pode deixar aquele que o sofreu sem a devida composição. Nessa linha, a litigância de má-fé se mostra como exemplo clássico em que o ato processual cuja prática é vedada tem como efeito a imputação de responsabilidade no caso de constatação do dano.

Por outro lado, atos processuais lícitos também têm aptidão a gerar responsabilidade processual. Contudo, somente ato processual stricto sensu é que dá ensejo à responsabilidade processual. A responsabilidade processual exsurge previsão normativa de sua imputação ao agente pelos danos causados a outra parte processual. Afasta-se, pois, a possibilidade de a vontade do agente exercer alguma influência acerca dos efeitos ou enquadramento jurídico. Assim, e apresentando como exemplos de atos processuais lícitos ensejadores de responsabilidade, tem-se àquela decorrente da efetivação de tutelas de urgência e posterior improcedência da demanda e a decorrente do cumprimento provisório de sentença no caso de reforma da sentença. São atos lícitos, já que permitidos pela legislação processual mas, quando geradores de danos, podem ter como efeitos a imputação da responsabilidade.

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