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1 UMA VISÃO CONSTITUCIONAL ACERCA DOS INSTITUTOS DA

2.3 SISTEMAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL

2.3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

O outro sistema de responsabilidade identificado com base no elemento volitivo é a responsabilidade objetiva. Nessa, não se fala mais em culpa como fundamento nem em critérios morais de reprovabilidade na conduta danosa. Na responsabilidade objetiva, o foco primordial é justamente a reparação do dano, um dado de caráter mais objetivo. Contudo, a reparação do dano não se impõe pelo seu simples aparecimento. Ainda que a recomposição dos danos sofridos pela vítima da conduta danosa tenha se tornado o foco da responsabilidade, ainda se faz necessária conjugação com interesses do potencial agente. Com essa perspectiva, extrai-se que fundamento que sustenta a responsabilidade objetiva é o risco que a conduta praticada pelo agente acarreta à sociedade e que, por isso, substitui a culpa como elemento moral da responsabilidade.

A sustentação da responsabilidade objetiva com base no risco se mostra de um todo consentâneo com o atual paradigma do direito civil, voltando a atenção ao indivíduo, e não mais ao patrimônio. Nessa esteira, reduz-se a relutância em proteger a vítima de um dano causado por alguém que agiu sem a intenção pelo simples risco que seu comportamento gera para a sociedade. Tem-se, assim, uma proteção de cunho mais amplo, não se limitando a casos pontuais, mas revestindo-se de um caráter preventivo. Quem aumenta os riscos inerentes ao convívio em sociedade deve reparar eventuais danos advindos dessa posição assumida.

Se é indiscutível que o risco, e não só a culpa, possui relevância jurídica suficiente a ensejar responsabilização, o questionamento que se segue é identificar o que seria esse risco. Para respondê-lo, algumas teorias foram desenvolvidas, merecendo destaque algumas.

Pela teoria do risco proveito, a responsabilidade do agente tem suporte na concepção de que, quem se aproveita do risco surgido pelo desenvolvimento de certa atividade deve também suportar a responsabilidade pelos danos que essa venha a causar. Percebe-se certa limitação nessa teoria, na medida em que somente impõe a responsabilidade quando se vislumbra algum benefício econômico. Tal acepção de risco a fundamentar a responsabilidade objetiva é marcante no Código de Defesa do Consumidor, em que o fornecedor suporta eventual responsabilidade como decorrência de ter colocado determinado bem ou serviço no mercado.

Com semelhante fundamento, ou seja, quem cria o risco e dele retira benefícios deve assumir o ônus da responsabilidade objetiva pelos danos causados, exsurge a teoria do risco profissional, distinguindo-se em relação à relação jurídica subjacente e anterior ao surgimento do dano. É destinado à relação entre empregador e empregado, justificando a responsabilidade objetiva quando o empregador gere danos ao empregado e nas hipóteses em que o empregador responde pelos danos causados pelo empregado192.

Distinguindo-se dessas duas teorias, a teoria do risco criado se mostra mais abrangente no tocante à recomposição de danos sofridos pelas vítimas. Por tal teoria, é despicienda a finalidade lucrativa por parte do agente, bastando tão somente que a atividade por ele exercida gere risco a outrem. Por ser mais benéfica à vítima, mostra-se mais condizente com o moderno desenvolvimento da responsabilidade civil, em que a busca pela reparação dos danos passa a ser o foco das atenções. Assim, aquele que cria o risco de gerar dano em decorrência de atividade exercida deve suportar as consequências desse risco.

Cumpre notar ainda que não há que se falar na adoção de uma única dessas teorias justificadoras no ordenamento jurídico pátrio. Até o advento do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade objetiva era previstas em casos pontuais, sempre com base no risco que determinada situação jurídica impõe a terceiros (e, pensando de uma forma mais global, à sociedade como um todo). Nessas hipóteses, a teoria do risco que subsidiou a adoção da responsabilidade objetiva torna-se um dado de importância meramente histórica e teórica, já que pouco influenciará no momento de sua aplicação. Em se tratando do Código de Defesa do Consumidor, a teoria adotada – a teoria do risco-proveito – também não exercerá influências sobre o aplicador em razão da identificação da uniformidade de sua aplicação aos sujeitos destinatários das normas consumeristas.

A grande valia da identificação da teoria do risco adotada se dá no âmbito de aplicação da cláusula geral de responsabilidade civil. Identificada a teoria do risco criado como a que confere sustentação ao parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, esse é o ponto de partida para a interpretação dos elementos que compõe essa cláusula geral. São dois os pilares dessa responsabilidade civil objetiva: a identificação do que seria a “atividade normalmente desenvolvida” e a “os riscos que a natureza da atividade impliquem aos direitos de outrem”.

192 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,

Em relação à atividade, não se observa muitas dificuldades. Quando de se fala em atividade desenvolvida, deve se ter em mente um conjunto de atos praticados com o intuito de alcançar uma finalidade, sendo irrelevante se essa atividade possua ou não fins lucrativos (ainda que o principal elemento que leve alguém a coordenar seus atos seja a busca por algum benefício lucrativo). Nesse sentido, Raquel Bellini de Oliveira Salles destaca a distinção que deve se atentar à distinção entre a atividade (série de atos direcionados a um fim) e a mera conduta193. É a coordenação de atos, característica da atividade, que leva à situação de gerar riscos a direitos de outrem. Isoladamente até poderiam também elevar os riscos, mas como complementa Raquel Bellini de Oliveira Salles, “uma conduta perigosa [...] nada mais é que um ato isolado de imprudência”194.

Ainda no campo da atividade, o outro caractere de sua identificação é advérbio adotado: “normalmente”. Sua utilização tem por objetivo afastar o exercício de certa atividade de risco de forma anormal do campo da responsabilidade objetiva. Ato anormal é em si mesmo perigoso. Se assim qualificado, o ato foge dos parâmetros mínimos que o conceito de culpa normativamente considerado exige para fins de adimplemento do dever de cuidado e, consequentemente, pode ensejar responsabilidade em que haja a presença do elemento volitivo a corroborá-la. Por sua vez, atividade normalmente desenvolvida significa dizer que a atuação do agente se deu da forma esperada para atividade. O risco, inerente à atividade, importa na possibilidade de, em causando dano a outrem, gerar responsabilidade independentemente da existência de culpa do agente. Exercício de atividade de risco em conformidade com o que se espera, com a tomada de todos os cuidados respectivos, não retira, por si só sua periculosidade. Trata-se de hipótese de responsabilidade por ato, em um primeiro momento, lícito praticado em conformidade com o ordenamento jurídico195 Assim a responsabilidade advinda desse risco é independente de culpa; objetiva, portanto. Raquel Bellini de Oliveira Salles assevera que:

A cláusula geral em exame abrange toda e qualquer atividade perigosa que não esteja regida por lei especial, não importando se a mesma é exercida pelo autor do dano de forma profissional ou ocasionalmente, habitual ou excepcionalmente, com

193

SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. A cláusula geral da responsabilidade civil objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pp. 136-137.

194

SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. A cláusula geral da responsabilidade civil objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 137.

195 TARTUCE, Flávio. Responsabilidade civil objetiva e risco: a teoria do risco concorrente. São Paulo:

ou sem fins lucrativos196.

Não se exige, portanto, que a atividade desenvolvida se dê de forma habitual pelo agente, muito menos a finalidade lucrativa. Não se olvida o forte posicionamento no sentido de se exigir a atividade costumeira do agente como característica para a incidência do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil197O sentido da norma de afastar apenas o exercício de forma anormal da atividade de risco se mostra mais consentânea com a teoria do risco criado, que propõe que a submissão de outrem (e, em um plano mais geral, da coletividade) a um risco mais elevado do que o usualmente suportado pela convivência em sociedade a se configura fundamento bastante a ensejar a responsabilidade objetiva. É a natureza da atividade que deve ser valorada como de risco e, consequentemente, ensejadora da responsabilidade objetiva. A pessoa do agente não deve abranger a análise do risco. Posicionamento em contrário poderia acarretar situações em que, dois indivíduos, exercendo a mesma atividade, estariam submetidos a sistemas de responsabilidade distintos. Confere-se, destarte um viés mais objetivo ao instituto, afastando a análise da pessoa do agente como elementar da aferição da responsabilidade objetiva.

O outro pilar da responsabilidade objetiva é a denominada natureza risco da atividade desenvolvida. Para se aferir se determinada atividade é intrinsecamente de risco é imprescindível que se afira dois elementos: a atividade analisada ocasiona um aumento dos casos de danos em razão de seu exercício e se a magnitude dos danos que atividade tem aptidão a causar.

O primeiro elemento diz respeito à probabilidade de a atividade exercida causar dano. Se seu exercício em considerável parcela das vezes acarretar em danos a terceiros, é indiscutível que há um aumento dos riscos à coletividade e, assim, de que terceiro (no caso, a potencial vítima) possa vir a sofrer um dano. Trata-se do aspecto quantitativo do risco. Já a magnitude dos danos causados, o aspecto qualitativo, diz respeito à gravidade que alcança o dano quando ocorrido. Quanto mais grave o dano que o exercício de uma atividade pode gerar, maiores são os riscos a que a coletividade está submetida. A conjugação desses dois aspectos denota a ideia de periculosidade da atividade. Giselda afirma que

196

SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. A cláusula geral da responsabilidade civil objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 135.

197

Maria Celina Bodin de Moraes afirma essa exigência como defendida pela doutrina pátria, reputando a discussão apenas em relação à atividade econômica. (MORAES, Maria Celina Bodin de. Risco, Solidariedade e Responsabilidade Objetiva. Revista dos Tribunais (São Paulo), v. 854, p. 11-37, 2006, p.14)

Deve-se entender o exercício de atividade potencialmente perigosa, em razão do elevado cometimento de danos que ela pode causar, seja em razão de sua natureza, seja em razão dos meios adotados para o seu exercício, independentemente da conduta daquele que a exerce198.

Dessa forma, mostra-se possível aferir se os riscos trazidos por determinada atividade são superiores àqueles incidentes comumente na vida em sociedade e, consequentemente, se implicam por sua natureza, riscos a direito de outrem, na forma preceituada na cláusula geral de responsabilidade civil objetiva.

Ainda que seja possível determinar de antemão uma série de atividades que sejam intrinsecamente de risco e também seja possível quantificar e ranquear esse agravamento de riscos, é importante que a aferição se determinada atividade possui tais qualidades se dê caso a caso. Tal norteamento permite não só abarcar uma gama de atividades mais ampla (e, com isso, assegurar o destaque que a ampla reparabilidade que vem ganhando na civilística moderna) como permite uma maior oxigenação do sistema normativo, com o reconhecimento que certas atividades passem a ser de risco e, em sentido inverso, outras atividades tenham se aprimorado de modo a afastar esse risco e destacando que justamente essa oxigenação é uma das marcas da opção de se legislar por cláusulas gerais.

198 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey,

3 RESPONSABILIDADE PROCESSUAL CIVIL

A responsabilidade, podendo ser resumidamente entendida como a consequência pela inobservância de deveres consubstanciados na norma jurídica, tem suas características delineadas pela relação jurídica anteriormente existente e da qual extraiu sua gênese. Como consequente, traz consigo marcas e elementos atinentes ao antecedente normativo, permitindo, inclusive, formular sua identidade com esse. Diferente não seria em se tratando da responsabilidade processual, ou seja, aquelas cujos danos a serem reparados tiveram origem de atos praticados no bojo de um processo ou com o esteio de um processo.

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