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1 UMA VISÃO CONSTITUCIONAL ACERCA DOS INSTITUTOS DA

2.3 SISTEMAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL

2.3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA

A responsabilidade civil subjetiva, como já delineado quando do estudo do elemento volitivo como pressuposto da responsabilidade civil, é aquela que tem a culpa como um de seus pressupostos. Como pontua Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, o conceito de responsabilidade foi talhado pela doutrina civilista do século XIX, procurando apresentar, de forma consistente, os fundamentos pelos quais se explica o dever de reparar o dano, tendo o legislador francês encontrado na culpa seu fundamento maior184. Erigir a culpa como o fundamento da responsabilidade civil em seus primórdios seria até mesmo uma questão lógica. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka afirma que a responsabilidade civil envolvia a ideia de um dever pessoal de cada particular com cada particular de respeito mútuo à honra ou propriedade, sendo a culpa a determinante que indicaria quem responderia por eventual infração a esse dever de respeito185.

Ainda presente nos tempos atuais, a ideia de culpa como fundamento da responsabilidade não deixa de abarcar finalidades punitivas ao agente. Esse se tornava responsável quando causa

184

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 73.

185 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey,

danos a outrem deixando de observar os deveres de convivência relacionados a não impingir danos. De um lado, por óbvio, tem-se preocupação com o dano, refletindo o inafastável caráter reparador que possui a responsabilidade. Mas, de outro lado, a exigência da culpa mostrava também que a responsabilidade vinha como uma forma de sanção a esse comportamento. Em sentido inverso, ainda que houvesse dano, não seria justo que o agente tendo atuado da forma como dele se espera venha a ter de suportar os efeitos da responsabilidade.

Por seu turno, o conceito de culpa vem sofrendo grande evolução. Assim, ainda que o fundamento seja semelhante, seus contornos práticos sofrem grande variação, na esteira do desenvolvimento da responsabilidade civil. Já não há mais espaço para uma investigação da consciência do agente, se seu estado anímico. A culpa para fins de responsabilidade não pode ser correspondente à culpa sob a perspectiva moral, ou seja, não devem as intenções do agente serem consideradas como o único elemento de aferição. Deixa-se de lado a culpa sob seu aspecto psicológico, adotando-se um conceito normativo de culpa. Tenta-se afastar do inerente caráter individual de cada culpa, buscando elementos objetivos a conformar o comportamento humano. Diante desses elementos, fugir do comportamento standard que indicaria o comportamento suficiente a alcançar o objetivo de não causar danos a outrem atrairia a responsabilidade para o indivíduo. Assim, a concepção da culpa normativa teria como base a ideia de erro de conduta cuja consequência seja a lesão a direito de outrem, deixando de conferir relevância à boa ou má intenção (conceitos interiores ao indivíduo) do agente186.

Mas a culpa como fundamento deve ser entendida em harmonia com a ampla reparabilidade de danos. Assim, a culpa exerce dupla função na responsabilidade: serve como fundamento do dever de reparar e indicação a quem será atribuída a responsabilidade. Na qualidade de fundamento da responsabilidade, atuação culposa no evento danoso exsurge o dever de reparar o dano, ao mesmo tempo em que gera à vítima o direito de ver seu dano reparado. Como destaca Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, seriam “dois lados da mesma moeda - dever e direito - designados por uma mesma causa, isto é, como geratriz, numa vez, e como sustentáculo, noutra vez”187. Já a atribuição de responsabilidade é extraída da fonte do

186

SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. A cláusula geral da responsabilidade civil objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pp. 65-66.

187 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey,

dever de indenizar. Uma vez identificado quem faltou com o dever de não causar dano, em regra, é a este que a responsabilidade será atribuída.

Contudo, a influência da culpa se encerra nesses pontos, não avançando, a priori, no campo da amplitude da responsabilidade. Nesse particular, prevalece a ideia de reparação total de danos, inexistindo, assim, tarifação da culpa. A existência da culpa apenas responde de forma afirmativa ao questionamento acerca responsabilização do agente, sem outra influência sobre a relação de responsabilidade. A exceção a essa simples função de autorização da responsabilidade é o parágrafo único do artigo 944, que permite uma redução da indenização de forma equitativa em caso de desproporção ente a gravidade da culpa e o dano. Mas não se trata de medição pura da culpa; o nível dessa somente será examinado diante de danos de consideráveis proporções para, uma vez constatada a desproporção, permitir a redução quantum indenizatório.

Percebe-se, pois, uma correlata com a responsabilidade penal no sentido da função do Direito como regulador da sociedade. Enquanto o direito penal seleciona algumas ações como relevantes para fins de penalização a fim de evitar sua prática pela sociedade, a responsabilidade civil, atuando de forma residual, na tentativa de indicar a vedação a causar danos aos demais indivíduos.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que a subjetivação da responsabilidade conferia-lhe essa dupla função, servia-se a outro objetivo. Como adverte Anderson Schreiber, a culpa servia como um “filtro” da responsabilidade civil, atuando como óbice capaz de promover a seleção das demandas que teriam acolhida jurisdicional, a fim de impedir um crescimento demasiado de pedidos de reparação perante o Poder Judiciário188.

A redução desses filtros pode ser percebida quando analisada a evolução dos graus de exigência para a culpa com fins de responsabilidade. Enquanto o início do desenvolvimento sistemático da responsabilidade civil teve lugar concomitantemente com o liberalismo, em que a liberdade era dos pilares, o desenvolvimento da sociedade levou a uma multiplicação das relações e, como consequência, dos acidentes e das busca pela responsabilização por esses acidentes. Contudo, a demonstração da culpa sempre foi um obstáculo. Dessa maneira, fez-se necessária também a evolução da facilitação dessa busca pelos responsáveis pela reparação

188 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à

desses novos danos.

Nesse interim, Raquel Bellini de Oliveira Salles explica que, tentando conciliar uma busca por justiça distributiva (raque 64) com os fundamentos da responsabilidade como penalidade àquele causador do dano, iniciou-se um processo de facilitação da demonstração da culpa189. Incialmente, marcado pelo apego a tradição romanística passou-se a aceitar a comprovação de uma culpa mínima. Um passo seguinte foi a adoção de previsão de presunções de culpa, implicando em benefícios às vitimas no sentido de se estabelecer inversões do ônus da prova e substituindo a culpa provável pela culpa hipotética190. A adoção ainda de presunções absolutas, impossibilitando a produção de provas em contrário trouxe um cenário de responsabilização objetiva, ainda que não nominalmente reconhecidas dessa forma, pois, ainda se falava em existência da culpa como fundamento da responsabilidade.

O passo seguinte foi a ampliação da responsabilidade contratual, trazendo para esse campo situações costumeiramente tratadas como responsabilidade contratual e, dessa forma, admitir o mero inadimplemento como causa para a responsabilização, conforme ocorre nas relações envolvendo transportes. Raquel Bellini de Oliveira Salles aponta ainda outro movimento, consistente na objetivação do conceito de culpa, afastando daquele meramente psicológico e de grande dificuldade de se alcançar191. Por fim, e com um desenvolvimento mais apurado da culpa como um fenômeno objetivado nas relações de responsabilidade, o Código Civil de 2002 enfim trouxe uma cláusula geral de responsabilidade objetiva, a se somar com as hipóteses que sempre existiram no ordenamento, mas, além de interpretadas restritivamente, somente eram adotadas após expressa previsão legal.

Ainda que a responsabilidade objetiva e que a ideia de prevalência da reparação do dano venham ganhando espaço no direito civil, é importante destacar a importância ainda existente do sistema de responsabilidade civil subjetiva. A despeito de até já restar positivada cláusula geral de responsabilidade objetiva, a responsabilidade subjetiva ainda é a regra, devendo ser aplicada nas hipóteses em que inexiste disposição a respeito do sistema de responsabilidade a ser adotado, bem como quando inaplicável na espécie a previsão de responsabilidade objetiva em caso de riscos inerentes à atividade exercida pelo agente.

189

SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. A cláusula geral da responsabilidade civil objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 34.

190

SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. A cláusula geral da responsabilidade civil objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pp.64-65

191 SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. A cláusula geral da responsabilidade civil objetiva. Rio de Janeiro:

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