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A AUSÊNCIA DE PERICULUM IN MORA INVERSO: A INFLUÊNCIA DA IRREVERSIBILIDADE

1 UMA VISÃO CONSTITUCIONAL ACERCA DOS INSTITUTOS DA

4.5 REQUISITOS PARA CONCESSÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

4.5.3 A AUSÊNCIA DE PERICULUM IN MORA INVERSO: A INFLUÊNCIA DA IRREVERSIBILIDADE

DE URGÊNCIA

Questão tormentosa em se tratando de tutelas de urgência diz respeito às hipóteses em que a concessão da medida implica que o réu suportará efeitos que não podem ser revertidos328. O parágrafo terceiro do artigo 300 do CPC/2015 é explícito ao vedar a concessão de tutela de urgência de natureza antecipada quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão329. Essa vedação se mostra plausível, uma vez que, a priori, não se mostra aceitável uma medida que, para evitar que uma das partes venha sofrer danos, acarrete na outra danos que não possam ser reparados.

Ocorre que no campo fático, as situações que se põem não são tão simples. Existem hipóteses em que qualquer dos polos processuais haverá risco de dano (se não o próprio dano): caso não antecipada a tutela, o autor sofrerá dano; caso não confirmada da tutela antecipada, não será possível recompor o réu ao status quo ante.

De pronto, cumpre destacar que a necessidade de reversibilidade do provimento também tem assento constitucional, na garantia de que ninguém será privado de seus bens sem o devido

328

Nessa esteira, importante tecer importante comentário no sentido de que, quando se está diante da previsão legal da irreversibilidade da tutela urgente, está se falando da irreversibilidade de seus efeitos, e não da própria tutela, já que, como toda decisão judicial, em teoria é passível de ser revertida. Ademais, há expressa previsão legislativa da possibilidade de revogação da decisão antecipatória. O que não pode ser revertido são seus efeitos sociais, que, a despeito de posterior reforma da decisão em sentido contrário, não têm, no plano fático, como retornar à situação anterior.

329 § 2o § 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de

processo legal (artigo 5°, inciso LIV). Verifica-se, assim, que ambos os polos possuem sustentáculo constitucional.

Assim, o conflito entre essas duas garantias constitucionais (acesso efetivo à justiça X devido processo legal) deve ser resolvido mediante ponderação entre esses dois princípios constitucionais. E essa ponderação deve ter em conta, análise do direito e do bem da vida que se pretende protegido.

Do lado do réu, tem-se, normalmente, o seu direito à propriedade, que será afrontado direta ou indiretamente pela concessão da tutela antecipatória. Ou, em hipótese mais extremas, a sua liberdade. Afinal, qualquer que seja a antecipação pleiteada, essa importará ao réu ou uma redução do seu patrimônio à sua disposição ou até mesmo a redução de seu âmbito de liberdade.

Assim, em se tratando de hipóteses em que os efeitos da tutela são irreversíveis, cumpre exercer o juízo de ponderação entre os princípios informadores desses direitos com os princípios informadores do direito a ser tutelado mediante a técnica antecipatória.

A irreversibilidade dos efeitos da tutela de urgência impõe, desse modo, uma maior parcimônia na análise dos requisitos para a concessão da tutela urgente. De um lado, se está diante de risco de que o provimento final seja inútil; de outro, a transferência desse risco e os consequentes ônus do tempo do processo para o réu importa também em potencial perigo de esse tenha sua esfera de direito invadida sem a completa cognição da matéria. O professor José Roberto dos Santos Bedaque aponta que um maior cuidado do magistrado nessas situações se faz necessária:

Verificada a possibilidade de a eficácia do provimento antecipado ser irreversível, deve o juiz tomar maior cuidado no exame da situação talvez desenvolvendo atividade cognitiva mais profunda e, principalmente, comparando os valores em conflito, para verificar da conveniência de conceder a antecipação.330

A antecipação de tutela, como bem lembra Cândido Rangel Dinamarco, envolve técnica de distribuição dos riscos do processo. Assim, o risco que o autor estaria sujeito se aguardasse a

330 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

tutela final é repassado ao réu. Para tanto, impõe-se o exercício de dois juízos: um juízo do mal maior e um juízo do direito mais forte331.

O primeiro juízo informa que para a concessão da tutela antecipada, quanto mais intensa a atuação na esfera de direitos do réu, mais forte deve ser essa análise. E por força do juízo do direito mais forte é exercida a ponderação entre os direitos do autor e do réu. Barbosa Moreira também tem entendimento semelhante, informando que, na análise das tutelas irreversíveis, deve-se balancear os dois “males” e escolher o menos pior332.

O exemplo clássico é quando envolve também o direito à saúde. É extremamente comum a ocorrência de casos em que há negativa de cobertura por planos de saúde a certos tratamentos, ou quando se busca, via Judiciário, o acesso a medicamentos que o Estado não fornece. Nessas situações, o direito à propriedade dos réus (propriedade no sentido de que, para fornecer o bem pleiteado, parcela do patrimônio será destinada a essa finalidade) cede espaço ao direito à saúde (e, indiretamente, à vida) dos autores.

Outro exemplo é o conflito entre o direito à informação e o direito à intimidade, comum em casos em que veículos de comunicação, transbordando os limites do direito à informação e à livre expressão maculam o direito de intimidade de certos indivíduos. Nesses casos, para fins de concessão de antecipação de tutela, mister a ponderação entre os direitos em jogo, analisando até que ponto o interesse em preservar a liberdade de expressão é superior à intimidade do noticiado. Essa análise é casuística, devendo levar em conta o interesse na informação com o grau da publicidade que o indivíduo possui na sociedade.

Tendo em mente os potenciais conflitos que podem surgir quando se está diante de direitos mais sensíveis e que exigem uma resposta rápida – razão de ser, inclusive, das tutelas de urgência – e que essa resposta traga uma modificação da situação fática que não pode mais ser desfeita, e a despeito de o CPC prever esse requisito para a concessão, não há que se falar efetivamente na reversibilidade dos efeitos como um requisito para a concessão da tutela de urgência. Essa questão é apenas um elemento a mais a ser sopesado na análise do deferimento ou não. Havendo risco de irreversibilidade, o exame deve ser mais aprofundado.

331

DINAMARCO, Cândido Rangel. O regime jurídico das medidas urgentes. In: Nova era do processo civil. 4.ed. Sâo Paulo: Malheiros, 2013. pp. 74-75.

332 BARBOSA MOREIRA, José Carlos.. Antecipação de tutela: algumas questões controvertidas. In Temas de

Assim, ante sua constante (e necessária) flexibilização, a irreversibilidade dos efeitos do provimento urgente deve ser considerado como elemento a ser levado em conta quando da ponderação dos interesses em jogo no processo. No caso, de um lado estariam os interesses a uma tutela efetiva somado com o direito material discutido (se tem ou não índole constitucional e/ou de direito fundamental); ao passo que do outro lado estaria o direito ao contraditório e somente ver despojado de patrimônio com o devido processo legal.

A reversibilidade deve ainda ser analisada apenas como forma de não impingir ao réu medida excessiva ou desnecessária. Procura-se atingir sua esfera jurídica com o mínimo de impacto possível, mas sempre com vistas à proteção do direito invocado pelo postulante da tutela de urgência.

Nesse ponto, é possível reconhecer a inconstitucionalidade de impor, a priori, a reversibilidade dos efeitos da tutela antecipada como requisito para sua concessão. Não se pode olvidar que o direito à tutela de urgência é de índole constitucional, como consectário do direito de ação, potencializando-o. Assim, como bem informa Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, não tem o legislador infraconstitucional o poder de interferir em direitos fundamentais para reduzi-los ou enfraquecê-los333. Em sentido semelhante, Eduardo Couture destaca a inconstitucionalidade de vedação ao acesso a tribunais334, situação que ocorreria caso entendida a restrição a tutelas de urgência ante a irreversibilidade de seus efeitos como regra estanque.

Desta forma, fica evidente que a irreversibilidade dos efeitos da decisão em sede de tutela de urgência não deve ser interpretada como requisito negativo de imperativo preenchimento, mas sim como um indicativo ao órgão judicante que a situação posta acarreta no conflito de dois direitos fundamentais, impondo o dever de analisar ambos e, mediante juízo de proporcionalidade, proceder à ponderação de modo a tentar compatibilizar os direitos em conflito, levando em conta também a capacidade de suportar os efeitos decorrentes desse juízo.

333

ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Garantia do contraditório. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 15, p. 7-20, 1998. p. 18.

334 COUTURE, Eduardo J. Estudios de derecho procesal civil, tomo I: “La constitución y el proceso civil”,3ª

5 RESPONSABILIDADE PELA EFETIVAÇÃO DAS TUTELAS DE

URGÊNCIA NOS CASOS DE INSUCESSO DA DEMANDA

A tutela de urgência no ordenamento jurídico pátrio se mostra como um instrumento de significativa importância à própria prestação da tutela jurisdicional, tendo aptidão de conferir celeridade e, principalmente, efetividade à proteção do direito do postulante, impedindo que esse tenha que suportar as consequências maléficas que o tempo exerce sobre seu direito. A concessão da tutela de urgência impõe que réu passe a suportar os efeitos do tempo, já que é quem sofrerá as consequências decorrentes da tutela de urgência como se ao autor assistisse razão no processo. Sem questionamentos acerca desse posicionamento, posto que a decisão terá sido proferida com bases que permitam um julgamento de probabilidade acerca do direito do autor.

Justamente em razão desse juízo de probabilidade que se pode dizer que há reais chances de, ao final do processo, o autor ter efetiva razão em seu pleito e a decisão urgente apenas ter assegurado que o resultado definitivo possa ser cumprido. E, seguindo esse raciocínio, que o réu deveria, desde antes da propositura, ter adotado antes mesmo do início do processo, postura ao menos semelhante àquela a que fora obrigado por força de decisão judicial.

Contudo, por se tratar de um juízo de probabilidade, há chances também de o autor não ter razão quando exercido um juízo de cognição mais aprofundado, com base em proposições acolhidas mediante juízos de certeza. Nessas situações, em que a assertiva autoral quanto ao seu direito é infirmada com o desenvolvimento do processo, vislumbra-se a possibilidade de aqueles efeitos do tempo terem causados danos ao réu, devendo, pois, serem recompostos. É a responsabilidade pela reparação desses danos que será estudada no presente capítulo.

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