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CAPÍTULO 4. O ESTATUTO DO ESTRANGEIRO

4.5. Proposta de Emenda Constitucional

Seguindo as vozes críticas às restrições dos direitos políticos dos imigrantes, é importante anotar a existência de uma proposta de emenda constitucional para alterar os arts. 5°, 12 e 14 da Constituição Federal de 1988, com o fim de estender a esses indivíduos direitos inerentes aos brasileiros e conferir aos estrangeiros com residência permanente no país capacidade eleitoral ativa e passiva nas eleições municipais. Trata-se da Proposta de Emenda Constitucional n° 25 de 2012, de autoria do atual senador Aloysio Nunes Ferreira.69

Nessa proposta, o art. 5° é alterado, de modo a se retirar a expressão "estrangeiros residentes no País", para ampliar a proteção de direitos a todos os estrangeiros que se encontrem no Brasil, seja em caráter permanente ou transitório. Dessa maneira, a redação original "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

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Até última notícia, a Proposta de Emenda Constitucional n° 25, apresentada em 12 de maio de 2012, encontra-se desde 16 de maio do referido ano na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, aguardando designação de relator. Para maiores informações, é possível acompanhar a tramitação do

projeto pelo sítio do Senado Federal, disponível em:

<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=105568>, cujo último acesso deu-se em 07 de janeiro de 2013.

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes", é alterada para "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes".

Já o art. 12, parágrafo primeiro é alterado pela proposta para estender a todos os estrangeiros a reciprocidade prevista apenas para os portugueses. Com isso, a situação de privilégio concedida ao estrangeiro de nacionalidade portuguesa é conferida a todos os demais, sem discriminação. A redação original e vigente dispõe que "aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor dos brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição". A proposta altera a redação para "aos estrangeiros com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, observado o disposto nesta Constituição".

O art. 14 da Constituição, a seu turno, é alterado pela proposta no inciso II do parágrafo primeiro, em que acrescenta-se a alínea "d". Também são alterados os parágrafos segundo e terceiro, sendo que neste há modificação no inciso II. Todas as alterações visam conferir direito a voto no âmbito municipal aos estrangeiros, reduzindo as restrições aos direitos políticos dos estrangeiros no Brasil.

A redação vigente do art. 14 dispõe que "a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei". O parágrafo primeiro estabelece que "o alistamento eleitoral e o voto são: I – obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II – facultativos para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos". De acordo com a proposta, o parágrafo primeiro recebe uma alínea a mais: "d) os estrangeiros com residência permanente no País, para fins de participação nas eleições municipais, na forma da lei".

O parágrafo segundo do art. 14 prevê que "não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos". A nova redação proposta pela Emenda Constitucional dá o seguinte regramento: "não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros, salvo na hipótese do § 1º, II, d, e durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos".

A proposta de emenda constitucional altera por fim o inciso I do parágrafo terceiro. A redação vigente dispõe que "são condições de elegibilidade, na forma da lei: I – a nacionalidade brasileira", tal como já mencionado; a nova redação proposta como regramento dispõe: "são condições de elegibilidade, na forma da lei: I – a nacionalidade brasileira, salvo para as eleições municipais, às quais podem concorrer os estrangeiros com residência permanente no País".

Assim, a proposta de Emenda Constitucional traria uma inovação de grande importância no tratamento jurídico do estrangeiro no Brasil. A concessão de direitos políticos em nível municipal, por mais que possa ser considerada tímida, pois não seria nenhum exagero se atingisse pelo menos o nível estadual, ou até mesmo o federal, é significativa diante de uma sistemática marcada pela restrição e total limitação a direitos políticos. De acordo com Baraldi (2012), a proposta retira o Brasil do grupo de uma minoria de países que nega totalmente direitos políticos aos imigrantes. Nesse sentido, é importante chamar atenção à justificativa do projeto em relação à concessão de direitos políticos no âmbito municipal, explicando a razão pela qual não se avançou para outras esferas políticas:

Os direitos políticos amplos requerem um maior comprometimento com a cidadania brasileira que só se adquire com a naturalização. [...] poucos países admitem essa ampla participação política a estrangeiros residentes, como é o caso da Dinamarca, da Suécia e alguns cantões suíços em eleições regionais. [...] o direito ao voto pode ser admitido sob condições de reciprocidade e de permanência por um determinado número de anos; por ser membro de um conjunto de países (caso da Commonwealth ou decorrente de acordos bilaterais entre Dinamarca, Suécia, Islândia e Noruega); ou por ser membro de uma integração política regional (caso da União Europeia, que permite votar e ser votado a seus cidadãos). Em outros casos, é admitido a todos os estrangeiros que residem de modo contínuo em seu território por certo período de tempo, que gira em torno de três a cinco anos, com exceção da previsão de até dez anos por alguns cantões suíços (Bélgica, Dinamarca, Luxemburgo, Países-Baixos e vários cantões suíços estão enquadrados nessa hipótese) ou simplesmente reconhecem esse direito sem condição distinta, devendo o estrangeiro apenas cumprir os requisitos impostos aos nacionais, como ter residência na circunscrição e estar inscrito (Irlanda), ou por ser membro de uma integração política regional (caso da União Europeia). [...] a partir de diretiva de 1994, foi fixado que cidadãos da União Europeia, residentes em Estado-membro dessa organização distinto de sua nacionalidade, podem exercer o direito de voto e de elegibilidade nas eleições municipais. Entre os que permitem o voto sob condições de reciprocidade

e tempo de permanência, há os que o admitem, após residência de cinco anos, como são os acordos celebrados pela Espanha com Equador, Nova- Zelândia, Colômbia, Chile, Peru, Paraguai, Islândia, Bolívia e Cabo- Verde. Portugal admite o direito ao voto aos nacionais de Estados lusófonos que lá residem ao menos há dois anos e aos demais que residem há mais de três anos. Brasil, Cabo-Verde, Argentina, Chile, Islândia, Noruega, Peru, Uruguai e Venezuela se beneficiam desse regime português. Quanto ao direito de ser eleito, são elegíveis em alguns países aqueles que cumprem as exigências de ser eleitor (Dinamarca, Espanha, Luxemburgo, Países-Baixos, Suécia, alguns cantões suíços). No caso de Portugal, como depende da reciprocidade, é limitado até o momento a Brasil e Cabo-Verde, desde que o estrangeiro resida há mais de quatro anos naquele país.

Mesmo que ainda tímida diante de países com alto desenvolvimento social, a concessão de direitos políticos confere a possibilidade de representação por meio de cargo eletivo, o que permite que comunidades estrangeiras, como a dos bolivianos em São Paulo, se organizem e consigam voz ativa nas Câmaras Municipais do país, podendo, inclusive, discutir ativamente projetos de leis que lhes sejam importantes, além de criticar e oferecer resistência aos que lhes prejudiquem. Embora os direitos políticos plenos ainda sejam atrelados à condição essencial de nacional, aos poucos pode-se notar uma tendência de valorização do tempo de residência regular em relação à origem individual, enfatizando que mais importante do que a nacionalidade é o viver em comunidade, em pluralidade entre os homens. Justifica-se, assim, a proposta de emenda à Constituição de 1988:

Sabemos que, com a Revolução Francesa, no século XVIII, os estados soberanos restringiram sua comunidade política aos “cidadãos” ou à “nação”. Ocorre, entretanto, que o Estado-nação e a soberania, atributo que é próprio daquele ente, são noções que vêm sofrendo profundas alterações, sobretudo com o acirramento do processo de globalização verificado nas últimas décadas, o qual se caracteriza pelo intenso fluxo transnacional de pessoas, ideias e valores. Com efeito, notamos a mitigação das fronteiras físicas estatais. Até mesmo na França, o recém- eleito presidente, François Hollande teve, como um dos pontos mais emblemáticos de sua plataforma de governo, a ampliação da participação nas eleições municipais dos estrangeiros residentes que não façam parte da União Europeia. Mesmo diante dessa nova realidade, o migrante, muitas vezes, não tem condições de exercer seus direitos políticos em seu Estado de origem. Tampouco tem o direito de participar da vida política no Estado em que escolheu viver. No entanto, cabe lembrar que o Estado que recebe os estrangeiros – incluindo o Brasil – não os isenta do cumprimento de uma série de deveres a que estão sujeitos seus cidadãos, a exemplo do pagamento de impostos. Contudo, nas últimas quatro décadas,

mais de trinta democracias adotaram leis que permitem o estrangeiro residente votar ao menos em eleições locais. E, em alguns países, permite- se, até mesmo, o voto de estrangeiro em eleições parlamentares, como já foi apontado. E não há como negar que os estrangeiros, como regra, contribuem efetivamente para o crescimento e desenvolvimento das localidades onde residem, seja econômica seja culturalmente. Diante disso, não temos dúvida de que se trata de medida extremamente salutar integrar minimamente o estrangeiro residente às comunidades políticas dos locais em que vivem. Assim, a presente proposta de emenda à Constituição prevê para as eleições municipais o direito de voto facultativo e o de elegibilidade do estrangeiro residente no Brasil. Seguramente, em um cenário marcado pela crescente globalização, com incremento do fluxo de pessoas entre as fronteiras dos Estados, as quais não raramente se empenham para levar o progresso para as localidades em que fixam residência, uma revisão do quadro constitucional mostra-se necessária a fim de trazer resposta aos desafios impostos pela nova realidade.

Fundamentalmente, a proposta é inovadora na legislação brasileira ao esboçar um novo rumo para o tratamento jurídico dos imigrantes no Brasil, que se baseie nos direitos da pessoa humana e não mais na segurança do Estado e na proteção do trabalhador brasileiro. Ela configura uma abertura para as próximas legislações migratórias, pois demarca o deslocamento do conceito fundamental da política migratória na nacionalidade para o da residência regular do imigrante. Viabilizando também maior integração regional entre os países da América do Sul.

Essa possível mudança de orientação na política migratória pode ser percebida ainda pela justificativa da proposta:

A Constituição Federal (CF) de 1988 estabelece, em seu art. 5º, a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, entre outros. Cabe, desde já, registrar a necessidade de alteração do citado dispositivo, uma vez que, ao tratar de direitos inerentes à pessoa humana, em sua literalidade, condiciona-os, no caso do estrangeiro, ao critério de residência em território brasileiro. É evidente que, por exemplo, turistas estrangeiros também devem gozar desses direitos fundamentais básicos.

Existe no Brasil um jornal voltado para os imigrantes, cujo título é Conexíon Migrante.70 Com tiragem mensal e reportagens em espanhol e português, esse jornal busca não só oferecer classificados, mas debater a situação do imigrante no Brasil. Na edição de dezembro de 2012, a questão dos direitos políticos dos imigrantes no país foi abordada, trazendo como destaque um ato político realizado no mês de novembro do mesmo ano por imigrantes protestando por participação nas eleições brasileiras:

Uma tarde de sol com muita gente passando pela região da rua Coimbra (Brás) e um ato público chamou a atenção de milhares de pessoas que moram e trabalham por ali: uma barraca, caixas de som, faixas, palavras de ordem, urnas e cédulas com os nomes dos 12 candidatos a prefeitos de São Paulo: era a "Votação Simbólica dos Imigrantes", uma manifestação organizada por entidades e grupos culturais que atuam em defesa de direitos dos imigrantes. O grupo também colheu um abaixo-assinado. Durante o ato, foram distribuídos aproximadamente 10 mil panfletos aos comerciantes, feirantes e trabalhadores em geral, brasileiros e imigrantes. A rua Coimbra é conhecida por acolher grande concentração de bolivianos. Um dos objetivos do ato foi chamar a atenção da sociedade para a necessidade de políticas públicas próprias para os imigrantes. Somente em São Paulo cerca de 300 mil pessoas não participam da eleição, pois há uma vedação na Constituição. A falta de visibilidade dos imigrantes foi amplamente apontada como obstáculo para a sua cidadania. “Somos trabajadoras/es que salimos de nuestros países estamos ayudando para el crescimiento económico de este país con nuestra fuerza de trabajo, pedimos el derecho de participar en la vida política! AQUÍ VIVO, AQUÍ VOTO!” falou a jovem migrante Maria Quiñonez, do Juventude Sem Fronteiras.71