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CAPÍTULO 4. O ESTATUTO DO ESTRANGEIRO

4.1. A Imigração e a Legislação Brasileira O Estatuto do Estrangeiro

No Brasil, a condição de estrangeiro determina-se por exclusão. Ou seja, é estrangeiro quem não é nacional. Quem define essa condição de nacional é a União Federal, pois o art. 22 da Constituição brasileira, em seu inciso XIII, estabelece que compete a ela legislar privativamente sobre a nacionalidade, a cidadania e a naturalização. Dessa maneira, não podem os Estados-membros brasileiros legislar a respeito do assunto, possuindo nessa matéria apenas uma função administrativa delegada, incluindo, entretanto, a competência em matéria de deportação, expulsão ou extradição.

O art. 12 da Constituição brasileira, por sua vez, define quem são os brasileiros natos. São eles os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que não estejam a serviço de seu país, consagrando a aquisição da nacionalidade brasileira por meio do ius soli, mas com uma exceção funcional de serviço a outro país. Também são brasileiros natos os nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil. Nessa hipótese consagra-se a aquisição da nacionalidade mediante o ius sanguini, mas com o elemento determinante do critério funcional dos pais. Uma última forma de aquisição da nacionalidade brasileira, ainda por meio do ius sanguini, determina que são brasileiros natos aqueles nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira, que não estiveram a serviço do Brasil, que optem a qualquer tempo pela nacionalidade brasileira e venham a residir na República Federativa do Brasil.

A nacionalidade brasileira também pode ser adquirida por meio da naturalização. O art. 12, II, da Constituição brasileira, dispõe que são brasileiros aqueles que adquirirem a nacionalidade na forma da lei, sendo exigido aos originários de países de língua portuguesa apenas a residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral. Para os estrangeiros originários de outros países o tempo de residência ininterrupta é ampliado para quinze anos, não podendo o solicitante possuir qualquer condenação penal. Há uma condição especial para as pessoas de nacionalidade portuguesa – aos que possuam residência permanente no Brasil, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro.

Destarte, o regramento sobre a aquisição da nacionalidade brasileira tem previsão constitucional. O Brasil define em sua Carta Magna quem tem o direito de adquirir sua nacionalidade e quem não o tem. Entretanto, em relação àqueles que migram para o Brasil o regramento se dá no âmbito federal por meio da Lei n° 6.815 de 19 de agosto de 1980, o chamado Estatuto do Estrangeiro.

No seu art. 1° está disposto que em tempos de paz, qualquer estrangeiro poderá, satisfeitas as condições da lei, entrar e permanecer no Brasil e dele sair, desde que sejam respeitados e observados os interesses nacionais expressamente mencionados na lei, como a segurança nacional, a organização institucional, os interesses políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil e a defesa do trabalhador nacional.

É importante mencionar que o Estatuto do Estrangeiro foi aprovado em um regime de exceção, em que o Brasil era governado por uma ditadura militar. Nessa época, inúmeras leis restritivas foram aprovadas, sendo o Estatuto uma delas. Assim, a defesa do trabalhador nacional foi carregada de um conteúdo voltado a impedir o acesso indiscriminado de mão de obra, qualificada ou não, que viesse a competir com os nacionais no mercado de trabalho. Dificultar a entrada do imigrante visava combater supostos inconvenientes por eles trazidos ao Brasil, por exemplo, o aumento do pauperismo já existente, a concorrência para o aumento do analfabetismo e da criminalidade e o prejuízo à integridade nacional da sociedade receptora, quando os imigrantes não se deixam assimilar pelo novo ambiente, formando guetos no país que os recebeu (CAHALI, 2010).

Por outro lado, o parágrafo único do art. 16 do Estatuto determina que a imigração objetive, primordialmente, propiciar mão de obra especializada a vários setores da economia nacional, considerando a política nacional de desenvolvimento em todos seus aspectos, em especial o aumento da produtividade e a assimilação de tecnologia e captação de recursos para setores específicos. O art. 18 dispõe, ainda nesse diapasão, que a concessão do visto permanente a uma pessoa poderá ficar condicionada, por prazo não superior a cinco anos, ao exercício de atividade certa e à fixação em região determinada do território brasileiro.55

Dessa maneira, compreende-se que a defesa do trabalhador nacional passa ao largo do motivo pelo qual a pessoa emigra, focando-se apenas no que ela teria ou não para contribuir materialmente à sociedade receptora. Ou seja, o enfoque do Estatuto do Estrangeiro não está no direito humano de migrar, reconhecido pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas sim dentro de uma lógica de gestão policial e de defesa da segurança nacional.

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O art. 16 do Estatuto do Estrangeiro dispõe que "o visto permanente poderá ser concedido ao estrangeiro que pretenda se fixar definitivamente no Brasil. Parágrafo único. A imigração objetivará, primordialmente, propiciar mão de obra especializada aos vários setores da economia nacional, visando a Política Nacional de Desenvolvimento em todos os seus aspectos e, em especial, ao aumento da produtividade, à assimilação de tecnologia e à captação de recursos para setores específicos". Já o art. 17 dispõe que "para obter visto permanente o estrangeiro deverá satisfazer, além dos requisitos referidos no art. 5°, as exigências de caráter especial previstas nas normas de seleção de imigrantes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Imigração". O art. 18, por sua vez, "a concessão do visto permanente poderá ficar condicionada, por prazo não superior a cinco anos, ao exercício de atividade certa e à fixação em região determinada do território nacional".

A admissão regular do estrangeiro é, portanto, dificultada no território nacional. O art. 7° do Estatuto dispõe que não se concederá visto ao estrangeiro considerado nocivo à ordem pública e aos interesses nacionais ou que não satisfaça as condições de saúde estabelecidas pelo Ministério da Saúde, dentre outras situações. A restrição ao estrangeiro dito nocivo à ordem pública e aos interesses nacionais não se justifica, pois trata-se de uma norma cujo conteúdo é completamente abstrato e aberto a casuísmo. O mesmo art. 7° já prevê que não se concederá visto ao estrangeiro anteriormente expulso do país, salvo se a expulsão tiver sido revogada, tampouco ao condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira. Destarte, não há necessidade e nem utilidade para a proibição por nocividade, senão a de controle casuístico e autoritário de quem imigra para o Brasil. A própria previsão em relação ao estar sendo processado já é merecedora de crítica, porque fere a constitucionalmente prevista presunção de inocência.

A nocividade do estrangeiro deve ser apreciada pela autoridade consular competente para a concessão do visto, sendo que seu julgamento pode ser precedido por consulta ao Poder Executivo (CAHALI, 2010). A concessão do visto, discricionária e arbitrária, portanto, não se aproxima em nenhum momento do direito humano de migrar, pelo contrário, corrobora o sentido anacrônico inserido no vetusto Estatuto em atender à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, socioeconômicos e de defesa cultural do Brasil.

Em relação aos estrangeiros naturais de países limítrofes, como os bolivianos, o art. 21 do Estatuto traz importante regramento: dispõe que ao natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, uma vez respeitados os interesses da segurança nacional, poderá ser permitida a entrada nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente prova de identidade. Estabelece-se ainda que ao estrangeiro que pretenda exercer atividade remunerada ou frequentar estabelecimento de ensino naqueles municípios fronteiriços, será fornecido documento especial que o identifique e caracterize sua condição, além das Carteiras de Trabalho e da Previdência Social, quando forem necessárias. Deve ser ressaltado que a posse desses documentos não confere ao estrangeiro oriundo de país limítrofe o direito de residência no Brasil.

De acordo com Cahali (2010), o estrangeiro oriundo de país limítrofe deve se cadastrar no Departamento da Polícia Federal para receber o documento especial que o

identifique e caracterize sua condição. Note-se que o registro do estrangeiro é feito junto à Polícia, dentro do contexto policial e de segurança adotado pela lei, e não a qualquer outro órgão governamental. Ademais, o cadastro deve ser feito mediante a apresentação de diversos documentos, os quais o estrangeiro deverá necessariamente portar, são eles: carteira de identidade oficial emitida pelo seu país de origem, documento que prove sua naturalidade (uma certidão de nascimento ou qualquer documento equivalente), prova de residência na localidade de seu país contígua ao território nacional, promessa de emprego ou de matrícula escolar, prova de que não possui antecedentes criminais em seu país. Quando o estrangeiro obtém a Carteira de Trabalho, a Delegacia do Trabalho lança nela um carimbo que caracteriza a restrição de sua validade apenas ao município no qual o estrangeiro está cadastrado junto à Polícia Federal. Ou seja, trata-se de uma carteira provisória e restrita ao município brasileiro, não sendo em nenhum momento garantia de permanência do estrangeiro oriundo de país limítrofe no Brasil.

A irregular fixação de residência no Brasil ou o mero afastamento dos limites territoriais dos municípios fronteiriços em questão permitem a deportação do estrangeiro.56 Para que isso não aconteça e o estrangeiro, nessa condição de fronteiriço, possa adquirir residência permanente no Brasil, é preciso requerer permanência ao órgão competente do Ministério da Justiça dentro do prazo de noventa dias.

Os estrangeiros fronteiriços são oriundos de países do Mercosul ou associados a eles. O tratamento dispensado a essas pessoas é restritivo e pouco voltado para a integração entre o Brasil e esses países. Parece evidente que na matéria de integração regional de pessoas o Brasil encontra-se em estado muito rudimentar. A mentalidade de defesa nacional, de segurança policial e proteção ao trabalhador brasileiro ainda parece ditar os rumos da política migratória brasileira.

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O art. 57 caput do Estatuto do Estrangeiro dispõe que "nos casos de entrada ou estada irregular de estrangeiro, se este não se retirar voluntariamente do território nacional no prazo fixado em Regulamento, será promovida a sua deportação". O art. 57, parágrafo primeiro dispõe que "será igualmente deportado o estrangeiro que infringir o disposto nos arts. 21, parágrafo 2, 24, 37, parágrafo segundo, 98 a 101, parágrafos primeiro ou segundo do art. 104 ou art. 105". O art. 21, parágrafo segundo, refere-se ao estrangeiro admitido na condição de natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, para exercer atividade remunerada ou frequentar estabelecimento de ensino em município fronteiriço ao seu respectivo país, que vier a se afastar dos limites territoriais daquele município.

O Estatuto não previu, nem poderia ter previsto, um tratamento diferenciado para a situação dos cidadãos dos países integrantes do Mercosul. Conquanto em estágio pouco avançado no desenvolvimento do processo de integração, sujeito a marchas e contramarchas da política interna e internacional, reserva-se para uma legislação especial a disciplina a respeito, em consonância com os princípios comunitários que terão inspirado a criação daquela instituição. Reclama-se, pois, uma lei ou convenção que assegure aos nacionais dos países integrantes do Mercado Comum do Sul os mesmos direitos garantidos aos cidadãos brasileiros no que se refere ao exercício de atividades econômicas e laborais e de frequência a estabelecimento de ensino. (CAHALI, 2010, p. 122).

A posição de Cahali denota o pensamento de que enquanto não houver um regramento de Direito Internacional entre os países do Mercosul, o Brasil deve continuar a defender seu espaço, seu trabalhador nacional e ditar sua política migratória em razão da segurança nacional, não se importando em tratar a imigração como um direito humano. Ou seja, enquanto não houver regramento sobre a matéria no bloco regional, a política migratória brasileira não se pautará pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos e continuará a se utilizar da normativa internacional supostamente ausente para justificar a manutenção de uma lei restritiva e de cunho autoritário.