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1 UMA VISÃO CONSTITUCIONAL ACERCA DOS INSTITUTOS DA

2.2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.2.4 O ELEMENTO VOLITIVO

Por último, dentre os pressupostos da responsabilidade civil tem-se o elemento volitivo, ou seja, a perquisição da intenção do agente quando da praticada conduta danosa. Ao contrário do que ocorre com os demais pressupostos (um pouco menos com o nexo de causalidade), sua presença não é estritamente necessária para a formação da relação jurídica da responsabilidade civil; somente se exige a perquirição de tal elemento nas hipóteses de responsabilidade subjetiva. Não obstante, o artigo 186 é claro ao reputar como agente do ato ilícito (e, por isso, gerador da relação de responsabilidade civil) aquele que o pratica por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência. Em suma, ainda que não exigida em todas as hipóteses de responsabilidade, a culpa stricto sensu e o dolo são apresentados prontamente como requisitos necessários à configuração da relação de responsabilidade civil.

A denominação adotada (elemento volitivo) tem como razão o fato de que se relaciona com a vontade humana no modo de agir. Em se tratando do sistema de responsabilidade subjetiva, não basta a conduta de o agente ter causado danos à vítima. É necessário que esse agente tenha agido com culpa. E seja na modalidade culpa stricto sensu, seja na modalidade dolo, a prática do ato por parte do agente é produto de sua voluntariedade. A distinção e dá justamente na intenção em relação ao resultado que se obteve com a prática do ato. Em se tratado de dolo, a vontade reside não só no ato a ser reputado como ilícito, mas também e principalmente, no resultado a ser obtido, qual seja, justamente causar o dano. Já na culpa stricto sensu, a vontade diz respeito apenas ao ato em si, inexistindo no agente a vontade de alcançar o resultado do ato. Assim, a vontade estaria no agir, e não nas consequências desse agir (em contraposição ao que ocorre no dolo).

Essa discrepância entre o ato pretendido e o resultado não pretendido se dá na inobservância de deveres mínimos de cuidado. Em qualquer ação, quem a pratica deve observar cuidados

177 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à

mínimos correlatos. A adoção de práticas em desacordo com a conduta adequada à ação leva à configuração da culpa. Percebe-se, pois, que ao se falar em culpa, tem-se em mente a existência de deveres mínimos de cuidado que os indivíduos devem observar, com a finalidade de não causar danos aos demais indivíduos. Essa regra mostra-se basilar na convivência em sociedade.

A culpa como fundamento da responsabilidade civil, como bem pontua Anderson Schreiber, tem como base a ideologia liberal predominante no pensamento dos juristas da Modernidade, levando a responsabilidade a ter fundamento um mau uso da liberdade, um dos pilares do ideário liberal178. E a vontade do agente, nesse ponto, se mostra como ponto-chave, já que a liberdade e seu exercício estão intimamente relacionados com a vontade. Por sua vez, seu mau uso exigia um sancionamento, de onde se extrai uma clara conotação moral na responsabilidade civil179.

Esse ideário, ainda que não nos moldes extremos de outrora ainda se mostra presente em se tratando de responsabilidade civil. A previsão atual de exigência de culpa dá à responsabilidade uma ênfase também na punição àquele agente que não observou os deveres de diligência. Então, não bastaria ter causado o dano; imprescindível que a conduta que gerou o dano seja minimamente reprovável perante o direito. Frise-se, é a conduta que deve (ou deveria) ter a pecha de reprovável, e não a consequência dessa conduta, que é o dano.

Seguindo essa linha, a análise da culpa tem por base o comportamento exigível do homem comum em determinada situação. A desconexão entre o modo de atuar do agente no caso concreto do modo que se espera que normalmente se aja em situação semelhante é que dá azo à caracterização da culpa em qualquer de suas modalidades. Como observa Sérgio Cavalieri Filho:

O núcleo da conduta culposa, portanto, consiste na divergência entre a ação efetivamente praticada e a que deveria ter sido realizada em virtude da observância do dever de cuidado. Há na culpa, em última instância, um erro de conduta; uma conduta mal dirigida a um fim lícito180.

Por seu turno, José de Aguiar Dias conceitua a culpa como:

178

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.12.

179

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 13.

180

[...] falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observa-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente detivesse na consideração das consequências eventuais da sua atitude181

Desse conceito de culpa é possível extrair os requisitos para a configuração do ato culposo passível de gerar a obrigação de indenizar. Primeiro é a voluntariedade da conduta (e não do dano, frise-se bem), que, como já explicitado, consiste em o agente pretender a prática do ato, somado a um resultado involuntário, ou seja, diverso do esperado.

A previsibilidade como requisito para a configuração da culpa exige que o resultado danoso seja ao menos previsível. Sem que haja previsibilidade do ato não há como caracterizar a não adoção de cuidados ara evitar o dano como ato ilícito. E a quebra desse dever de cuidado é o cerne da análise da culpabilidade da conduta do agente. Estando fora da esfera de previsibilidade, o resultado danoso é atribuível a caso fortuito ou força maior.

O terceiro requisito para a configuração da culpa é a inobservância de deveres de conduta que se espera dos indivíduos para que não se infrinja direitos alheios e cause danos. Por muito tempo esses deveres tiveram como base a figura do bonus pater familias. Contudo, a personificação desse na figura do julgador acarretou sérias críticas mormente pela falta de um critério mais objetivo182. Nessa esteira, é possível erigir a boa-fé objetiva como critério de aferição desses deveres, partindo dos standards comportamentais que, se de um lado não são positivados ou mesmo unificados, de outro, possuem uma sistematização mais aprofundada e leva em conta o meio em que estão imersos o agente e a vítima.

Esses deveres de conduta, tendo como base esses parâmetros oriundos da boa-fé objetiva, conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho, possuem três romãs de exteriorização: a negligência, a imprudência e a imperícia183 (ainda que a previsão do artigo 186 se refira apenas aos dois primeiros). Na negligência, se verifica a ausência de cautela por parte do agente, deixando de adotar medidas que impediriam o dano, agindo de forma desidiosa; na imprudência, se está diante de uma falta de cautela no agir, sendo uma ação positiva m ares de temeridade; na imperícia o agente pratica o ato em que tenha as habilidades específicas para tanto, ou deixe, grosseiramente, de adotar técnicas específicas para determinado ato.

181

DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 122.

182

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009, pp. 40-41

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Por sua vez, a despeito de serem estados anímicos distintos, inexiste há distinção, a priori, do dolo e da culpa já que o legislador pátrio preferiu abarcar a reparação do dano como norteador da responsabilidade, não obstante a responsabilidade ainda carregar certo caráter moral na perquirição da intenção do agente. A extensão da responsabilidade , em regra, equivale à extensão do dano, na forma dos artigos 403 e 944 do Código Civil, sendo indiferente, a princípio, qual a qualificação da vontade do agente (se culposa ou dolosa) bastando a voluntariedade da conduta.

O parágrafo único do artigo 944, contudo, apresenta hipótese de redução da indenização em caso de desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, dando mostras, mais uma vez, da preocupação punitiva que a responsabilidade civil possui. A conduta dolosa já restaria excluída desse benefício legal e a análise do grau de culpa do agente serviria como elemento a permitir a redução da indenização em uma mostra de que critérios morais ainda podem subsistir em se tratando responsabilidade subjetiva. Também quando diante de danos extrapatrimoniais – dano moral principalmente – a atuação dolosa ou apenas culposa ganha relevo, mormente diante de situações em que se extrai da indenização caráter não meramente reparador, mas também punitivo e pedagógico. Para que essas finalidades tenham relevância, a forma de atuação do agente é levada em consideração na tentativa de se compatibilizar a indenização com o grau de reprovabilidade dessa atuação.

Por se tratar de um critério anímico, psicológico, a culpa acaba por se tornar um obstáculo à reparação de danos. Nessa linha, e percebendo-se a dificuldade em se demonstrar a culpa, o legislador aos poucos foi tornando essa tarefa mais simples, adotando, inicialmente, as chamadas presunções de culpa, de modo a não eliminar tal pressuposto em sede de responsabilidade civil, mas, ao mesmo tempo, invertendo o ônus da prova, imputando ao agente o ônus de demonstrar não ter agido culposamente.

E, com a evolução da responsabilidade civil e uma preocupação cada vez maior na reparação do dano, em detrimento das questões morais atinentes à conduta do agente, a culpa vem perdendo força na análise da responsabilidade civil. Antes previstas expressamente em legislação esparsa ou até mesmo no bojo do Código Civil (mas pontualmente), a responsabilidade sem culpa vem sendo cada vez mais adotada, chegando-se ao ponto de o Código Civil de 2002 trazer, no parágrafo único do artigo 927, uma cláusula geral de responsabilidade objetiva. Assim, verifica-se que vem ganhando corpo a questão do risco como fundamento da responsabilidade.

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