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CAPÍTULO 7. COMPARAÇÕES ACERCA DAS PRINCIPAIS LEIS MIGRATÓRIAS

8.1 As Festas em Buenos Aires e São Paulo

No mês de outubro é realizada em Buenos Aires a festa de Nossa Senhora de Copacabana, virgem considerada padroeira da Bolívia e dos imigrantes bolivianos na Argentina. A festa acontece em diversos bairros de Buenos Aires, por exemplo, Charrúa, Fuerte Apache, Pompeya e Villa Celina. A ocasião é celebrada com danças, comidas típicas e produtos da Bolívia. Normalmente, a Igreja Católica participa da organização das festas, sendo algumas, inclusive, organizadas nas proximidades das Paróquias.

Nessas celebrações podem ser identificados tanto um sentido religioso, quanto expressões da cultura boliviana. Além disso, há um intercâmbio entre as pessoas que as frequentam por meio dos grupos festivos de dança, que estimulam o encontro entre jovens, adultos e crianças. Seja qual for o sentido principal das festas, elas são extremamente importantes para os imigrantes bolivianos no contexto do espaço onde vivem, pois se tratam de momentos em que expressam pública e coletivamente suas tradições culturais e religiosas, que marcam a relação de identidade com a Bolívia e são de modo intrínseco parte da própria identidade de cada uma delas; da mesma maneira estabelecem uma forma de diálogo com as demais pessoas que habitam a cidade de Buenos Aires. São momentos não ocultos, tampouco clandestinos e envergonhados, muito pelo contrário, realizam-se abertamente no espaço público portenho. O significado de "boliviano" não é negado nessas comemorações, mas sim reafirmado orgulhosa e positivamente perante a sociedade portenha.

As festas espalham-se por vários bairros de Buenos Aires, inclusive, ocupando espaços públicos centrais da cidade: a Fiesta de la Virgen de Santa Cecilia e a Fiesta de la Virgen del Carmen. Ambas marcadas por missas realizadas na Catedral de Buenos Aires, com procissões ao redor da Plaza de Mayo, centro político e social da cidade e da Argentina, onde se encontra a sede do Governo Nacional e o prédio histórico do Cabildo, no qual teve início o processo de independência argentino. São festejos menores, porém possuem diversas similaridades com os demais, como as fraternidades de dança e os grupos musicais tocando guitarras e sanfonas.

Em São Paulo, o Memorial da América Latina e a Praça Kantuta são os principais lugares de diálogo, negociação, reconhecimento e intercâmbio entre a coletividade boliviana e a sociedade receptora. Diferente de Buenos Aires, na capital paulista os espaços públicos onde ocorrem as festas não são tão vastos e nem se espalham por vários bairros. Aliás, o Memorial da América Latina é um local que, embora aberto ao público, pode ser considerado isolado, circundado por grades e portões, em razão de sua particularidade e caracterização como centro de convenções.

Na Praça Kantuta há uma feira gastronômica que ocorre aos domingos. No dia 24 de janeiro, acontece nessa praça a Festa de Alasitas. Embora o espaço onde ocorre o evento ainda seja pequeno, ele tem ganhado terreno em outras regiões próximas, como a Rua Coimbra. Entretanto, essa dispersão local da festa não ocorreu em razão do aumento do número de pessoas que passaram a frequentá-la, tampouco por conta de sua plena integração à agenda festiva e cultural de São Paulo, mas sim porque o dia 24 de janeiro não é uma data de feriado na cidade. Ou seja, a festa atrapalha a rotina do dia útil e para não prejudicar o trânsito nem o comércio do bairro, a Associação Padre Bento, que organiza a comemoração, buscou outros lugares, por exemplo, a Rua Coimbra. No ano de 2012 a festa aconteceu em três localidades diversas, na Rua João Veloso Filho, no bairro de Vila Guilherme, na Praça Kantuta e na Rua Coimbra, locais não muito distantes um do outro.

Outra festa da coletividade boliviana em São Paulo é o Carnaval – além das danças, há concursos de fantasias, sorteio de brindes e a molhadeira. Em 2012, o Carnaval Boliviano foi realizado na Praça Kantuta.

No Memorial da América Latina são organizadas festas em devoção à Virgem de Copacabana e de Urkupiña, que antigamente aconteciam na Igreja de Nossa Senhora da

Paz, sede da Pastoral do Migrante em São Paulo. Essa mudança se deu em razão do aumento de participantes nas festividades, o que exigiu, além de um espaço maior, um local onde não houvesse conflito com os moradores das proximidades da igreja. Para o Consulado Boliviano na cidade de São Paulo, a troca de local foi benéfica, pois deu às festividades um caráter cultural além da significação de mera festa paroquial, conforme já mencionado. Por outro lado, essas festas acabaram por se distanciar dos olhares dos paulistanos, devido ao isolamento do Memorial da América Latina. De qualquer maneira, a Festa de Alasitas, o Carnaval Boliviano e as demais realizadas no Memorial da América Latina têm aberto um espaço de reconhecimento, intercâmbio e diálogo entre os imigrantes bolivianos e a cidade de São Paulo.

Dessa forma, pode-se concluir que em Buenos Aires há maior número de espaços públicos, não concentrados, não próximos um ao outro, não isolados da cidade e que recebem festas da coletividade boliviana imigrante, do que em São Paulo. Destarte, o intercâmbio e a negociação coletiva de identidades são mais amplos em Buenos Aires do que em São Paulo, principalmente em relação ao uso do espaço público para expressões culturais festivas. Essas expressões que identificam o boliviano em Buenos Aires são mais visíveis, mais presentes e pertencentes à vida portenha do que à vida paulistana. Entretanto, isso não significa que em São Paulo a coletividade boliviana não tenha pouco a pouco ganhado maior espaço público de negociação.