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CAPÍTULO 5. OS BOLIVIANOS EM BUENOS AIRES

5.2. A Presença Boliviana no Espaço Público da Cidade de Buenos Aires: Espaços de

5.2.3 As Rádios Bolivianas em Buenos Aires

Bermudes (2012) afirma que, em Buenos Aires, existe uma notável e desenvolvida rede de informação entre os bolivianos responsável por oferecer desde notícias da Bolívia e da Argentina a diversos assuntos de interesse da vida imigrante na cidade portenha. As rádios comunitárias bolivianas, dedicadas aos imigrantes, fazem parte dessa rede, apresentando músicas, notícias e até classificados.

Em meados de 1975, tinha-se conhecimento de programas voltados para a comunidade boliviana dentro de rádios dirigidas por argentinos. Todavia, a partir dos anos 1980, mais precisamente com a retomada da Democracia na Argentina, começaram a surgir rádios piratas e comunitárias voltadas integralmente para a coletividade boliviana. Hoje, é possível identificar mais de vinte programas de rádio com atrações destinadas aos bolivianos e algumas emissoras propriamente dirigidas por esses indivíduos (GRIMSON, 2011).

Os programas existentes apresentam diferentes formas de abordagem junto à comunidade boliviana, mas possuem traços semelhantes. Alguns focam seu conteúdo em músicas que realçam a cultura boliviana, outros tentam construir a ideia para os ouvintes de que os bolivianos devem organizar-se como comunidade consciente de sua unidade em solo argentino, para reivindicarem melhorias de vida, direitos e realmente sentirem-se integrantes da sociedade portenha. Um dirigente de um programa de rádio voltado para a comunidade boliviana, afirmou que em Buenos Aires

[…] la “cultura boliviana” no se encuentra difundida, no hay un buen servicio en salud, educación y actividades sociales para los migrantes, y hay una desunión entre los pueblos latinoamericanos, algunos de los cuales se encuentran en Buenos Aires en una situación similar a la de los bolivianos. Revirtiendo estas carencias se puede lograr que “la colectividade boliviana alguna vez se inserte en la comunidad argentina como grupo social, […] que empiece a vivir realmente en comunidad." (GRIMSON, 2011, p. 115).

Por outro lado, outro dirigente afirmou que em seu programa

[…] tratamos de fomentar la participación y decir que si participamos podemos de algún modo llegar a correr ciertos personajes y postular otros o postularte si vos sabés que tenés algo armado […] tratar de hacer un programa de radio serio que represente a la colectividad boliviana, pero creo que para eso falta un poco más; por ahora queremos demonstrar que estamos orgullosos de ser bolivianos […] recién se está gestando la idea de que sería bueno organizarse para que podamos tener voz, para que podamos defender nuestros derechos. (GRIMSON, 2011, p. 116).

O que se pode notar é que as emissoras e os programas bolivianos em Buenos Aires fazem parte não somente de um processo de valorização cultural da identidade boliviana na Argentina, como também do processo de organização da sua coletividade no espaço público portenho. Os radialistas buscam incentivar a participação dos imigrantes em organizações existentes, sem deixar de emitir uma opinião crítica sobre a atuação de cada uma delas. Algumas chegam inclusive a oferecer serviços e ajuda social, organizando campanhas para arrecadar brinquedos, agasalhos, roupas de verão, dentre outros artigos, mas elas não são isentas de críticas feitas a seus membros, que estão sempre sob a vigilância e sob algum comentário por parte das rádios, tanto positivos quanto negativos.

A valorização da identidade boliviana é, muitas vezes, acompanhada da própria construção de uma identidade latino-americana em solo argentino. Em seus programas, as rádios conferem aos imigrantes um sentido de maior integração na sociedade portenha, pois mesmo habitando um país diferente do seu, manifestam que estão em um país pertencente ao mesmo grupo que o seu. Esse é o sentido da valorização de uma latinoamericanidad: apesar de distante da terra natal, ainda se está em casa. Esse discurso pode ser reconhecido, por exemplo, no relato colhido por Grimson (2011) de um radialista boliviano em Buenos Aires:

Se pasa música estritamente boliviana, folklore boliviano […] me da pie para que cuando un país latinoamericano cumple con el aniversario nacional, el programa se dedique íntegramente a rendirle homenaje a este país hermano latinoamericano, pasando su música, su historia, dedicándole un homenaje a partir de la página editorial y saludando a cuanto residente paraguayo, peruano o chileno haya en el lugar donde funciona el programa.

Em determinados programas, os radialistas chegam a justificar a imigração boliviana para Buenos Aires em termos de "herança cultural". Alguns consideram a cultura portenha muito europeizada, "gringa", fruto dos navios espanhóis (GRIMSON, 2011). Para eles essa não é a verdadeira cultura latino-americana, pois não valoriza e tampouco reconhece o passado indígena do continente Sul-Americano. Destarte, os imigrantes bolivianos apresentam-se como os verdadeiros depositários da "real cultura latino-americana”, assinalando que são eles os herdeiros dos habitantes originários do continente, o que lhes garantiria o direito inquestionável de migrar para Buenos Aires e nesse solo viver.

Por mais questionável e polêmico que seja o argumento utilizado pelos radialistas bolivianos em relação à herança da terra latino-americana, não deixa de ser um posicionamento político importante, pois demonstra uma forma de reivindicar e justificar o direito a habitar a cidade de Buenos Aires de maneira igual ou até com maior razão em relação aos próprios portenhos. Desse modo, indica um posicionamento, uma ação reivindicativa de direitos da coletividade boliviana frente à sociedade maior, receptora, demonstrando sentido de pertencimento.

Esse sentido de pertencimento é também reforçado quando muitos ouvintes participam da programação das rádios para enviar saudações a amigos e familiares,

ampliando a comunicação e diminuindo a distância cultural e física entre seus compatriotas e a própria sociedade portenha. As rádios possibilitam a ampliação das teias de relacionamentos entre os próprios imigrantes e a sociedade receptora.

De acordo com a programação das rádios, podem ser definidos três níveis de atuação, complementares e auxiliares, na construção da identidade boliviana em diálogo constante com a sociedade portenha. O primeiro nível pode ser sintetizado na relação que os programas estabelecem com a própria coletividade boliviana, executando músicas bolivianas, contemporâneas e folclóricas, organizando campanhas assistenciais, executando projetos, noticiando fatos sobre as organizações civis da coletividade e estabelecendo debates críticos sobre a atuação delas. O segundo nível diz respeito à relação que as rádios estabelecem entre a comunidade boliviana e os demais imigrantes latino-americanos, por meio de músicas peruanas, paraguaias, chilenas e brasileiras, celebrando o aniversário de independência de cada país da América do Sul. Nesse segundo nível, é estabelecida uma relação mais abrangente de pertencimento aos povos da América do Sul. O terceiro nível, por fim, tem o foco voltado para os argentinos, para toda a sociedade portenha (GRIMSON, 2011). Ou seja, é a atuação das rádios bolivianas com o fim de valorizar a cultura boliviana frente aos argentinos, para que possam conhecê-la, entendê-la e respeitá-la.