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CAPÍTULO 6. OS BOLIVIANOS EM SÃO PAULO

6.2. A Presença Boliviana no Espaço Público da Cidade de São Paulo: Espaços de Ação,

6.2.4 As Crianças Bolivianas nas Escolas de São Paulo

De acordo com Oliveira e Baeninger (2012), dos 5.824 filhos de imigrantes bolivianos captados no censo de 2000, 43% não eram estudantes, 10,3% frequentavam a creche, 33,4% o ensino fundamental, 5,5% o ensino médio, 1,2% o supletivo, 0,6% o cursinho pré-vestibular, 5,7% o ensino superior, na graduação, e 0,2% cursavam pós- graduação.

Para a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo no mês de agosto de 2009 constavam 2.090 alunos estrangeiros matriculados na rede pública municipal, sendo os quatro principais grupos: bolivianos, com 1.446 alunos, japoneses, com 243 alunos, paraguaios, com 74 alunos e peruanos, com 44 alunos. Já o Centro de Informações da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, com dados alcançados pelo Censo Escolar de 2010 e referentes ao número de alunos estrangeiros nas redes públicas municipais e estaduais e nas redes particulares, informou que o Estado de São Paulo possuía, naquele ano, pelo menos 14.879 alunos estrangeiros (WALDMAN, 2012).

Diante desse cenário, é considerável o número de crianças filhas de imigrantes bolivianos fora das escolas. Essa realidade não é diferente em São Paulo. As crianças bolivianas, mesmo que irregulares, indocumentadas, têm o direito de ser matriculadas nas escolas públicas. Para a matrícula são aceitos o documento de identidade boliviano, se houver, ou a simples certidão de nascimento. Entretanto, há muita desinformação entre os imigrantes e muitos acreditam que a condição irregular os impedem de matricular seus filhos nas escolas brasileiras. Além disso, sentem medo, pois pensam que a qualquer momento podem ser denunciados para a Polícia Federal e irem para a prisão. Há uma frágil comunicação entre os próprios imigrantes bolivianos em relação aos seus direitos. Por outro lado, também há muita desinformação nas escolas brasileiras, onde diretores mal preparados não sabem se podem ou não matricular uma criança irregular e indocumentada, preferindo não fazê-lo diante da dúvida.

Nesse sentido, o Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante, CDHIC, em carta dirigida ao Prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad, eleito para a gestão iniciada em 2013 e que termina em dezembro de 2016, datada de 12 de novembro de 2012, manifestou-se afirmando que:

Em matéria de políticas públicas, a questão migratória é necessariamente transversal. Há direitos já garantidos por leis federais (como o acesso ao S.U.S.) e outros por normas administrativas estaduais e municipais (por exemplo, matrículas de crianças, inclusive indocumentadas, nas escolas), cuja efetividade encontra grandes obstáculos. Os principais deles são a falta de articulação entre órgãos públicos, e de uma cultura de acolhida ao diferente (“estrangeiro”) na Administração Pública.120

A partir desse diagnóstico, o próprio CDHIC estabeleceu como proposta à Municipalidade de São Paulo desenvolver um programa de escolas multiculturais, criar um canal para receber as reclamações e denúncias de bullying sofrido pelos filhos de imigrantes nas salas de aulas e ampliar o acesso às creches.

Em relação ao bullying, é comum que crianças bolivianas recém-chegadas a São Paulo enfrentem comportamentos preconceituosos nas escolas pelo fato de não saberem falar português sem sotaque, sendo às vezes desprezadas por serem associadas a "índios" pelas crianças brasileiras (VIDAL, 2012). Da mesma maneira, jovens bolivianos sofrem com o preconceito nas escolas. Entretanto, não há relatos que indiquem uma segmentação entre crianças brasileiras e bolivianas baseada exclusivamente no ódio. Isto é, o preconceito que sofrem não é fundamentado em razão de serem bolivianos e não brasileiros, mas sim por serem diferentes, por constituírem uma minoria. Afinal, o tratamento preconceituoso para com o diferente não implica necessariamente no ódio, mas em grande parte pela ignorância de quem o comete, pelo despreparo institucional da sociedade receptora em receber o estrangeiro. O preconceito pode ser considerado fruto da enorme falta de informação e da ausência de propostas multiculturais que integrem no vocabulário das crianças e dos jovens a ideia da pluralidade, de ver riqueza na diferença e não qualquer tipo de inferioridade ou estranhamento.

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Disponível em: <http://www.cdhic.org.br/wp-content/uploads/2012/12/Propostas-CDHIC-ao-Governo- Haddad-politica-mun-migracao.pdf>, último acesso em 15 de janeiro de 2013.

Jovens migrantes ou filhos de migrantes nascidos no Brasil sofrem todo o tipo de desrespeito em razão dos seus traços fenotípicos e de sua origem. Estas crianças e adolescentes enfrentam a mesma realidade árdua que muitos jovens brasileiros emigrados vivem em outros países. A título de exemplo, como resultado de um sistema educacional despreparado para entender as necessidades destes novos alunos e ainda não capacitado a lidar com a diversidade cultural e social em sala de aula, observa-se a situação preocupante de alunos migrantes bolivianos de uma escola estadual que teriam que dar dinheiro ou fornecer alimentos para os colegas brasileiros para não serem agredidos fora da unidade escolar. Há relatos de que esta situação ocorreria desde 2008 sem qualquer atitude de impacto da escola ou mesmo do Estado. Ademais, não são poucos os relatos de estranhamentos e conflitos entre alunos brasileiros e alunos migrantes ou filhos de migrantes encontrados na literatura sobre o tema. (WALDMAN, 2012, p. 7-8).

Portanto, é possível afirmar que o preconceito existente nas escolas públicas brasileiras, e de modo mais específico em São Paulo, não é exclusivamente exercido contra a coletividade boliviana, mas sim contra a maioria das populações imigrantes, que são vistas pelos brasileiros apenas pejorativamente, como pobres, índios, que chegam à cidade para agravar um problema social. Ademais, essa falta de informação, que fomenta as atitudes preconceituosas, não é somente por parte dos alunos brasileiros, mas também dos docentes e de toda a instituição escolar, pois não são encontrados programas suficientes e tampouco uma rede robusta de informação que trabalhe a questão dos imigrantes residentes em São Paulo. Há uma ausência de educação para a pluralidade.

A questão da inclusão de migrantes no sistema de ensino nacional defronta-se, ainda, com o possível desconhecimento por parte dos docentes do contexto migratório e do histórico escolar destes alunos, juntamente com a falta de capacitação em lidar com a diversidade cultural e social em sala que os impede de trabalhar adequadamente com a experiência migratória e incluí-la como conhecimento em aula; a falta de orientação dos pais; o descaso de muitos colégios que ainda negam o ingresso de alunos estrangeiros indocumentados ou que permitem o estudo, mas não garantem o certificado de conclusão do curso. Estes são alguns dos muitos obstáculos que impedem estas crianças e jovens de usufruírem do direito universal de acesso à educação. Neste sentido, é imperativo encarar o fato de que um grande número destes migrantes que hoje

residem no Brasil, já estão na segunda ou terceira geração e tem a intenção de permanecer no país. Tão somente a partir do momento em que o Estado brasileiro se enxergar como um país receptor de tais fluxos migratórios, e reconhecer que a presença deste grupo no país não se caracteriza, em grande parte, como uma simples residência transitória, que se apontará como obrigatória a implementação de políticas de integração desta população à sociedade brasileira. (WALDMAN, 2012, p. 8).

No ano de 2010 foram realizadas duas plenárias livres sobre o tema imigração e acesso à educação, com o objetivo de discutir o direito à educação escolar e a população imigrante na cidade de São Paulo. Essas plenárias foram fruto de um trabalho conjunto de dois grupos: Grupo de Trabalho de Educação do Movimento Nossa São Paulo e Ação Educativa e Centro de Apoio aos Migrantes. Houve a participação de brasileiros e imigrantes bolivianos, chilenos, equatorianos, paraguaios e peruanos. O perfil desses participantes alinhava-se ao de pais de estudantes da rede pública, jovens estudantes ou em busca de formação escolar (WALDMAN, 2012). No evento foram identificados problemas como a ausência de políticas que tratassem da inclusão dos migrantes no sistema de ensino nacional, problemas com o aprendizado e a comunicação em razão do idioma falado pelos grupos de imigrantes, na vasta maioria o espanhol. Muitos professores brasileiros não possuem suficiente conhecimento desse idioma e não recebem orientação sobre como lidar com esse fato. Ademais, nessas plenárias notaram-se a ausência de preparo das escolas para trabalhar com a diversidade cultural e a falta de conhecimento sobre o contexto migratório dos novos alunos, também a falta de informação e coordenação sobre a temática educacional nos consulados e a situação migratória como um impedimento para o acesso à educação.

Diante disso, estabeleceram um rol de propostas com o fim de lidar com o problema. Dentre essas, podem ser citadas: a criação de mecanismos para que órgãos da educação dialoguem com os consulados de cada país que possua nacionais residentes em São Paulo; a ênfase nas questões socioculturais nos currículos das universidades públicas e privadas; o investimento na formação de professores, para que saibam lidar com a população migrante em São Paulo e aprendam outros idiomas, por exemplo, o espanhol; investimentos no mesmo sentido para os demais funcionários das escolas; realização de eventos culturais que explorem a cultura latino-americana; promoção de agentes culturais que possam

desenvolver estratégias nas escolas com o foco nos imigrantes; ensino da língua portuguesa voltado às escolas onde haja grande concentração de imigrantes, para que essa também seja ensinada como língua estrangeira e disponibilização de livros e publicações bilíngues para as escolas.121 Tudo isso visando a construção de uma escola na cidade de São Paulo que valorize a pluralidade e a diversidade.