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CAPÍTULO 6. OS BOLIVIANOS EM SÃO PAULO

6.2. A Presença Boliviana no Espaço Público da Cidade de São Paulo: Espaços de Ação,

6.2.6 Bolivianos e o Futebol em São Paulo

O esporte preferido da maioria dos habitantes da cidade de São Paulo é o futebol. Não somente entre os paulistanos, mas também entre os brasileiros de um modo geral. Entre os imigrantes bolivianos que residem na cidade de São Paulo não é diferente. Costumeiramente, eles apreciam o futebol não só como torcedores de algum time, mas também na prática do desporto.

Na Praça Kantuta, localizada próxima à estação do metrô Armênia, no bairro do Pari, existe uma pequena quadra de futsal,122 onde os imigrantes bolivianos costumam disputar partidas durante os finais de semana. Em algumas delas, há jogos com a participação de brasileiros. Nota-se grande interesse por essas partidas, havendo sempre um considerável número de espectadores.123

Por estar estrategicamente localizada no centro da praça, a quadra de futsal nunca passa despercebida pelos frequentadores e tem público constantemente apreciando todos os jogos durante a feira. Ressaltamos que, como não há nenhuma equipe de grande expressão no cenário futebolístico participando do campeonato, os espectadores não tem vínculo afetivo com nenhuma das equipes. O que acontece é que as próprias equipes levam seus parentes e amigos que assistem aos jogos de seus entes e, assim, manifestam atitudes de torcedores e fanatismo com seus próprios conhecidos. Entretanto, esse número é minoria, e podemos enfatizar que os espectadores da Praça Kantuta apreciam a prática do futsal e a plasticidade oferecida por alguns de seus praticantes como meros observadores e admiradores dessa "arte" e não como torcedores de equipes. (ALVES, 2012, p. 250).

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A palavra futebol será usada neste trecho do trabalho para designar o desporto de maneira ampla, não levando em consideração as diferenças entre o futsal e o futebol de campo. Especificamente, o campeonato realizado pelos imigrantes bolivianos em São Paulo pode ser descrito como futsal. Todavia, o interesse reside no fenômeno do desporto considerado em sua amplitude.

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É importante anotar que no ano de 2010 a quadra da Praça Kantuta teve alambrados e traves de gol retirados para uma reforma, o que prejudicou a realização do campeonato de futebol ali disputado. Até o ano de 2012 a reforma ainda não havia sido concretizada.

As partidas, portanto, não acontecem esporadicamente, pois há um campeonato formado por equipes de imigrantes bolivianos que no dia a dia trabalham nas oficinas de costura. Esse campeonato é organizado junto à Associação Gastronômica, Cultural e Folclórica Padre Bento. As equipes são formadas por meio de uma rede de contatos nas oficinas de costura, onde são divulgados os eventos relacionados ao campeonato. A relação entre os jogadores é costumeiramente de camaradagem e amizade. Formadas as equipes, elas desembolsam uma quantia em dinheiro para arcar com os custos do campeonato, envolvendo uniformes, bolas, medalhas, remuneração dos árbitros, manutenção da quadra, dentre outros. Há um delegado responsável pelo time, que encabeça a equipe e divide os custos entre todos (ALVES, 2012).

Esses delegados, que quase sempre são donos de oficinas, não disputam as partidas, apenas dirigem a equipe, tal como um administrador, pagando as contas e capitaneando as ações do time. Dessa maneira, atuam como uma espécie de "presidente", pois além de serem os patrões dos jogadores, são eles quem tomam as decisões pelo time fora e dentro da quadra. Além disso, atuam como treinadores. Dessa forma, eles são os verdadeiros donos da equipe e, mesmo desconhecendo aspectos táticos do esporte, dirigem o grupo durante os jogos, apresentam domínio nas ações dos jogadores, estabelecem locais, horários e procedimentos antes, durante e depois das partidas. Muitos jogadores desejam chegar ao posto de delegados de uma equipe, não somente porque isso os colocaria em uma posição de liderança dentro dos times em que jogam, mas também em razão de que, para isso, precisariam ter chegado ao posto de dono de oficina. Assim, o posto de delegado possui um significado de ascensão social (ALVES, 2012).

De acordo com Alves (2012), a prática do futebol na Praça Kantuta implica alguns riscos à saúde dos imigrantes. Afinal, trabalham a semana inteira em longas jornadas, alimentam-se mal, dormem pouco e aos domingos ainda jogam futebol, que é uma atividade física intensa. Não há nenhuma prevenção, tampouco acompanhamento médico dos jogadores, o que amplia consideravelmente as possibilidades de acidentes físicos, fato que demonstra o amadorismo do campeonato.

Algumas das equipes chegam a ter jogadores de outras nacionalidades, como peruanos, paraguaios, chilenos e brasileiros. Aliás, em relação ao futebol brasileiro, os

bolivianos gostam de admirar as partidas do campeonato nacional e possuem, além de ídolos entre os jogadores brasileiros, afinidade com algum clube do Brasil. Muitos chegam a ir aos estádios e compram camisas dos clubes brasileiros. Entretanto, não há nenhuma associação muito forte entre os imigrantes bolivianos e algum clube paulista ou mesmo brasileiro que chegue a identificá-los como torcedores deste ou daquele clube.124

Por fim, o futebol praticado pelos imigrantes bolivianos em São Paulo ainda é muito restrito e organizado de maneira amadora. No entanto, já ocupa outros espaços públicos de São Paulo: a cancha Tomás Mazoni, no bairro de Vila Maria, o Centro Esportivo Sul- Americano, no Bom Retiro, La Bombonera, localizada na Casa Verde, Vavá Sport Center, na Vila Guilherme. Nessas quadras existem alguns campeonatos que têm tempo médio e longo de duração entre quatro e dez meses, ou os chamados festivais. Alguns campeonatos só permitem equipes com jogadores exclusivamente bolivianos, enquanto outros permitem participação de nacionalidades distintas. Além dessas quadras, os imigrantes bolivianos também frequentam quadras localizadas em parques públicos da cidade, como o Horto Florestal, o Parque do Carmo, o Parque do Trote, o Parque da Juventude e o Parque Ibirapuera (ALVES, 2011).

Apesar do gosto pelo esporte, os bolivianos ainda não organizaram maiores campeonatos, tampouco chegaram a criar ligas. Além disso, há muita associação do desporto com o trabalho nas oficinas. O nicho econômico em que estão inseridos na cidade de São Paulo influencia bastante a prática do futebol, que ainda não é organizado independentemente, como um fim em si mesmo. Isto é, apenas como uma prática recreativa, que ofereça lazer e espaço de encontro entre a coletividade.

De qualquer maneira, o futebol está inserido nas festividades e reuniões que acontecem entre a coletividade boliviana em sua constante negociação e intercâmbio com a sociedade receptora, ocupando espaços públicos relevantes, que demarcam sua existência e sua presença entre os brasileiros. "Às vezes, durante um jogo aqui na Praça, me sinto como se estivesse na Bolívia, pois tudo aqui me faz lembrar da Bolívia: o cheiro, a comida, a

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De acordo com Alves (2012) os clubes brasileiros de maior preferência entre os imigrantes bolivianos são, em ordem da maior para a menor, o Corinthians, o Palmeiras, o São Paulo, o Santos, o Internacional e o Flamengo. Isso não significa que os bolivianos deixam de torcer pelos times da Bolívia. Alves aponta que entre os imigrantes bolivianos residentes em São Paulo, a preferência pelos clubes de sua terra natal é, em ordem decrescente, pelo Bolívar, The Strongest, San Jose, Blooming, Oriente Petroleiro e Jorge Wilstermann.

música e o futebol. Daí eu acordo e vejo que estou apenas num pedaço da Bolívia aqui no Brasil, mas é uma sensação muito boa." (ALVES, 2012, p. 239).

CAPÍTULO 7. COMPARAÇÕES ACERCA DAS PRINCIPAIS LEIS