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6 Prática docente: Narrativas dos professores sobre algumas de suas ações

7.1 A importância do conhecimento específico para exercer a docência

Dos dez professores entrevistados para esse estudo, oito possuem doutorado e apenas dois possuem somente o mestrado.

Considerando essas informações, procurei saber dos professores entrevistados sobre a importância do conhecimento específico, obtido no

percurso acadêmico, para exercer a docência.

Em relação a esse contexto, a professora Cássia traz o domínio do conteúdo de sua área de formação/atuação como essencial. Ela diz que um docente que não

domina o conteúdo não é bom docente. Mas ela já possui discernimento para saber que o conteúdo adquirido ao longo da formação não é tudo, não é suficiente. Ela

esse domínio de conteúdo que construímos enquanto aluno dá uma confiança danada ao professor [...], pois eu vi muito mais matemática do que meus alunos chegarão a ver até o último período[...] essa parte me dá segurança, porque sempre tem um aluno inteligente que pergunta coisinhas que a gente às vezes pode não saber. Então, até sei que o professor não é obrigado a saber tudo, mas é sempre bom ser confiante.

Comungando da mesma concepção que Cássia, o professor Marcos sublinha que a minha vida acadêmica me trouxe segurança do que vou falar, para

saber onde vou usar e de onde vou extrair os conteúdos. Adotando uma postura

empática, Marcos fala com convicção: agora eu falo com o aluno que está sentado,

como se fosse eu: “Olha, você tem que aprender isso, porque depois você vai usar, vai necessitar, vai precisar.”

Um dos raríssimos reconhecimentos feitos no decorrer desse estudo foi quanto à importância dos conteúdos/disciplinas de cunho pedagógico. A professora Lúcia destaca que uma das contribuições de seu processo formativo acadêmico foi o

estudo das disciplinas pedagógicas. Porém, Lúcia explica que se recordou dessas

disciplinas

[...] porque eu tive de dar aulas dessas disciplinas quando cheguei aqui. [...] quando você está fazendo a disciplina pedagógica na licenciatura, você acha que não vai lembrar daquilo por não ser da sua área, acha que é só uma complementação, porque na verdade você está fazendo um curso de física. Então, por mais que o curso seja licenciatura, o aluno não vê como se ele estivesse se formando para ser professor, você é um físico, e o que tem na cabeça é isso. Assim, aquela parte pedagógica é deixada de lado. [...] quando comecei a estudar para dar aulas das disciplinas pedagógicas, acabei recordando de algumas coisas, mas eu tive de estudar muito. As disciplinas de física, todas elas me ajudaram [...] os exercícios e algumas aulas preparei com meu material da graduação.

Vale ressaltar que a professora Lúcia, conforme o seu relato, menciona recordar e buscar novamente as disciplinas pedagógicas no momento em que ingressou na docência e as assumiu para ensinar. É uma professora que está iniciando a profissão docente e que, pela formação e pelo relato, parece não possuir conhecimento pedagógico necessário à formação do futuro professor, no entanto, desenvolve uma disciplina pedagógica, logo que ingressa na profissão. Entendo que essa é uma situação que carece ser repensada pelos gestores dos cursos/instituição, inclusive podendo ser objeto de discussão e estudo da equipe responsável pela formação docente na universidade.

A professora Lúcia, que é licenciada, diz que

a formação na graduação teve as disciplinas de didática, de organização escolar, as práticas pedagógicas, a psicologia da educação. [...] eu terminei

a graduação em 2009 e quase 10 anos depois ingressei na docência. Então, isso já estava muito distante, embora tenha um reflexo, uma influência, não é uma coisa tão direta. A formação que eu tive de pós- graduação, tirando o estágio de docente que era uma obrigação, não contribuiu muito para minha formação como docente. [...] O programa de pós é em química pura. A minha atuação em sala de aula é meio que intuitiva [...]. Não posso dizer: “Eu me basiei em teórico tal”. Não tem isso!

Pelos relatos, parece ficar evidenciado que os conteúdos das disciplinas pedagógicas trabalhados nos cursos de licenciatura podem até ser rememorados pelos docentes quando ingressam na profissão. No entanto, a primazia dada aos conteúdos da área de formação, no momento em que estão na condição de estudante, impede de se apropriarem deles para (re) significá-los e utilizá-los na prática.

Para a professora Denise, a contribuição do percurso acadêmico para se constituir professora foi só na pós-graduação. Ela disse que

a graduação ensina bastante, mas a pós-graduação me direcionou a dizer: “olha, esse é o rumo certo que eu quero seguir”. [...] “Olha, você tem um perfil para uma docência, porque você consegue administrar um pequeno grupo para uma pesquisa”. [...] a graduação, bacharelado, te prepara para o trabalho individual, pois dependendo do tipo de bacharelado, você vai trabalhar dentro de indústria. A licenciatura mostrou o tempo todo que eu ia trabalhar com pessoas. Mas foi na pós que me defini pela docência na universidade, porque conduzia bem grupos de pesquisa.

Denise deixa claro que, mesmo definindo-se pela docência enquanto fazia a pós-graduação, a opção foi feita baseando-se nos trabalhos desenvolvidos no decorrer da orientação de grupos de pesquisa e não em atividades de prática docente. Ela não evidencia o quanto e em que aspectos esses estudos contribuíram para a sua formação como docente, destacando apenas as ênfases de cada uma delas.

Para este estudo, ouvi professores com os três perfis de graduação: bacharelado; licenciatura; licenciatura e bacharelado. Vejo que são visões que se complementam e nos possibilita perceber que todas as graduações contribuem para o docente, no que tange aos conteúdos da área de formação específica. Porém, quanto à área de formação pedagógica, mesmo o docente que afirma ter estudado as disciplinas pedagógicas, não consegue evidenciar significativa contribuição para sua constituição enquanto docente. Quanto à pós-graduação, o fato de ter realizado estágio de docência universitária também pouco contribui para essa finalidade, considerando que os professores afirmam que os planejamentos já vêm prontos para serem desenvolvidos e seu papel como estagiário se resume em revisar

assuntos estudados, aplicar e corrigir exercícios, conforme já explicado em capítulo anterior.

A partir desses relatos, ficam algumas interrogações: Qual a verdadeira função das disciplinas de cunho pedagógico e dos estágios supervisionados que compõem os currículos dos cursos de licenciatura? A forma como essas atividades são desenvolvidas tem contribuído para a formação do futuro docente? Como são desenvolvidos os estágios de docência na pós-graduação? O que leva os professores que ingressam na docência universitária, que cursaram disciplinas pedagógicas e estágios supervisionados na graduação, a não os reconhecerem como experiência de formação docente no momento em que ingressam na docência universitária? Por que os docentes não reconhecem contribuições do estágio de docência65 como momentos de formação docente ao ingressarem na carreira

universitária?

Quanto à realização de monitoria na graduação, apenas cinco dos dez professores entrevistados afirmaram tê-la realizado. Quanto ao formato da monitoria, relataram que o professor passava a lista de exercícios que eles deveriam ajudar a resolvê-los com os alunos, restringindo-se em revisão de conteúdos, já desenvolvidos pelo professor daquela turma.

Quanto à realização de estágio de docência na pós-graduação, sete professores afirmam tê-lo realizado. No entanto, ressaltaram que essa modalidade funcionou como uma espécie de monitoria, pois nessa função eles apenas auxiliavam o professor nas aplicações/resoluções de atividades/problemas, na preparação das aulas experimentais e na correção de provas. Relataram que tiveram a oportunidade de ministrar aulas teóricas, mas foi com planejamento e material prontos preparados e fornecidos pelo professor. Tiveram apenas de estudar para responder os questionamentos pelos alunos.

Resultados semelhantes a esses também foram encontrados por Ribeiro (2012) em pesquisa desenvolvida com 15 professores universitários que haviam desenvolvido estágio de docência em seus cursos de pós-graduação. Corrobora Feldkercher (2015) quando em seus estudos constatou que os professores que entrevistou, ao falarem sobre o estágio de docência ou realizaram algumas aulas

65 “O estágio de docência é parte integrante da formação do pós-graduando, objetivando a

preparação para a docência, e a qualificação do ensino de graduação sendo obrigatório para todos os bolsistas do Programa de Demanda Social” (artigo 18, Portaria n. 76/2010, CAPES, BRASIL).

eventuais, desconsideram que tais atividades os tenham formado professores. Registra, ainda, que todas as atividades pertinentes à prática docente foram exercidas minimamente, o que os impediu de vivenciar experiências reais de docência.