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CAPÍTULO 4. O ESTATUTO DO ESTRANGEIRO

4.3. Restrições no Mercado de Trabalho

O art. 95 do Estatuto prevê ao imigrante residente no Brasil o gozo de todos os direitos reconhecidos aos brasileiros nos termos da Constituição da República e das demais leis. Portanto, o princípio da igualdade de direitos entre nacionais e estrangeiros é estabelecido no corpo do próprio Estatuto, embora carregado de restrições. O art. 97, por exemplo, estabelece que ao estrangeiro são permitidos tanto o exercício de atividade remunerada, quanto a matrícula em estabelecimento de ensino, mas com as restrições

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De acordo com Luís Cezar Ramos Pereira o habeas corpus destaca-se como o remédio jurídico mais eficiente para o controle e correção do abuso de poder, como forma de garantir a liberdade de locomoção do estrangeiro. O mandado de segurança também pode ser utilizado com o intuito de proteger o direito líquido e certo, não amparado pelo habeas corpus. Nesse caso, o polo passivo é a autoridade que violou o direito líquido e certo do estrangeiro. A deportação do estrangeiro e seu processo no Brasil, RT 717/356.

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Não serão feitos comentários sobre a extradição do estrangeiro, prevista e regulada no Estatuto do Estrangeiro, por não apresentar maiores interesses para o objeto deste trabalho. Sobre a extradição no direito brasileiro, consultar os arts. 76 a 94 do Estatuto. No âmbito do Mercosul, consultar o acordo de extradição que Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai firmaram em 1998, tendo sido promulgado pelo Decreto-lei n° 4.975 em 30 de janeiro de 2004.

estabelecidas no próprio Estatuto e em seu regulamento.61 As restrições são muitas, de modo que é possível questionar, sobretudo, a eficácia da igualdade prevista no art. 95. O capítulo do Estatuto do Estrangeiro que trata dos direitos e deveres do estrangeiro, arts. 95 a 110, é repleto de restrições. Não seria exagero dizer que os únicos direitos previstos estão apenas no enunciado amplo e geral do art. 95 e nos dois direitos do art. 97.

Os arts. 98 a 101 estabelecem uma série de restrições aos direitos dos imigrantes no mercado de trabalho, visando proteger essencialmente o trabalhador brasileiro. O art. 98 estabelece que aos estrangeiros que possuírem visto de turista, de trânsito ou temporário, na condição de estudante, é proibido exercer atividade remunerada. A proibição se estende aos dependentes de titulares de quaisquer vistos temporários. O art. 99, por sua vez, proíbe ao estrangeiro com visto temporário e ao estrangeiro oriundo de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território brasileiro, estabelecer-se com firma individual, exercer cargo ou função de administrador, ser gerente ou diretor de sociedade comercial ou civil, bem como inscrever-se em entidade fiscalizadora do exercício de profissão regulamentada.62

O art. 102 estabelece que a cada mudança de domicílio ou residência o estrangeiro devidamente regularizado precisa comunicar ao Ministério da Justiça, devendo fazê-lo nos trinta dias imediatos à efetivação da mudança. A comunicação deve ser feita pessoalmente à Polícia Federal ou por meio do correio, enviando carta com aviso de recebimento, na qual conste obrigatoriamente o nome do estrangeiro, o número do documento de identidade e o lugar onde foi emitido, tudo acompanhado do comprovante da nova residência ou domicílio, tal como dispõe o art. 81 do Regulamento ao Estatuto. Trata-se de uma exigência abusiva e desnecessária por parte do Estado, pois possui um caráter de controle policial quanto ao paradeiro do indivíduo em território brasileiro, como se esse fosse um elemento potencialmente nocivo à segurança do país. O brasileiro não precisa informar à Polícia

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O regulamento do Estatuto do Estrangeiro, em seu art. 83, prevê que a matrícula do estrangeiro em estabelecimento de ensino de qualquer grau só se efetivará se houver devido registro ou cadastro. Ao estrangeiro deverá ser fornecido documento de identidade, inclusive ao menor em idade escolar. Caso o estrangeiro seja natural de país limítrofe e esteja em cidade fronteiriça, deverá ser cadastrado na Polícia Federal, de onde receberá um documento especial que o identificará e caracterizará sua condição. O Regulamento do Estatuto ainda prevê que o protocolo recebido junto à Polícia Federal poderá substituir pelo prazo de sessenta dias os documentos de identidade do estrangeiro registrado ou cadastrado (Regulamento, art. 83, parágrafo 1).

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É permitida a inscrição temporária em entidade fiscalizadora de profissão regulamentada apenas ao estrangeiro que está no Brasil na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, que esteja sob regime de contrato ou a serviço do governo brasileiro.

Federal sobre cada mudança de domicílio ou residência e dessa mesma maneira deveria ser tratado o estrangeiro já regularizado.

O art. 106, a seu turno, estabelece outra série de restrições aos direitos dos estrangeiros no Brasil. Há restrições em relação à navegação de cabotagem (art. 106, I),63 à participação em empresas jornalísticas, de televisão e de radiodifusão (art. 106, II e III), à atuação em pesquisas e explorações de jazidas e recursos minerais (art. 106, IV),64 à propriedade e exploração de aeronaves (art. 106, V),65 à corretagem de navios, de fundos públicos, leilão e despacho aduaneiro (art. 106, VI),66 à administração ou representação de sindicato ou associação de classe (art. 106, VII), a ser prático de barras, portos, rios, lagos e canais (art. 106, VIII), à posse, manutenção ou operação de aparelho de radiodifusão, radiotelegrafia ou similar (art. 106, IX) e à assistência religiosa às forças armadas (art. 106, X).67

Em relação à restrição de empresas jornalísticas de qualquer espécie, de empresas de televisão e radiodifusão, o art. 222 da Constituição da República de 1988 alterou o Estatuto do Estrangeiro. Agora há uma restrição especial: a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no país. Em qualquer caso, pelo menos 70% do capital total e do capital votante das empresas deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há

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Em relação a essa restrição, verificar o art. 178 da Constituição de 1988 e a recepção do Código de Pesca, Decreto-lei n° 794, de 19 de outubro de 1938.

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O art. 176 da Constituição de 1988 deu nova disciplina à restrição do Estatuto, dispondo que a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais energéticos de que trata o artigo, somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, na forma da lei.

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A restrição em relação à propriedade e exploração de aeronaves por estrangeiros deve ser tomada de acordo com a redação do art. 178 da Constituição de 1988, que sob a emenda constitucional de 15 de agosto de 1995, disciplinou a matéria estabelecendo que lei específica tratará da ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. Na ordenação do transporte aquático, serão estabelecidas pela lei as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e na navegação de interior poderão ser feitos por estrangeiros.

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Essa restrição não mais pode ser considerada eficaz, tanto em razão de disciplina constitucional (art. 5, XIII) quanto em razão da lei que regulamenta o mercado de capitais, que trata das Bolsas de Valores e não reproduz tal limitação.

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Faz-se importante mencionar que o nacional de Portugal goza de status especial na legislação brasileira. O parágrafo segundo do art. 106 estabelece que ao português apenas é proibido assumir a responsabilidade e a orientação intelectual e administrativa das empresas jornalísticas, de televisão e radiodifusão, ser proprietário, armador ou comandante de navio nacional e prestar assistência religiosa às Forças Armadas e auxiliares.

mais de dez anos, que exercerão de modo obrigatório a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação. A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada devem ser privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social. Além disso, os meios de comunicação social eletrônicos, independente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão priorizar os profissionais brasileiros na execução de produções nacionais na forma da lei específica. Vale ainda ressaltar que a Lei n° 10.610 de 2002 regulou a participação do capital estrangeiro nas empresas jornalísticas.

Dessa maneira, a Constituição, embora ainda tenha mantido largas restrições aos direitos dos estrangeiros no que toca aos meios de comunicação, amenizou a vedação total anteriormente prevista no Estatuto, que proibia além da propriedade de empresa jornalística, de televisão e radiodifusão, a participação acionária e a orientação intelectual ou administrativa dessas empresas. Se antes a proteção contra a ameaça estrangeira era total, hoje há uma notável mudança de orientação, mesmo que ainda persistam restrições que não se justifiquem no mundo de informação globalizada e acesso à rede mundial de computadores, tais como o direito privativo a brasileiros em dirigir o conteúdo da programação e a responsabilidade editorial. Essas restrições não passam de legado autoritário e anacrônico de fobia do estrangeiro em razão da segurança e da construção nacionalista de Estado.

É importante ressaltar que o anacronismo do Estatuto é evidente nas restrições relacionadas à navegação de cabotagem, à propriedade e exploração de aeronaves, à corretagem de navios, de fundos públicos, leilão e despacho aduaneiro, a ser prático de barras, portos, rios, lagos e canais, à posse e à manutenção ou operação de aparelho de radiodifusão, radiotelegrafia ou similar.

Conforme o art. 106, VII, do Estatuto, é proibido ao estrangeiro participar da administração ou representação de sindicato ou associação profissional, bem como de entidade fiscalizadora do exercício de profissão regulamentada. A restrição, todavia, se refere aos cargos diretivos e não à inscrição do estrangeiro nessas entidades. Dessa maneira, não há razão que justifique tal limitação. Por qual motivo aceita-se os imigrantes na associação como inscrito, mas lhe é vedada a participação diretiva? O simples fato de ser nacional de outro país o torna nocivo para a subsistência e interesses dessas entidades, ou

trata-se de mera proteção ao inscrito brasileiro, explícito corporativismo, para que esse possa ascender a cargos diretivos sem que haja competição com o estrangeiro? Uma das justificativas para a manutenção dessa restrição encontra-se novamente na potencial nocividade do estrangeiro, cujos interesses podem colocar em risco o trabalhador brasileiro68. Ainda é interessante ressaltar que a inscrição de estrangeiros nessas entidades é permitida inclusive em caráter temporário se este a solicitar na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob regime de contrato ou a serviço do governo brasileiro (art. 99 do Estatuto), o que dota de maior falta de sentido a restrição do inciso VII.

No mundo atual da rede mundial de computadores, de aparelhos celulares com acesso à internet, de diversas redes sociais, dentre outras tecnologias, que transformaram a comunicação e a troca de informações entre os homens, tudo com velocidade espantosa, não possui o menor sentido a restrição prevista no inciso IX do art. 106. A vedação em possuir, manter ou operar, mesmo como amador, aparelho de radiodifusão, de radiotelegrafia e similar, não tem efeito prático diante da impossibilidade de controle dessa restrição.

Por fim, a restrição do inciso X do art. 106 em relação à proibição do estrangeiro em prestar assistência religiosa às Forças Armadas brasileiras também é desprovida de sentido. A Constituição da República de 1988 dispôs em seu art. 5, VII, ser assegurada, nos termos

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É importante ressaltar que a restrição ao estrangeiro nas associações sindicais permanece no Estatuto do Estrangeiro, mas suas raízes remetem ao corporativimo dos anos 1930. De acordo com Fausto (2011), no Estado Getulista de 1930 a 1945 seguiram-se leis de proteção ao trabalhador e de enquadramento dos sindicatos. Estes foram definidos como órgãos consultivos e de colaboração com o poder público. Ao governo atribuiu-se um papel de controle da vida sindical. Fausto explica que, sob a política trabalhista do Estado Novo, adotou-se o princípio da unidade sindical, tornando o sindicato ainda mais dependente do Estado e reforçou-se a estrutura sindical vertical já existente com a criação de federações regionais e confederações nacionais. Em 1940, foi criado o imposto sindical, uma espécie de financiamento do sindicato e de sua subordinação ao Estado. Por meio deste imposto, deu-se suporte à figura do "pelego", isto é, o dirigente sindical que não agia no interesse dos trabalhadores, mas sim no interesse próprio e do Estado, amortecendo atritos entre este e aqueles. O imposto sindical facilitou a existência desse tipo de dirigente, pois o pelego não tinha a necessidade de atrair para o sindicato uma grande massa de trabalhadores, uma vez que o imposto era a garantia de sobrevivência do próprio sindicato, sendo o número de trabalhadores associados um fator de importância secundária. Nesse contexto corporativista de atrelamento dos sindicatos ao Estado, restringia-se a associação do estrangeiro, não somente para afirmar a proteção ao trabalhador brasileiro, como também para evitar a disseminação de ideias relacionadas ao anarquismo, ao comunismo e ao sindicalismo europeu, contrárias ao interesse estatal e presentes no discurso político de muitos imigrantes de origem europeia. A eclosão da Segunda Guerra Mundial também repercutiu na política de restrição aos estrangeiros, principalmente em relação aos japoneses. Para maiores informações consultar Endrica Geraldo, A "lei de

da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva, não fazendo menção a nenhuma restrição quanto à nacionalidade daquele que presta essa assistência. A restrição do Estatuto não só fere a laicidade do Estado, pois este passa a disciplinar sobre uma característica específica de um sacerdote religioso, mas também fere a própria liberdade religiosa prevista na Constituição. Enquanto a previsão constitucional de assegurar a assistência religiosa se faz em termos genéricos, remetendo inclusive à lei específica, o Estatuto estabelece restrição ao tipo de sacerdote, extrapolando os limites de um Estado laico. A liberdade religiosa, a seu turno, é desrespeitada em casos nos quais a pessoa que recebe a assistência professa uma religião não comum no Brasil, que possua apenas sacerdotes estrangeiros. Ora, se a assistência é assegurada na Constituição, ela deve ser prestada de qualquer maneira, não importando a nacionalidade do sacerdote, sob pena de desrespeito ao próprio texto constitucional.