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1 UMA VISÃO CONSTITUCIONAL ACERCA DOS INSTITUTOS DA

1.2. PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

1.2.5 A COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM SEDE DE TUTELLAS DE

Na exploração dos temas constitucionais alhures, procurou-se, em uma primeira aproximação, apresentar os princípios constitucionais conformadores da ideia moderna de tutela de urgência. Contudo, como observado, há clara colisão entre os princípios, sendo possível observar um contínuo duelo entre efetividade e segurança jurídica. É dessa colisão que se extrai a sistemática que deve ilustrar a aplicação das normas infraconstitucionais acerca da tutela de urgência. E essa colisão é até natural, haja vista refletir a situação em que estão os litigantes: de um lado, o autor quer a tutela de forma mais efetiva e célere, ao passo que o réu quer que a tutela seja analisada com grande parcimônia, analisando o caso posto detidamente para se prolatar uma decisão com plena segurança de que é a melhor para a hipótese. É justamente esse conflito, com base no que a sociedade almeja em certo momento histórico, que tem a aptidão de formatar o conteúdo constitucional das tutelas de urgência. E no meio dessa disputa, esta o Estado-Juiz, que deve contrabalancear esses interesses, tendo em vista também a concreção da finalidade da jurisdição como instrumento de solução de

83 COUTURE, Eduardo J. Estudios de derecho procesal civil, tomo I: “La constitución y el proceso civil”,3ª

controvérsias que se pretende eficaz e, ao mesmo tempo, justo. Como afirma José Roberto dos Santos Bedaque, “a harmonização desses valores conflitantes é necessária, visto que ambos são imprescindíveis ao sistema”84.

Se houvesse a busca por apenas um desses objetivos, uma das partes da relação processual evidentemente ficaria em uma posição desprivilegiada. A exclusividade pela busca da efetividade levaria o réu a um estado de incerteza, dificultando a demonstração de seu direito, uma vez que a resposta rápida impede maior aprofundamento da investigação que se propõe o processo judicial. Por outro lado, a primazia da segurança encaminharia a demanda para um longo caminho em que, mesmo que acaso o direito do autor viesse a ser reconhecido, sua utilidade para o autor poderia ser limitada, tendo potencial de o réu se servir desse direito tão somente com o intuito de protelar uma situação que lhe será desfavorável, servindo ainda como meio de esse desestimular o acesso à justiça pelo autor. Como destaca Hermes Zaneti Jr, a efetividade do acesso à justiça e a segurança jurídica são os valores ideológicos subjacentes ao direito processual, que, antes de se contradizerem, se complementam, sendo aplicados por ponderação, ressaltando que naquela, há maior apego ao direito material, ao passo que nessa prepondera um apego à literalidade das normas, decorrente de um paradigma legalista. E conclui que já se prescinde de soluções postas prima facie, mas, em contrapartida, exige-se maior controle da construção da solução a ser dada85.

Verificado que nos casos em que se mostra viável a concessão de tutela de urgência – mormente as de natureza patrimonial – a tensão entre efetividade e segurança é indissociável, aferir qual valor deve preponderar no caso concreto implica na análise do direito material tutelado e, mais especificamente, na análise do fundamento constitucional que estará em jogo. Do lado do réu, em regra se tutelará seu direito à propriedade e liberdade, na medida em que uma decisão urgente acarretará uma limitação a seu patrimônio ou à sua liberdade de agir. Do outro lado, mostra-se imprescindível avaliar se o direito do autor mantém fundos constitucionais que devam prevalecer sobre a liberdade e propriedade do réu. Como observa José Roberto dos Santos Bedaque, a adoção da técnica necessária à concessão (decisão mediante cognição sumária e diferindo o contraditório) da tutela de urgência se justifica em

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BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativas de sistematização). 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 94.

85ZANETI JUNIOR, Hermes A constitucionalização do processo - O modelo constitucional da justiça

função das circunstâncias inerentes ao direito material86.

Essa análise e harmonização entre os princípios constitucionais que entrem em conflito quando da concessão (ou não) de tutelas de urgência é feita mediante a técnica da ponderação. Ao conferir status de direito fundamental, o constituinte apontou que esses dois direitos possuem grande relevância, devendo, assim, serem protegidos e tendo sua aplicação potencializada ao máximo. A relevância dos direitos fundamentais – e, em especial dos envolvidos nessa potencial colisão – como pilares do ordenamento jurídico pátrio, por sua vez, impede que se obtenha de antemão a resposta sobre qual deve prevalecer, haja vista que direitos dessa natureza devem ser conservados o quanto possível. Nessa esteira, impõe-se a aplicação da técnica de ponderação, a fim de que, analisando o caso concreto, extraia-se qual direito deve prevalecer e até que ponto o outro deve ser afastado. Privilegia-se o exercício do processo de ponderação em que se evita a atribuição de primazia absoluta a um ou outro princípio, esforçando-se para assegurar a aplicação das normas conflitantes, ainda que uma sofra atenuação, em consonância com o princípio da princípio da salvaguarda do núcleo essencial, segundo o qual “não é legítima a regra de solução que, a pretexto de harmonizar a convivência entre direitos fundamentais, opera a eliminação de um deles, ou lhe retira a sua substância elementar”87. Diante do conflito com bases principiológicas semelhantes o juízo de ponderação deve se dar analisando as peculiaridades o caso concreto.

No juízo de ponderação indispensável entre os valores em conflito, contempla a Corte as circunstâncias peculiares de cada caso. Daí afirmar-se, correntemente, que a solução desses conflitos há de se fazer mediante a utilização do recurso à concordância prática (praktische Konkordanz), de modo que cada um dos valores jurídicos em conflito ganhe realidade.88 André Rufino do Vale, com base nos ensinamentos de Robert Alexy, destaca o ponto básico para a ponderação:

Para a ponderação de princípios, Alexy formula a seguinte lei, chamada de lei da ponderação: “Quanto maior é o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior deve ser a importância da satisfação do outro”. Assim, de acordo com a lei da ponderação, a medida permitida de não-satisfação ou de afetação de um dos princípios depende do grau de importância da satisfação do

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BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativas de sistematização). 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 95.

87

ZAVASCKI, Teori. A. . Antecipação da tutela e colisão de direitos fundamentais. Ajuris (Porto Alegre), Porto Alegre, v. 64, p. 395, 1997. p. 399.

88 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

outro princípio.

A lei da ponderação constitui o método de fundamentação para os enunciados que estabelecem as relações de preferência condicionada entre os princípios. A racionalidade da ponderação depende dessa fundamentação.89

Partindo da lei da ponderação expressa por Alexy, e diante da tentativa de harmonização entre efetividade e segurança, entra em cena a aplicação do princípio da proporcionalidade e seus subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. André Rufino do Vale traz bem essa relação entre ponderação e proporcionalidade:

Esse relacionamento com o princípio da proporcionalidade baseia-se na própria definição dos princípios. Como mandatos de otimização, os princípios devem ser cumpridos na maior medida possível, segundo as possibilidades fáticas e jurídicas. Os subprincípios da adequação e necessidade implicam que os princípios são mandatos de otimização com relação às possibilidades fáticas. Por outro lado, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito indica que os princípios são mandatos de otimização com relação às possibilidades jurídicas, é dizer, a medida de seu cumprimento depende dos princípios que jogam em sentido contrário. Trata-se, neste caso, de ponderação de princípios em conflito. A ponderação será indispensável quando o cumprimento de um princípio significar o descumprimento do outro, ou seja, quando um princípio somente puder ser realizado à custa de outro princípio.90

Com vistas à aplicabilidade do princípio da proporcionalidade para fins de concessão de tutelas de urgência, deve-se perquirir se as medidas urgentes adotadas atende aos subprincípios da proporcionalidade. Necessário, portanto, que a tutela de urgência deferida utilize-se dos meios adequados à finalidade a que se propõe, ou seja, resguardar a efetividade de eventual decisão favorável (adequação); se a forma como se dará sua efetivação é realmente necessária, ou se haveria alguma outra forma de se alcançar o resultado pretendido (necessidade); e se eventual incursão na esfera patrimonial ou de liberdade do réu dar-se-á em um nível muito além daquele que se mostraria suficiente para a finalidade de se conferir efetividade ao acesso à justiça do requerente (proporcionalidade em sentido estrito).

Desta feita, fica claro perceber eventual conflito entre efetividade da tutela jurisdicional e segurança jurídica relativa a essa tutela deve ser resolvido de acordo com o caso concreto, inexistindo – e até mesmo repelindo – soluções legislativas que resolvam tal questão de forma satisfatória. Desta forma, é principalmente com fundamento na base constitucional subjacente aos interesses contrapostos que devem ser analisado se eventual empecilho é válido – constitucional – ou não, mostrando-se imperativo também a decisão que julga pedido de tutela

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VALE, André Rufino do. Estrutura das normas de direitos fundamentais: repensando a distinção entre regras, princípios e valores. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 70.

90 VALE, André Rufino do. Estrutura das normas de direitos fundamentais: repensando a distinção entre

de urgência se dê em consonância com os princípios constitucionais que inspiram a matéria – seja no tocante à própria índole constitucional das tutelas de urgência, seja quanto ao direito material a ser tutelado.

2 ASPECTOS BASILARES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Tomando como base o ordenamento jurídico pátrio, o estudo da responsabilidade civil se mostra como de grande importância. O convívio em sociedade pressupõe que cada indivíduo possui sua esfera de direitos e que essa deve se manter incólume de violações, salvo existente justo motivo ou determinação legal. Sem adentrar nessas hipóteses excepcionais, é possível destacar que o respeito entre os indivíduos é o pilar que sustenta as sociedades modernas. Da mesma forma que esse respeito mútuo surge como necessário à manutenção do convívio em sociedade, é inegável que também desde muito tempo esse convívio gera conflitos. A responsabilidade exsurge justamente diante de situações de quebra dessa ordem que se espera. José de Aguiar Dias traz muito bem a responsabilidade como a situação de quem, violando uma norma, fica exposto às consequências advindas desse ato91. Tomando como base tal definição, é possível identificar várias espécies de responsabilidade, conjugando o tipo de norma violada e as consequências previstas. Assim, fala-se em responsabilidade penal, quando se viola normas penais com consequências penais; responsabilidade administrativa, quando há violação de normas administrativas com consequências de ordem administrativas; e, de cunho residual, a responsabilidade civil, nascida de violação de uma norma que não segue as demais, e cuja consequência resulta em uma obrigação de cunho civil92. Essas três modalidades de responsabilidade são autônomas e independentes, sendo possível que um mesmo ato dê ensejo às três modalidades de responsabilidade.

O bem jurídico tutelado nessas modalidades de responsabilidade também é elemento distintivo. É notável que na responsabilidade penal a preocupação é depositada na proteção da sociedade contra atos de tal reprovação social que a consequência afeta o status libertatis do indivíduo; preocupa-se, pois, com a incolumidade da sociedade. A responsabilidade administrativa, por sua vez, tem como alvo de preocupação a incolumidade da Administração, demonstrada nas consequências que envolvem a relação entre o violador da norma e o Estado. Já no tocante à responsabilidade civil, o elemento que se tem como principal é a causação de

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DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 3.

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Nesse primeiro momento não se cuidará da distinção entre a responsabilidade processual civil e a responsabilidade civil. As semelhanças entre essas duas espécies de responsabilidade, o que por tanto tempo importou em um tratamento unificado permite que, sempre ressalvando a efetiva distinção, o estudo unificado não implique em conclusões errôneas. A distinção será tratada em espaço próprio, quando o distanciamento entre essas duas modalidades passará a ter efeitos em relação às conclusões finais do presente trabalho.

dano a indivíduo por parte de outro indivíduo93 e sua reparabilidade. É a responsabilidade civil que será objeto de análise no presente trabalho.

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