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1 UMA VISÃO CONSTITUCIONAL ACERCA DOS INSTITUTOS DA

3.2 DISTINÇÃO ENTRE RESPONSABIILDADE PROCESSUAL E RESPONSABILIDADE CIVIL

A mencionada autonomia da responsabilidade processual frente a responsabilidade civil importa em reconhecer existência de diferenças entre ambas. É dessa distinção, inclusive, que se pode não só extrair a autonomia, mas, principalmente, justificá-la. Todavia, antes de enfrentar essa distinção, é de grande importância destacar que não se deve interpretar essa autonomia e a consequente diferenciação como completa.

O reconhecimento da autonomia da responsabilidade processual passa, obrigatoriamente, por sua gênese no seio da responsabilidade civil. Como bem delineia Fernando Luso Soares, “as relações entre a responsabilidade civil e a responsabilidade processual são de ordem

200 CARNELUTTI, Francesco. Instituiciones de proceso civil: traduccion de la quinta edicion italiana por

matricial”201. Essa relação permite também destacar a similitude entre esses dois institutos, principalmente ser termos em conta que a finalidade de ambas é, de forma bem resumida e sem se olvidar de outras finalidades e funções, a busca pela reparação de dano impingido a outrem.

Das consequências decorrentes dessa origem é possível destacar a distinção em relação aos pressupostos da responsabilidade processual e os pressupostos da responsabilidade civil. Esse tema será melhor abordado em tópico específico, mas cumpre trazê-lo rapidamente a fim de estabelecer distinções.

A esquematização dos pressupostos é bem semelhante, sendo possível até mesmo adotar nomenclatura mais parecida possível. Contudo, em se tratando da responsabilidade processual, esses pressupostos possuem especificidades que os distinguem dos pressupostos da responsabilidade processual.

De início, tem-se a figura do agente que, na responsabilidade civil pode recair sobre qualquer pessoa capaz, ao passo que na responsabilidade processual somente quem é parte no processo pode compor o aspecto subjetivo da relação de responsabilidade. O dano e a conduta danosa na responsabilidade processual têm como característica distintiva em relação à responsabilidade civil sua natureza processual, ou seja, sua ocorrência no bojo da relação processual e juridicizados por normas processuais. O nexo de causalidade não apresenta muitas distinções, mas, no âmbito da responsabilidade processual dá origem ao princípio da causalidade. Já o elemento volitivo apresenta distinção tanto quanto à sua função na responsabilidade quanto à sua própria caracterização. Quando exigido, o elemento volitivo na responsabilidade processual tem por finalidade precípua o combate à má atuação das partes, primando para que essas cumpram deveres de probidade e lealdade no bojo do processo, ao passo que na responsabilidade processual, ainda que deveres de boa conduta do agente sejam tutelados, a preocupação ainda se encontra na reparação do dano. E quanto à sua caracterização, é possível destacar que no âmbito da responsabilidade processual não há a figura da culpa como comportamento em inobservância a deveres de cuidado; a responsabilidade processual subjetiva somente opera mediante comportamento doloso, sendo que o dolo é tarifado, ou seja, a legislação previamente explicita quais comportamentos são considerados de má-fé e indica que sua prática importará em responsabilidade processual.

201 SOARES, Fernando Luso. A responsabilidade processual civil. Coimbra, Portugal: Almedina, 1987, pp.39-

Percebe-se, pois, que na responsabilidade processual os pressupostos possuem caracteres que permitem um corte, uma delimitação dos pressupostos da responsabilidade civil, apontando suas especificidades justamente na direção delineada pelos pilares da responsabilidade processual que a tornam uma modalidade autônoma de responsabilização.

A fonte das responsabilidades também aparece como elemento diferenciador. A Responsabilidade processual exsurge no processo, já a responsabilidade civil de direito material, por sua vez, ocorre fora do processo, no mundo da vida, e somente vai ser declarada pelo processo. Sem querer ser repetitivo, a responsabilidade processual tem sua origem de um ato processual causador de dano em que, tanto tal ato quanto o próprio dano ganham relevância jurídica por meio da norma processual. Ademais, tendo em vista a característica da responsabilidade processual de gerar efeitos perante a relação processual, percebe-se que tal modalidade de responsabilidade tem seu âmbito de atuação limitada à recomposição de danos ocorridos no processo. Por sua vez, a responsabilidade civil tem seu âmbito de atuação mais largo, abrangendo todos os atos da vida civil, sem limitação de sua influência (exceto, por óbvio, limitações concernentes ao critério espacial da norma jurídica, e aquelas exceções legalmente previstas). Assim, a gênese do dever de indenizar é distinta, ainda que a responsabilidade processual possa decorrer da perquirição responsabilidade civil.

Outra diferenciação entre a responsabilidade processual e a responsabilidade civil é a necessidade ou não de previsão legal acerca da qualificação do ato gerador do dano como ensejador da responsabilidade. Nesse ponto, e ao contrário de quando se fala em responsabilidade civil, na responsabilidade processual é possível se falar em tipicidade do ato ensejador da responsabilidade. Como já dito, o dano que dá origem à responsabilidade processual possui essa última característica em razão da sua juridicização por uma norma processual. Faz-se necessário, portanto, que a norma processual informe que o dano decorrente de determinado ato processual, acarretando dano, implicará em responsabilidade processual da parte. Pode-se fundamentar, sob um aspecto constitucional, no fato de que, por se tratar do exercício de um direito constitucionalmente assegurado (o direito de ação), para se falar em responsabilidade é primodial que haja norma específica imputando o ato danoso como tal.

No mais, a tipicidade da responsabilidade processual confere-lhe o caráter publicista que caracteriza o direito processual. A autonomia da vontade não pode, assim, ser a fonte da responsabilidade processual. Ao seu passo, a responsabilidade civil é justamente marcada, se

não pela autonomia da vontade, pelo exercício da liberdade. E, ao mesmo tempo em que pressupõe a liberdade do agente, pressupõe que qualquer ato livre que gere dano é ensejador de responsabilidade civil. Já na responsabilidade processual, ainda que haja a liberdade de agir da parte, somente ensejará responsabilidade aqueles atos previamente destacados na legislação que acarrete dano. Essa característica permite reforçar a distinção entre a responsabilidade processual e a responsabilidade civil e o caráter autônomo da primeira em relação à segunda, posto que afirmar que a responsabilidade pelos atos processuais é de mesma natureza da responsabilidade pelos atos civis deveria levar à conclusão que qualquer ato processual seria apto a ensejar responsabilidade processual.

A questão da presença do elemento volitivo também dá ensejo à distinção entre as responsabilidades. A despeito da tendência à objetivação, em sede de responsabilidade civil ainda é possível afirmar que a regra é a responsabilidade subjetiva, sendo a responsabilidade objetiva a exceção. Todavia, em se tratando da responsabilidade processual, essa relação se inverte. Na responsabilidade processual, a regra é a responsabilidade objetiva, sem a perquirição de culpa, ao passo que a responsabilidade subjetiva é a exceção. Fernando Luso Soares, em lição tendo como base o direito português, mas, dada as características semelhantes, aplicável no direito pátrio, destaca essa inversão, além da relevância no que concerne à integração da lei processual, atende ao escopo específico da responsabilidade processual202.

A manutenção da legitimidade do processo como instrumento de composição de crises jurídicas impõe que esse tenha um caráter de neutralidade perante as partes. Seus efeitos perante as partes devem emergir dos pronunciamentos proferidos e sua efetivação definitiva, e não de efeitos colaterais decorrentes da prática de atos processuais que busquem tal pronunciamento. Nessa linha, percebe-se que, quando impõe à parte o dever de reparar os prejuízos causados pela prática de atos processuais, o legislador não se preocupa em impor uma investigação acerca da vontade de causar danos ou de violação a deveres de cuidado. Simplesmente impõe a responsabilidade. Como bem delineia Barbosa Moreira:

[...] quando a lei quis exigir do litigante determinada atitude psicológica, para permitir-lhe a responsabilização, expressamente o fez, dispensando qualquer indagação dessa ordem nos outros casos, em que, portanto, a responsabilidade

202 SOARES, Fernando Luso. A responsabilidade processual civil. Coimbra, Portugal: Almedina, 1987,

exsurge pela simples verificação objetiva do "tipo" legal203.

Por sua vez, quando o elemento volitivo é elemento de intrínseca relação com a finalidade da imputação da responsabilidade, o legislador determinou sua perquirição, como, por exemplo, no caso da litigância de má-fé. Atende-se, pois, às finalidades da responsabilidade processual: com vistas a reparar os danos causados pelo processo, busca-se impedir a utilização do processo como instrumento causador de dano e impedir a prática de atos processuais em desacordo com os deveres básicos de lealdade e probidade aos quais estão submetidas as partes de um processo.

Percebe-se, pois, que é o contrário do que ocorre na responsabilidade civil, onde a responsabilidade objetiva é que e é especificada, enquanto que, quando ausente previsão expressa, é a responsabilidade entendida é subjetiva.

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