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1 UMA VISÃO CONSTITUCIONAL ACERCA DOS INSTITUTOS DA

2.1 FONTES DA RESPONSABILIDADE

Quando se fala em responsabilidade civil, a busca por sua fundamentação passa sempre pela proibição de ofender direito alheio, também conhecida como neminem leadere. Pontes de Miranda, após destacar que tal princípio pressupõe uma determinação concreta do que seria “meu” e “teu”, assevera que “o que se induz da observação é que todas as sociedades o que se tem por ofensa não deve ficar sem satisfação, sem ressarcimento”94. Sob essa ótica, destaca- se a abstenção de causar danos a outrem como a norma de conduta a ser obedecida. E nesse ponto, verifica-se claramente distinção da responsabilidade penal, na medida em que nessa é constatada a tipicidade da conduta geradora da responsabilidade, ou seja, somente exsurge quando determinado dever de conduta expressamente previsto é violado, ao passo que, em se tratando da responsabilidade civil, não há essa tipicidade; a vedação é à prática de qualquer ato do qual ocorra a consequência danosa.

Percebe-se, pois, que a responsabilidade civil tem como origem justamente a quebra de um dever geral de conduta. A análise do tipo de dever de conduta fora violado leva a duas origens: a responsabilidade pode ser contratual, quando o dever de conduta violado tratar-se de cláusulas contratuais, ou seja, quando o dever de não causar danos decorrer da inobservância de estipulações formuladas com base na autonomia – e consequente; e pode ser extracontratual (ou aquiliana), quando o dever de conduta violado for o dever geral de não causar dano, inexistente, no particular, influência da vontade dos sujeitos no aparecimento da futura obrigação (obrigação de reparar o dano). Naquela, há uma relação jurídica preexistente, ao passo que nessa a relação inexiste, surgindo com a relação jurídica de responsabilidade. A despeito de autores ainda defenderem a distinção entre responsabilidade contratual e

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O termo “indivíduo” está sendo utilizado como forma de distinguir da coletividade, uma forma de recortar da sociedade aquele que causou e aquele que sofreu o dano. Não se nega, assim, nem mesmo a possibilidade de pluralidade em qualquer dos polos da relação de responsabilidade, muito menos que entes públicos também possam ocupar qualquer dos polos.

94 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: parte especial. 1. ed. Campinas, SP: Bookseller, 2008 .

responsabilidade extracontratual95, há uma tendência à unificação dessas duas modalidades de responsabilidade, uma vez que os elementos comuns terem mais relevância ao tema que as distinções, sendo o Código de Defesa do Consumidor um exemplo dessa unificação, notável pelo tratamento da responsabilidade sem distinguir a origem do dano a ser reparado96,97. O surgimento da responsabilidade, como já explanado, decorre da violação de um dever de conduta consistente em não causar danos. Por aparecer tão somente com essa violação, fica claro que a norma que institui a responsabilidade é uma norma secundária, que aparece para o direito apenas quando ocorrida a violação de uma norma primária. As regras de responsabilidade civil se encontram no consequente da norma que estabelece o dever de conduta correspondente à proibição de se causar dano a outrem.

Essa análise sob o prisma deontológico permite identificar um caráter sancionatório da responsabilidade, mormente se colocado sob o prisma. Explica-se, assim, a prevalência da culpa como elemento da responsabilidade civil em seus primórdios; só faria sentido sancionar alguém caso a atuação desse tivesse algum elemento volitivo no agente. Sem tornar inválida a análise da responsabilidade sob o prisma normativo, percebe-se que hodiernamente a preocupação volta-se mais à reparação do que à sanção propriamente dita. Mas o esquema da responsabilidade visto como uma consequência da violação ao dever de não causar dano (e não apenas com uma sanção em seu sentido mais estrito) é plenamente aplicável à modalidade de responsabilidade objetiva. Reduzindo a norma instituidora de responsabilidade a uma linguagem mais aproximada da linguagem formalizada, afirma-se que, é vedado aos indivíduos causar dano a outrem; inobservada a proibição de não causar dano a outrem, surge, como consequência, a responsabilidade civil (obrigação de reparar o dano).

Para o surgimento da responsabilidade civil é despiciendo qualquer ato de vontade. É possível até se afirmar que a responsabilidade surge "contra" a vontade daquele que se encontra no polo passivo. A forma como surge a responsabilidade civil permite concluir ser essa um dever jurídico sucessivo. A responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, uma vez surgir apenas quando da violação de um dever jurídico anterior (em regra, um dever de conduta consistente

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Por todos, citamos RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 6. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, pp. 37-39.

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Essa unificação é defendida por Flávio Tartuce, com apoio em abalizada doutrina (in TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil - volume único. 1. ed. São Paulo: Método, 2011. pp. 394-395)

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Nesse ponto, e ainda com base nessa tendência à unificação, imperioso estabelecer um corte metodológico, destacando a responsabilidade aquilliana. Não se nega a importância do estudo da responsabilidade contratual, mas, para o presente trabalho, a responsabilidade extracontratual é que trará mais elementos a corroborar as conclusões a serem apresentadas.

em não causar dano a outrem). Sua visualização como um dever sucessivo fica evidente quando analisado que sua consequência é a imputação de uma obrigação de reparar o dano causado, ou seja, o retorno ao status quo ante. Como destaca Sérgio Cavalieri Filho, “responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário”98.

Analisando a responsabilidade sob a perspectiva das fontes de obrigação trazidas pelo Código Civil (títulos I, II e III do Livro III da Parte Geral)99, a distinção entre a responsabilidade e a obrigação livremente contraída se mostra latente. A regra de responsabilidade, como consequente da norma de conduta (seja um dever geral de não causar danos, seja um dever assumido mediante declaração de vontade), só aparece quando aquela regra de conduta é violada, ao passo que as obrigações contraídas com base na vontade humana (seja um acordo de vontade, seja pela aceitação voluntária das consequências postas na lei) surgem já nesse ato. Sérgio Cavalieri Filho precisamente descreve que “obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo”100,101. Por outro lado, incorrendo a responsabilidade e surgido a obrigação de indenizar, estamos diante de uma obrigação independente, autônoma em relação à obrigação anteriormente existente e inadimplida. Ainda na distinção entre obrigação e responsabilidade, aquela refere-se ao dever jurídico a ser obedecido, ao passo que essa refere-se à possibilidade de o sujeito ativo exigir compulsoriamente o adimplemento da obrigação de reparação do dano.

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