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A formação inicial e continuada de professores universitários tem sido tema de debates nacionais e internacionais na contemporaneidade. Zabalza (2004, p. 145) ressalta que “parece evidente que a formação dos professores universitários, no sentido de qualificação científica e pedagógica, é um dos fatores básicos da qualidade na universidade”.

O desafio, de acordo com Felden (2013), tem sido pensar e refletir sobre o tipo de formação de que necessita o professor universitário que o possibilite aprender a ensinar e construir a sua identidade enquanto docente e, nesse processo, definir as bases de conhecimento para o ensino e para as teorias fundamentais que precisam estar integradas e implícitas nesse decurso.

Nas discussões mais específicas sobre formação continuada de professores, Nóvoa (2007, p. 61) advoga que uma formação de professores precisa ser construída dentro da profissão, isto é, “baseada numa combinação complexa de contributos científicos, pedagógicos e técnicos, mas que tem como âncora os próprios professores, sobretudo os professores mais experientes e reconhecidos”.

O autor alerta que a formação de professores tem ignorado, com veemência, o desenvolvimento pessoal, confundindo "formar" e "formar-se", deixando de compreender que a lógica da atividade educativa nem sempre coincide com as dinâmicas próprias da formação. O autor chama a atenção para que a formação estimule uma perspectiva crítico-reflexiva, que propicie aos professores o desenvolvimento de um pensamento autônomo e que viabilize as dinâmicas de autoformação (NÓVOA, 1992).

O comprometimento e o envolvimento em um processo de formação demandam um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, visando à construção de uma identidade pessoal e profissional. A formação constrói-se por meio de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re) construção permanente de uma identidade pessoal.

Para ajudar a pensar nas propostas de formação, Marcelo Garcia (1999) indica alguns princípios que sustentam a formação de professores:

a) É um processo contínuo. Ainda que seja construído por fases, claramente diferenciadas pelo seu conteúdo curricular, deverá manter alguns princípios éticos, didáticos e pedagógicos comuns, independentemente do nível de formação de professores que está em questão. Portanto, não se pode pretender que a formação inicial ofereça “produtos acabados”, mas, sim, compreender que é a primeira fase de um longo e diferenciado processo de desenvolvimento profissional.

b) Necessidade de integrar a formação de professores em processos de mudança, inovação e desenvolvimento curricular. A formação de professores deve ser analisada em relação ao desenvolvimento curricular e deve ser concebida como uma estratégia para facilitar a melhoria do ensino.

c) Necessidade de ligar os processos de formação de professores com o desenvolvimento organizacional da escola. É preciso adotar uma perspectiva organizacional nos processos de desenvolvimento dos docentes. A formação que adota como problema a referência e o contexto próximo dos professores é aquela que tem maiores possibilidades de transformação na escola.

d) Necessidade de articulação e integração entre os conteúdos acadêmicos, disciplinares e a formação pedagógica dos professores. O conhecimento didático do conteúdo é de suma importância para estruturar o pensamento pedagógico do professor.

e) Necessidade de integração entre teoria-prática na formação de professores. Os professores, enquanto profissionais do ensino, desenvolvem um conhecimento próprio, produto de suas experiências e vivências pessoais, que racionalizaram e rotinizaram.

f) Necessidade de procurar o isomorfismo entre a formação recebida pelo professor e o tipo de educação que desenvolverá a posteriori. Cada nível educacional tem possibilidades e necessidades didáticas diferentes. No entanto, na formação de professores é muito importante a congruência entre o conhecimento didático do conteúdo e o conhecimento pedagógico.

g) Individualização como elemento integrante de qualquer programa de formação de professores. O ensino é uma atividade com implicações políticas, científicas, tecnológicas e artísticas. Isso implica que aprender a ensinar não deve ser um processo homogêneo para todos os sujeitos, mas que será necessário conhecer as

características pessoais, cognitivas, contextuais, relacionais etc. de cada professor ou grupo de professores, de modo a desenvolver as suas próprias capacidades e potencialidades.

h) É necessário adotar uma perspectiva que saliente a importância da indagação e o desenvolvimento do conhecimento a partir do trabalho e reflexão dos próprios professores. Isso implica que os docentes sejam entendidos não como consumidores de conhecimentos, mas como sujeitos capazes de gerar conhecimento e de valorizar o conhecimento desenvolvido por outros. A formação de professores deve estimular a capacidade crítica, por isso deve promover o desenvolvimento intelectual, social e emocional dos professores.

Diante das diferentes concepções de formação, mescladas ao entendimento de desenvolvimento profissional e identidade docente, bem como os processos de ensinar e aprender, entendo que a formação pode ser considerada um conjunto de experiências vividas pelo docente que proporciona condições de (re) elaborar sua identidade no cotidiano, e não apenas aquelas adquiridas por meio de acúmulo de cursos, de conhecimentos ou de técnicas como se pensava outrora.

Nóvoa (2011) afirma que a formação de professores ganha muito mais se for organizada, preferencialmente, em torno de situações concretas, que permita a transformação deliberativa que se dá a partir do momento em que o trabalho do professor não se traduz numa mera transposição, e sim na realização de uma transformação de saberes, obrigando-o a uma deliberação, ou seja, uma resposta a dilemas pessoais, sociais e culturais.

De acordo com Zabalza (2004), quando a própria instituição envida esforços para solucionar os problemas que inviabilizam o desenvolvimento de propostas de formação, são muito maiores as possibilidades de ela concretizar-se com êxito. Nesse sentido, é fundamental incentivar os educadores em relação à finalidade que assumem, focalizando a necessidade do compromisso de qualificar sua ação educativa pela participação nas ações de caráter formativo.

Zabalza (2004) também se pronuncia em relação àqueles que receberão a formação. Coloca em questão a necessidade de uma formação específica para os docentes iniciantes ou extensiva a todos os professores que exercem a profissão. Fala das universidades que oferecem formação aos docentes iniciantes separadamente dos mais experientes, alertando sobre a importância da participação de todos, por tratar-se de momentos formativos. Sobre isso, pondera que:

mesmo que a tarefa não seja certamente fácil, talvez seja proveitoso que as universidades continuem oferecendo oportunidades de formação a todos os seus professores, e é necessário que elas respondam adequadamente (em seus conteúdos e em sua organização) aos anseios dos professores mais experientes que são, sem dúvida, diferentes dos anseios dos professores novatos (ZABALZA, 2004, p. 159).

No entanto, alerta o autor que, ao estendê-la a todos os docentes, iniciantes e experientes, devem-se atentar aos anseios e expectativas de cada um, que estão atrelados à fase da aprendizagem da docência em que cada um se encontra, perpassando, desde as questões pertinentes ao ensino até aquelas voltadas à pesquisa, à extensão e à gestão. Não se descuidando quanto a essa questão, orienta que o planejamento deve ser realizado a partir de critérios previamente elaborados e desencadeados por gestores e coordenadores, para que se efetivem momentos, para que todos pensem sobre o que fazem, como fazem e por que o fazem, revisando e avaliando os desafios e possibilidades que precisam ser enfrentados ao buscar garantir um ensino da melhor qualidade.

Abordando a construção de uma formação contínua para professores universitários, Zabalza (2004) fala da importância de chamar para o debate os agentes da formação, esclarecendo que essa formação constitui compromisso das instâncias administrativas das universidades, advertindo a necessidade de configurá-la tomando como referência as necessidades dos professores e de seus respectivos setores.

Imbernón (2011) também traz contribuição importante nesse sentido, alertando para uma questão de extrema relevância, que é a participação dos docentes nas atividades formativas. O autor defende a não obrigatoriedade da participação do docente, quando se trata de formação continuada. Enfatiza que é necessário realizar um trabalho de conscientização dos professores sobre a necessidade da didática para melhorar a relação com a transmissão da disciplina (o conteúdo didático do conteúdo acadêmico), consigo mesmo e com os alunos. Alerta o autor que isso implica uma mudança de posicionamento da estrutura organizativa da universidade e mudanças cognitivas do professor universitário, no sentido de assumir maior comprometimento individual e coletivo em processos de reflexão e investigação, sobre os efeitos da docência universitária para compreender as práticas docentes e as situações em que elas acontecem.

Falando acerca da oferta de programas de desenvolvimento profissional oferecidos pelas universidades na Espanha, Feixas (2004) explica que a formação na maioria das universidades deste país é voluntária, de maneira que somente participam aqueles docentes que estejam interessados em melhorar sua atuação como docente. Aos gestores da formação compete buscar estratégias para responder de que modo é possível alcançar os professores que não estão conscientes do quanto essa formação lhes é importante. Isso está condicionado, também, à vontade política de incentivá-la, conforme explicitado pela autora.

Outro fator importante trazido por Imbernón (2011) é no sentido de que a melhoria da docência universitária não depende unicamente da metodologia utilizada nas aulas desse nível, mas que implica, também, o envolvimento da universidade e dos docentes no processo em desenvolvimento. Enfatiza o autor que cuidar unicamente dos aspectos técnicos das aulas universitárias, com ênfase nos aspectos metodológicos, não resolve a problemática acadêmica e pode ocasionar uma visão estereotipada do conhecimento pedagógico.

Ressalto que os alertas trazidos por Zabalza (2004) e Imbernón (2011) são de extrema relevância, pois o que se vive no contexto universitário brasileiro, na maioria das vezes, é um processo de formação pensada, organizada e definida pelos gestores, sem ouvir coordenadores de área, de curso, chefes de departamento e os próprios professores. Defiro que essa não é tarefa simples e, exatamente por isso, traduz-se em desafio para pesquisas do campo da pedagogia universitária e está presente em constantes debates de investigadores em âmbito nacional e internacional.

Advogo que a formação continuada, ao ser proposta pela instituição aos docentes que ingressam sem ter tido formação para o ensino, em especial àqueles que iniciam na profissão, não pode perder a sua característica processual, que considere, também, as suas necessidades formativas. São as iniciativas que precisam ser subsidiadas por reflexões teóricas, principalmente acerca da concepção de formação que se pretende assumir.

O professor é convocado a comprometer-se com o desenvolvimento e fortalecimento de seu campo de estudo e com as aprendizagens de seus alunos, motivo pelo qual precisa pautar seu trabalho numa dimensão científica, como investigador e igualmente na dimensão pedagógica, como profissional responsável com a formação e com a aprendizagem de seus estudantes. O entendimento é de

que a busca da melhor qualidade na educação passa indiscutivelmente pela revisão das práticas docentes, visto que a qualidade vincula-se, também, à docência.

Imbernón (2011) enfatiza que seria imprescindível e desejável que todo docente universitário, para evoluir na profissão, tivesse uma formação inicial na docência que fosse capaz de lhe proporcionar elementos da formação profissional em seu contexto específico, o que possibilitaria refletir sobre o ensino. E, ao longo de seu desenvolvimento profissional, pudesse combinar a formação que possui do conteúdo científico e dos aspectos da docência universitária.

Acrescenta o autor que, seria fundamental, também, que todo docente universitário assumisse e se sensibilizasse, interiorizando a docência como profissão educativa, que soubesse quais as atividades pedagógicas a serem desenvolvidas para exercê-la, reconhecendo as aprendizagens relevantes, os meios didáticos de que dispõe, e que soubesse proporcionar condições para o que o aluno seja capaz de desenvolver a capacidade de compreensão acima da repetição.

E, por fim, ainda se valendo das considerações do autor, é importante pontuar que seria fundamental que a formação para a docência universitária contemplasse aspectos emocionais, sociais ou ambientais e profissionais ou didáticos. Uma formação que permitisse refletir sobre a sua própria ação e sobre a ação dos outros envolvidos nesse processo. A formação deveria ajudar no desenvolvimento da dimensão intelectual da docência universitária e não somente em conteúdos e destrezas fragmentadas e de caráter normativo. Deveria auxiliar, também, no desenvolvimento das capacidades reflexivas sobre a prática docente que permitam-lhe interpretar, compreender e refletir sobre a docência, sobre a realidade científica e social e que permita interagir e aprender com seus pares (IMBERNÓN, 2011).

Expondo seu ponto de vista sobre as funções da formação para a docência universitária, Imbernón (2011) ressalta que esta deveria permitir descobrir a teoria implícita na prática docente universitária para ordená-la, justificá-la, fundamentá-la, revisá-la e até destruí-la se for preciso; remover o sentido comum docente, a socialização do conhecimento pedagógico empírico; recompor o equilíbrio entre os esquemas práticos desenvolvidos na aula universitária e os esquemas teóricos que os sustentam. A formação deve ser um espaço para aprender a questionar o que se vê, o que se crê e o que se faz. Ajudar a pensar desde a consciência da contextualização até a complexidade do ato educativo.

Em face do exposto, compreendo que cabe à universidade o papel de tornar-se a mediadora entre o professor e as condições de aprender sobre a docência, sobre o ensino e sobre a aprendizagem. Para refletir sobre a sua própria ação e modificá-la, o docente precisa: construir referenciais dos elementos que compõem a prática docente; aprender a identificar os saberes que possui e aqueles que precisam ser construídos; entender e vivenciar situações de aprendizagem significativa; aprender o precioso valor do diálogo e da intencionalidade quando se trata de educação, de ensinar e de aprender. Isso faz parte do desenvolvimento pessoal e profissional.

Afinal, não há como o professor, enquanto profissional, desenvolver-se separado da sua pessoa, enquanto sujeito. Isaia e Bolzan (2004) sintetizam que, ao longo da sua trajetória de formação, os docentes da educação superior constroem suas concepções de docência e estas refletem os processos de aprender a ser professor. As autoras afirmam que “não existe uma fórmula ou maneira única de aprender a profissão docente. Do que se pode falar é de possíveis mecanismos ou caminhos para a consecução deste processo” (ISAIA; BOLZAN, 2004, p. 130). É preciso, então, uma vez inseridos nesse contexto de docente da educação superior, lançar-se ao desafio de se construir e se profissionalizar cotidianamente, seja por meio de processos de formação de desenvolvimento formais, seja por meio da autoformação.

O desenvolvimento pessoal e profissional de um professor é um processo longo e que precisa ser contínuo, construído e subsidiado conforme o posicionamento que ele assume diante das circunstâncias que está vivenciando. Nesse contexto, é salutar que o compromisso e o envolvimento institucional aconteçam em igual proporção, permitindo que a melhoria dos processos de ensinar e aprender ganhe sonoridade. É nesse sentido que considero que o esforço feito nessa garimpagem teórica pode contribuir.

4 Trajetória metodológica: o caminho trilhado ao longo da pesquisa

O verbo principal da análise qualitativa é compreender. Compreender é exercer a capacidade de colocar-se no lugar do outro, tendo em vista que, como seres humanos, temos condições de exercitar esse entendimento. Para compreender, é preciso levar em conta a singularidade do indivíduo, porque a subjetividade é uma manifestação do viver total. Mas também é preciso saber que a experiência e a vivência de uma pessoa ocorrem no âmbito da história coletiva e são contextualizadas e envolvidas pela cultura do grupo em que ela se insere (MINAYO, 2012, p. 623).

Como descrevi no capítulo inicial deste estudo, a formação continuada sempre se fez presente em meu percurso acadêmico e profissional e desde o mestrado volto meu olhar investigativo para esse processo, porém focalizando o ensino superior. Ao voltar-me para esse nível de ensino, por entender os desafios que são postos pela profissão, sempre me instiga o professor que não tem formação para o ensino e se insere nesse contexto, após concluir sua trajetória acadêmica. Para esta pesquisa, a inquietação inicial permanecia essa, porém, ao apresentar o projeto no Grupo de Pesquisa Pedagogia Universitária e Formação de Professores, antes de passar pelo processo de qualificação, fui instigada a inserir professores oriundos dos cursos de graduação, grau de licenciatura, por considerar que nesses cursos o docente tem contato com disciplinas de cunho pedagógico, para verificar que influência têm, ou não, esses conhecimentos para o início da docência. Ponderei e acatei a sugestão e, em um segundo momento, como se trata de formação docente a partir do ingresso na profissão, fui impulsionada a ouvir também os gestores participantes no processo, visando perceber o envolvimento institucional nesse processo.

A vivência profissional na Unifesspa levou-me a sua escolha como locus da pesquisa, por enxergar possibilidades de contribuições mais efetivas para o processo do desenvolvimento profissional do docente em constituição e que está inserido em uma universidade também em constituição, a partir dos resultados desta investigação.

Primeiro, apresento, neste capítulo, breves informações sobre a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), como instituição coparticipante da pesquisa, a fim de situar o contexto de onde os dados são coletados. Em seguida, justifico a opção pela abordagem qualitativa, entendida,

como trago na epígrafe deste capítulo, os critérios utilizados para a definição dos sujeitos e os procedimentos para a coleta e tratamento dos dados.