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CAPÍTULO 4. O ESTATUTO DO ESTRANGEIRO

4.4. Restrições a Direitos Políticos

O art. 107 do Estatuto estabelece restrições a direitos políticos dos imigrantes no Brasil. De acordo com ele, o estrangeiro não pode exercer atividade de natureza política, nem se imiscuir, direta ou indiretamente, nos negócios públicos do Brasil. Além dessa vedação genérica, não podem os imigrantes organizar, criar ou manter sociedade ou quaisquer entidades de caráter político, ainda que tenham por fim apenas a propaganda ou a difusão, exclusivamente entre compatriotas, de ideias, programas ou normas de ação de partidos políticos do país de onde são originários. É negado o direito de exercer ação individual, junto a compatriotas ou não, no sentido de obter, mediante coação ou constrangimento de qualquer natureza, adesão a ideias, programas ou normas de ação de partidos ou facções políticas de qualquer país. Também não podem organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza, ou deles participar, com fins políticos, ideológicos e partidários.

Entretanto, o Estatuto não proíbe a associação de estrangeiros para fins culturais, religiosos, recreativos beneficentes ou de assistência. Eles podem se filiar a clubes sociais e desportivos, e a quaisquer outras entidades com fins semelhantes, bem como participarem de reunião comemorativa de datas nacionais ou acontecimentos que possuam grande

relevância patriótica. Contudo, essas entidades, caso possuam mais da metade de associados estrangeiros, somente podem funcionar mediante autorização do Ministro da Justiça. Aliás, sempre que este considerar conveniente aos interesses do Brasil poderá impedir a realização de conferências, congressos e exibições artísticas ou folclóricas por estrangeiros (art. 110 do Estatuto).

Essas vedações aos direitos políticos dos estrangeiros são previstas também no corpo constitucional brasileiro. A Constituição da República de 1988 prevê em seu art. 14 que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, mas não podendo alistar-se como eleitores os estrangeiros, pois a nacionalidade brasileira é condição de elegibilidade.

Dessa maneira, são vedados aos imigrantes no Brasil tanto o direito ao voto quanto o de ser votado. Tais proibições não se justificam no mundo atual de globalização econômica e ausência de fronteiras para as informações e ideias políticas, ainda mais com a existência de blocos regionais de integração, por exemplo, o Mercosul. A restrição ao direito político impede que o estrangeiro participe plenamente da sociedade receptora, reduz sua capacidade de reivindicação social e jurídica, impossibilitando essencialmente o tratamento igualitário em relação aos nacionais. A existência da restrição política, talvez seja uma das mais graves aos direitos dos estrangeiros, pois é aquela que lhes confere perpetuamente a condição de cidadão de segunda categoria, de pessoa que jamais poderá se integrar de forma plena à sociedade que o recebe. Se o imigrante reside na sociedade brasileira, qualquer alteração política, qualquer rumo que a política tome, tanto lhe afeta quanto aos nacionais brasileiros. Se não pode eleger e nem ser eleito, isso implica que o imigrante é uma pessoa sem representação política no Brasil, logo fora do conjunto denominado povo, pois este é o detentor do poder delegado aos representantes da nação e só o tem quem é povo: "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição" (art. 1, parágrafo único da Constituição Federal de 1988).

Assim, a restrição a direitos políticos aos estrangeiros é contraditória dentro do sistema constitucional brasileiro, pois não apresenta sentido diante das previsões constitucionais acerca dos princípios fundamentais que guiam e informam o Estado e sua ordem jurídica, como a do preâmbulo constitucional: "representantes do povo brasileiro,

reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias"; a do art. 1º, "a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos [...] a cidadania, a dignidade da pessoa humana [...], o pluralismo político"; a do art. 3º, "constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação"; e, por fim, a do art. 4°, parágrafo único, "a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações".

A ausência de concessão de direitos políticos aos estrangeiros somente se justifica em um contexto de exceção, autoritário e onde haja o controle de ideias políticas, tal como em um mundo outrora bipolar, onde acima dos direitos humanos estavam a segurança nacional e o medo do estrangeiro.

Se grave é a restrição ao direito de votar e ser votado, grave também é a possibilidade legal de controle cultural de acordo com a conveniência do Ministro da Justiça, o qual sempre que considerar nocivo ao interesse nacional poderá impedir a realização por estrangeiros de conferências, congressos e exibições artísticas ou folclóricas. A atividade política não se resume ao voto, pois possui a faceta da atuação pública entre homens por meio do diálogo e das trocas culturais. Dessa forma, a restrição meramente conveniente à exposição cultural do imigrante na sociedade receptora possui não só caráter preconceituoso, mas também não pluralista.

Todas as restrições aos direitos políticos dos estrangeiros previstas no Estatuto não se justificam em uma sociedade pluralista, que preze pela ação entre homens em razão de um viver inter homines esse (ARENDT, 2010). O caráter vetusto dessas restrições não possui, porém, ausência de vozes que o critiquem.

Salta aos olhos que, se quiser deixar para trás o legado da ditadura militar, em lugar de um Estatuto do Estrangeiro, o Brasil precisa de uma Lei de Migrações, capaz de dar forma jurídica a uma política legítima. Ela deve ser acompanhada de emendas constitucionais que eliminem as restrições injustificadas dos direitos dos estrangeiros que figuram na Constituição Federal. A anacrônica negação de seus direitos políticos é uma delas. O Brasil vai ficando isolado num continente em que o direito ao voto dos migrantes já foi reconhecido por Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador, México e Peru. A propósito, para estar à altura da inserção internacional que hoje pretende, nosso país deveria aprovar e promover a “Convenção das Nações Unidas para a proteção de todos os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias”, de 1990. A Convenção foi enviada ao Congresso Nacional em dezembro de 2010, e sua tramitação se dá separadamente à do já citado Projeto de Lei sobre o Estatuto do Estrangeiro, o que engendra um sério risco de futura inconsistência jurídica. (VENTURA, ILLES, 2012).