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CAPÍTULO 6. OS BOLIVIANOS EM SÃO PAULO

6.2. A Presença Boliviana no Espaço Público da Cidade de São Paulo: Espaços de Ação,

6.2.5 Bolivianos na Região Central de São Paulo

Na região central de São Paulo há presença marcante dos imigrantes bolivianos, principalmente em razão das oficinas de confecção, onde muitos trabalham e outros são donos. Nesses bairros centrais há grande contato, mesmo que muitas vezes apenas visual, entre os brasileiros que também trabalham no centro e os bolivianos. Existe, portanto, uma constante troca de impressões entre ambos em uma frequente negociação de identidades.

Essa concentração em alguns espaços da região central não tem a ver com o desejo de formar ruas ou bairros étnicos, tal como se observa frequentemente nas cidades norte- americanas (VIDAL, 2012, p. 97). Nesses espaços as relações são fluídas, não fisicamente intensas, porém visualmente frequentes. Existem casais mistos, na maioria dos casos um homem boliviano com uma mulher brasileira, homens dos dois países jogando futebol juntos nos finais de semana, dentre outros contatos que se não caracterizam uma plena integração, também não estabelecem uma separação estanque.

Depois de alguns anos radicados, muitos dos bolivianos que ali estão vão se tornando parte integrante da região central de São Paulo. Entretanto, segundo Vidal (2012), com exceção dos radicados há muitos anos, as relações com os brasileiros ainda permanecem limitadas. Os que trabalham na costura dispõem de pouco tempo para experimentar uma sociabilidade fora do expediente das oficinas, pois trabalham em média doze horas por dia, frequentemente seis dias por semana e dedicam o pouco tempo livre para o descanso, a família, a religião, compras e visitas a parentes e compatriotas. Muitos não dominam suficientemente o português, o que contribui para que sejam mais retraídos em relação aos brasileiros.

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AÇÃO EDUCATIVA; CENTRO DE APOIO AO MIGRANTE. Plenária: O direito à Educação da População Imigrante na cidade de São Paulo. (Sistematização de dados das duas Plenárias). São Paulo, 2010, p. 3-4.

De acordo com Vidal (2012), a maioria dos brasileiros que trabalha na região central não enxerga os bolivianos de maneira xenófoba, não os acusa de invasores e nem deseja que voltem para a Bolívia, tampouco acredita que lhe roubam empregos. Ademais, não os enxergam em suas diferenças étnicas. Para a maioria brasileira, todos os bolivianos são bolivianos e não pacenhos, cochabambinos, aymarás, quéchuas; todos integram o mesmo grupo.

Contudo, se os brasileiros que trabalham na região central não têm essa ótica xenófoba, isso não quer dizer que não observam os imigrantes bolivianos com algum preconceito, ou simplesmente de alguma maneira pejorativa. Para Vidal (2012), os brasileiros os veem principalmente por meio de três categorizações: os compreendem como índios, detentores de outra cultura e como sujeitos a trabalho escravo, por serem associados à exploração nas oficinas de costura.

Os bolivianos que estão na região central de São Paulo, por sua vez, estabelecem narrativas sobre os brasileiros com quem interagem, afirmando que eles não são racistas como os argentinos, que eles não os discriminam, pois são misturados, enquanto os argentinos são brancos e europeus (VIDAL, 2012). Segundo eles, a discriminação encontrada na Argentina se deve ao mesmo tempo ao fato de ser estrangeiro e não ser da mesma "raça".

Nesse sentido, a visão dos bolivianos que trabalham na região central sobre os brasileiros, de que esses são misturados e não brancos como os argentinos, resgata uma característica importante da região central de São Paulo: um local historicamente acolhedor de diversos fluxos migratórios. Os bairros centrais de São Paulo possuem um rico leque de diferentes comunidades de imigrantes, por exemplo, os italianos, os libaneses, os coreanos, japoneses, espanhóis e portugueses, que por muitos anos não só habitaram essas localidades, mas também construíram seus comércios. Além desses imigrantes, é importantíssimo anotar a presença dos nordestinos, que ocupam hoje de modo significativo, tanto no comércio quanto residencialmente, a região central de São Paulo.

Nesse diapasão, Vidal (2012) aponta que a própria falta de enraizamento com a região central que os brasileiros que ali ocupam possuem, favorece o recebimento sem atitudes xenófobas perante os imigrantes bolivianos. Ou seja, os nordestinos que ali estão também migraram de um diferente local para em São Paulo tentarem melhorar a vida. Os

bolivianos seriam vistos, portanto, em semelhante situação. Ademais, a associação que os brasileiros fazem dos bolivianos em relação ao trabalho escravo, faz com que não aspirem por seus postos de trabalho.

A primeira está no fato de que os costureiros bolivianos não competem com os brasileiros no mercado de trabalho. Eles se concentram principalmente em pequenas fábricas e oficinas de costura, e não se encontram na construção civil e no emprego doméstico, como é o caso da Argentina. Além do mais, as oficinas em que trabalham os bolivianos ocupam uma posição específica no setor da confecção, atendendo rapidamente as demandas das lojas. Com efeito, essas oficinas têm a capacidade de mobilizar uma mão de obra capaz de produzir rapidamente as quantias requeridas pelo comércio num segmento da economia caracterizado por ciclos produtivos curtos. A produtividade maior dessas oficinas se deve ao ritmo de trabalho mais intenso e ao custo menor do que nas fábricas que empregam costureiros brasileiros, mais sensíveis ao respeito do direito do trabalho e momentos de folgas regulares. A capacidade de reação das oficinas de costura às lojas de roupa também supõe a proximidade da zona de produção com a zona de comércio, o que explica a forte concentração de bolivianos nos bairros centrais, próximo do Brás e do Bom Retiro nos quais varejistas das regiões Sudeste e Sul se aprovisionam. Por todas essas razões, os migrantes bolivianos têm uma inserção no mercado de trabalho que é essencial ao funcionamento da indústria do vestuário e não desperta inveja nenhuma entre os brasileiros. “Eu não gostaria de trabalhar em oficina de costura. Eu não sou escrava. Lógico, que a escravidão acabou no Brasil há muitos anos atrás, mas minha avó, ou minha bisavó, foi escrava mesmo. Trabalhar em oficina de costura? Eu? Jamais! Eu acho melhor ganhar uma merrequinha. Eu não vou ser escravizada”. (Mária das Graças, 35 anos, faxineira). “Eu não sou boliviano, eu sou brasileiro. Eu gosto de assistir meu jogo, eu gosto de tomar cerveja, eu gosto de folgar. Eu não estou a fim de ter a vida deles, eu não gosto dessa vida, é só trabalho, trabalho, trabalho”. (Marcos, 43 anos, mecânico). (VIDAL, 2012, p. 102-103).

Dessa maneira, os brasileiros da região central de São Paulo parecem não competir com os bolivianos no nicho econômico em que estão inseridos. Além disso, normalmente demonstram uma visão de que a vida deles é melhor que a dos bolivianos, pois não são explorados e possuem mais direitos que eles. Todavia, os enxergam positivamente como pessoas trabalhadoras, discretas e reservadas, o que pode enfatizar a falta de interação além do mero contato visual.

Assim, a região central de São Paulo tem sido um dos principais locais de residência da coletividade boliviana. Entretanto, apesar dos consideráveis números de imigrantes

bolivianos, alocados em um nicho econômico específico, o contato com os brasileiros da mesma região, nordestinos, paulistanos, descendentes de outros imigrantes, ainda pode ser considerado superficial, apesar de grande, e, se não é dotado de xenofobia, também não é desprovido de preconceito e estigmatização.