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CAPÍTULO 4. O ESTATUTO DO ESTRANGEIRO

4.7. Legislação Migratória Aplicável no Brasil além do Estatuto do Estrangeiro

O Estatuto do Estrangeiro ainda é a principal legislação aplicável aos estrangeiros no Brasil, apesar de seu caráter autoritário, restritivo e de segurança nacional, não voltado aos direitos da pessoa humana.74 Dessa maneira, é importante anotar as demais leis e tratados que possuem repercussão na política migratória do Brasil. Muitos deles buscam adequá-la aos direitos da pessoa humana e ao direito humano de migrar.

Dentre esses regramentos, ressaltamos o Acordo de Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, Bolívia e Chile, promulgado por meio do Decreto-lei nº 6.975, de 07 de outubro de 2009; o Acordo de Regularização Migratória assinado entre Brasil e Bolívia em La Paz em 15 de agosto de 2005,75 publicado no Diário Oficial da União nº 179,

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Há um projeto na Câmara dos Deputados para alterar o Estatuto do Estrangeiro. Trata-se do Projeto de Lei n° 5.655 de 2009, chamado "Lei do Estrangeiro". Ele altera o Decreto-lei nº 2.848, de 1940 e a Lei nº 10.683, de 2003. Revoga as Leis nºs 6.815, de 1980; 6.964, de 1981; 9.076, de 1995; o art. 1º do Decreto-lei nº 2.236, de 1985; e o inciso I do art. 5º da Lei nº 8.422, de 1992. Apresentado em 20 de julho de 2009, de autoria do Poder Executivo, ainda aguarda parecer na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN). Apesar de tramitar em regime de prioridade, não há previsão próxima de concretização plena do processo legislativo para que seja publicado, o que significa que o atual Estatuto ainda vigorará por um considerável tempo. Para acompanhamento da tramitação desse projeto, verificar o seguinte sítio: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=443102>, cujo último acesso deu-se em 10 de janeiro de 2013.

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Enquanto o Brasil permanece com esse regramento arcaico e de origem autoritária, medidas paliativas para enfrentar o problema dos imigrantes bolivianos irregulares vêm sendo tomadas frequentemente por meio de anistias e acordos bilaterais entre Brasil e Bolívia. Em 2005, foi assinado um acordo entre os dois países com o fim de regularizar indocumentados encontrados no Brasil. Todavia, nos termos desse ajuste, foi imposta uma pesada multa (na época em torno de R$ 828,00) a cada imigrante irregular. Somadas a multa e as taxas

em 16 de setembro de 2005, Seção 1, página 67; o Acordo entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa sobre Contratação Recíproca de Nacionais, assinado em Lisboa em 11 de julho de 2003; a Convenção nº 97 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Trabalhadores Migrantes, promulgada pelo Decreto-lei nº 58.819, de 14 de julho de 1966; o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, promulgado pelo Decreto-lei nº 5.017, de 12 de março de 2004; e o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre e Marítima.

É importante ressaltar que não há previsão em relação aos direitos previdenciários no Estatuto do Estrangeiro. Em razão disso, o Brasil assinou a Convenção Multilateral Iberoamericana de Segurança Social, que está em vigor na Espanha, Bolívia, Brasil e Equador. Esses países firmaram o acordo de aplicação, instrumento pelo qual se estabelecem as regras de operacionalização da Convenção e determina sua entrada em vigor.76 Ademais, no que concerne aos direitos previdenciários, há no âmbito sul- americano, o Acordo Multilateral de Seguridade Social do Mercosul e seu regulamento administrativo, que foram promulgados, no Brasil, em 13 de março de 2006, pelo Decreto- lei nº 5.722.

Esses acordos previdenciários têm como objetivo principal garantir os direitos de seguridade social, previstos nas legislações dos países signatários, aos respectivos trabalhadores e a seus dependentes legais, residentes ou em deslocamento temporário, no exercício de atividade laboral. Os acordos internacionais de Previdência Social estabelecem uma relação de prestação de benefícios previdenciários e acidentários. A cada Estado

que o imigrante teria de pagar, o custo final da regularização ficaria em torno de R$ 1.000,00 por pessoa. Comparando esse valor com o salário médio ganho pelos imigrantes indocumentados e clandestinos, vítimas de exploração laboral, a medida jamais poderia resultar em números relevantes; tanto que não obteve resultados significativos. Na Argentina, por exemplo, a regularização do imigrante irregular não acarreta nenhum ônus para o requerente e o processo para tanto é bem menos burocrático (SILVA, 2006).

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A Convenção Multilateral Iberoamericana de Segurança Social foi negociada no âmbito da Organização Iberoamericana de Seguridade Social (OISS). São membros da OISS: Andorra, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Espanha, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá,

contratante cabe analisar os pedidos de benefícios apresentados e decidir quanto ao reconhecimento de direitos e manutenção dos pagamentos, conforme sua própria legislação aplicável e o respectivo acordo.

Segundo Massambani (2011), o trabalhador que transitar pelos diferentes sistemas previdenciários dos países integrantes do Mercosul, desde que preenchidos os requisitos específicos para a concessão dos benefícios, terá direito ao mesmo, porém nem todas as prestações estarão cobertas pelo Acordo Multilateral. O diploma não prevê dentro do bloco uma unificação legislativa previdenciária, mas sim uma harmonização. Isso implica que cada Estado parte deve continuar a prestar assistência da forma como sua legislação interna prevê. Além disso, faz-se importante ressaltar que os trabalhadores contemplados pelo acordo são apenas aqueles que possuem vínculo de emprego, o que restringe a fruição dos benefícios.

No Brasil, a autoridade competente para processar os pedidos de concessão de benefícios envolvendo estrangeiros apreciados pelos Acordos Internacionais é o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). O requerimento do benefício deve ser feito nas unidades da Previdência Social, sendo encaminhados ao organismo de ligação correspondente.

Ainda em relação à seguridade social, destaca-se o fato de que o Brasil é signatário da Convenção 118 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros. Entretanto, o Brasil ainda não ratificou a Convenção 143 da OIT, relativa às migrações em condições abusivas e à promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento dos trabalhadores migrantes. Também não foi assinada a Convenção das Nações Unidas para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias, adotada pela Resolução 45/158 da Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1990.

Além do Mercosul, em relação à integração entre os países da América do Sul, destaca-se o Tratado Constitutivo da UNASUL.77 Seu art. 3º coloca como fundamental

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A União de Nações Sul-Americanas – UNASUL – é uma união intergovernamental que integra as duas uniões aduaneiras existentes na região: o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a Comunidade Andina de Nações (CAN), como parte de um contínuo processo de integração sul-americana. O Tratado Constitutivo da UNASUL foi assinado em 23 de maio de 2008, prevendo a instalação da sede da União em Quito, Equador, do parlamento em Cochabamba, na Bolívia, enquanto a sede do seu banco, o Banco do Sul, em Caracas, Venezuela. A UNASUL tem por fonte inspirativa a União Europeia.

entre seus membros – inclusive Brasil e Bolívia – o direito à migração, que deve ser assegurado com a necessária tradução legislativa, a qual deve tratar integralmente do fenômeno migratório observando irrestritamente os direitos humanos. Há, inclusive, a previsão da construção de uma cidadania sul-americana.78

Conclui-se, assim, que o Estatuto do Estrangeiro, principal documento legal da política migratória brasileira, não está no caminho do que se traça para o futuro da América do Sul, como também não se alinha ao regime atual – e duramente construído ao longo da história – de proteção global dos direitos humanos. História essa, composta, na atualidade, principalmente por três documentos (todos posteriores à Segunda Guerra Mundial): a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos adotados em 1966, mas em vigor somente a partir de 1976.79 Além desses documentos, existem as Convenções da ONU,80 as quais são de extrema importância para os países-membros em relação às diretivas que devem seguir, e o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, precedido pela Declaração Americana sobre a Proteção de Direitos Humanos, aprovada na Costa Rica em 22 de novembro de 1969.

O Estatuto do Estrangeiro, com todo seu anacronismo e inadequação impacta diretamente a vida dos imigrantes que residem em São Paulo. A Ley de Migraciones argentina também possui seus efeitos sobre a população imigrante que habita Buenos Aires. A coletividade de imigrantes bolivianos que residem nas duas grandes metrópoles é um exemplo disso.

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O art. 3º do Tratado Constitutivo da UNASUL estabelece longamente em suas diversas alíneas os objetivos específicos do bloco, dentre eles: i) a consolidação de uma identidade sul-americana através do reconhecimento progressivo de direitos a nacionais de um Estado-membro residentes em qualquer outro Estado-membro, com o objetivo de alcançar uma cidadania sul-americana; k) a cooperação em matéria de migração, com enfoque integral e baseada no respeito irrestrito aos direitos humanos e trabalhistas para a regularização migratória e a harmonização de políticas.

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O Brasil participou ativamente na elaboração desses pactos, mas os ratificou somente em 1992.

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Dentre elas podemos citar as Convenções sobre todas as formas de Discriminação Racial e contra a Mulher, a Convenção contra a Tortura e a Convenção sobre os Direitos da Criança.