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6 Prática docente: Narrativas dos professores sobre algumas de suas ações

7.3 Há necessidade de espaço para discutir a prática docente na instituição?

Reconhecendo a importância de proporcionar espaços institucionais que promovam o diálogo, a interação e o debate entre os docentes sobre o que vivem e o fazem no cotidiano institucional, procurei saber dos docentes colaboradores dessa pesquisa se em algum momento eles sentiram necessidade de ter um espaço

específico para discutir sobre suas práticas. E se esses momentos seriam individuais, coletivos e/ou mediatizados por uma equipe especializada.

Alguns professores ressaltaram a importância desses momentos e sugerem que um professor mais experiente seja o mediador do diálogo. Eles dizem:

Sempre quando a gente inicia a carreira, viemos com sonhos de dar o melhor e desenvolver projetos. Precisamos conversar com alguém [...]. Eu tive essa necessidade, expus ao nosso colegiado e estamos desenvolvendo um projeto juntos. É um momento individual, quando temos as ideias, e coletivo, quando compartilhamos. E os veteranos estão junto com a gente. Na maioria das vezes são eles os mediadores de nossas conversas, pois têm mais experiência (Felipe).

Precisamos de espaço para discutir a prática e procurar parceria para desenvolver ações maiores. Eu tento fazer isso até para entender, porque não sou um profissional, eu não tenho a expertise. Então, eu penso: “você me ensina como que se faz nesse caso, ou como lida com essas situações”. Tento ficar perto das pessoas experientes. Esses momentos seriam coletivos e individuais também, desde que permitam a troca de saberes (Jorge).

Eu sinto muita necessidade de ter com quem discutir minha prática. Eu sempre converso com professor mais experiente para trocar opinião e aprender mesmo como é que se faz (Flávia).

[...] é interessante nos reunirmos para decidir o que fazer para ajudar a turma. Temos um professor que tem mais experiência e acaba sempre ajudando, mostrando o que deu certo com ele e como resolveu certas situações. [...] Ele nos passa segurança (Frederico).

Eu conversava com alguns professores mais experientes para ver se me ajudavam. [...] se tivesse um espaço para debater sobre práticas de docência, acredito que seria de grande valia. Poderia ser um espaço coletivo para ter uma troca de ideias entre outros professores, entre outros profissionais, mas tinha que ser coordenado por um especialista, um

pedagogo talvez. Acho que seria de grande ajuda para discutir algumas práticas diferentes (Paulo).

A forma como os professores evidenciam a importância de que espaços criados especificamente para discutir a prática e a inserção de um professor mais experiente, reforçada por alguns, pode ser uma sugestão a ser desenvolvida pela equipe que trabalha com o processo de formação de docentes.

Compreendo que é importante promover uma discussão mediatizada por um profissional, com conhecimento dos saberes necessários à docência, mas também com professores que já passaram por situações de conflito e aprendizagem naquele mesmo cenário e construíram os saberes experienciais, conforme definido e analisado por Tardif (2014). O autor afirma que saberes estão enraizados em um fato mais amplo: “[...] o ensino se desenvolve num contexto de múltiplas interações que representam condicionantes diversos para a atuação do professor” (TARDIF, 2014, p. 49). No entanto, destaco que considero importante que os professores façam uma reflexão crítica e coletiva sobre suas experiências, para que elas tenham, de fato, um papel formativo.

Na proposta de formação docente da Unifesspa, há uma ação intitulada “Seminários por área do conhecimento”, que são voltados para ações mais localizadas, a serem articuladas junto aos cursos, faculdades e institutos, visando promover o debate de questões voltadas à área específica de formação dos docentes. No entanto, a participação de um mediador fica a critério de cada Instituto/Faculdade/curso solicitar. Desses “Seminários por área de conhecimento68

são extraídas as experiências que são socializadas com todos os docentes da instituição, no momento em que ocorre a ação intitulada “Seminário Institucional de Formação Docente da Unifesspa69”.

Percebo que esse pode se configurar em um momento de aprendizagem interativa/colaborativa70, entendida como uma prática que se caracteriza pela

comunicação entre os pares, que por meio de um diálogo sincero trocam informações sobre sua prática cotidiana e aprendem a partir dela. Isso pode ter um

68 Visa promover o debate de questões voltadas à área específica de formação dos docentes, bem como oportunizar a socialização de práticas consideradas bem-sucedidas no que tange aos resultados das atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas pelos docentes.

69 São constituídos de vários momentos (mesas-redondas, conferências, palestras, etc.), que

congregam docentes, estudiosos e/ou especialistas da própria instituição e de instituições externas, no debate em torno de questões de interesse comum, pertinentes à docência universitária.

significado imenso e possibilitar ao professor que está iniciando olhar a sua prática, refletir sobre as ações nela desenvolvidas e vislumbrar outras/novas propostas de ação. Nessa interação/colaboração, o docente mais experiente também pode aprender, pois (re) vive a sua própria experiência e reflete sobre/a partir dela.

Nesse enfoque, Isaia e Bolzan (2004) ressaltam que para ser professor é necessário querer e colocar em andamento um processo autorreflexivo, a fim de que as atividades educativas sejam executadas de maneira consciente e se possa pensar e refletir no porquê, no como e no para que elas se desenvolvem.

Creio que é nesse sentido que o professor André evidencia a importância de um encontro com os pares para discussão de assuntos da prática, em que seja possível a troca compartilhada de não saberes e saberes relativos à docência universitária. Ele diz que:

A reunião do planejamento se limitava a dividir carga horária, preparar quem ficaria na direção no próximo mandato [...] não se discutia e não tinha um feedback. A gente não colocava em exposição os nossos obstáculos em sala de aula e as dificuldades encontradas. [...] agora que estamos começando a dar feedback das disciplinas ministradas, as teóricas e as de laboratório e também os desafios que a gente enfrenta com as disciplinas que outras faculdades ministraram, que não são da química. E o nosso ciclo de defesa de TCC. Mas é só o começo e sentimos falta desse espaço, que precisa ser mediado por alguém com mais experiência (André).

O que se constata no cotidiano docente é que uma das características mais marcantes do trabalho do professor refere-se a sua atuação individual, sozinho, entre “quatro paredes” de uma sala e os alunos. É nesse espaço e contexto que a profissão docente se desenvolve. O docente tem autonomia e independência para gerir a aula e o que nela acontece. Porém, essas condições podem contribuir para gerar o isolamento e/ou o trabalho solitário.

Sánchez Moreno e Mayor Ruiz (2000) também falam desse perfil de professor universitário e confirmam que, por trabalharem de forma muito autônoma e gozar de bastante independência, muitas vezes, principalmente nos primeiros anos de trabalho profissional, acaba gerando certa apatia.

Apesar de se ter na maioria das instituições o agendamento, em calendário, de reuniões para resolução de problemas relacionados ao processo que desenvolvem no curso, a discussão fica bem distante do trabalho que o professor desenvolve nas turmas, das experiências de ensino desenvolvidas no cotidiano e da troca de ideias entre os pares. Parece haver certo receio, por parte do professor, de

revelar a sua prática e essa ser posta em xeque pelos seus pares. Assim, o diálogo ganha outras nuances e o professor recua quanto às atividades que desenvolve na sala de aula. A interação parece acontecer quando o professor encontra outro professor que lhe inspira confiança para ouvi-lo e se dispor a ajudá-lo. Nóvoa (2011, p. 71) enfatiza que a “competência coletiva é mais do que o somatório das competências individuais”. Ressalta, também, que as experiências mais interessantes e significativas de atividades de formação de que está falando estão organizadas em torno de professores fortemente envolvidos com a profissão.

Apesar de não ter espaços específicos para que o docente discuta sobre suas práticas, é possível constatar que a proposta de formação docente em desenvolvimento na Unifesspa traz a ação intitulada “roda de conversa”71. São

espaços destinados ao diálogo de temáticas oriundas de demandas dos professores e perpassam questões desde a gestão do curso até questões de sala de aula. Como são desenvolvidos em pequenos grupos e por institutos/faculdades/cursos, pode se configurar em um importante momento de interação e aprendizagem entre os pares. Em um entendimento de que percebe o valor da troca de experiências e da discussão sobre a prática a partir dos encontros já proporcionados pela instituição, o professor Marcos diz:

eu pensava que tudo que aprendi enquanto estudante tinha que fazer com os alunos, mas ao iniciar a docência viu que não era isso. Trazia e guardava isso só para mim. Até o dia que me falaram: “na Instituição vai ter uma metodologia”. Eu tinha a dor72 da prova. Então, falei: “eu quero ver o que

está errado”. Antes disso, eu ainda não sentia necessidade de discutir a prática, mas agora sinto. Penso que seriam momentos em que alguém pudesse me ajudar a entender sobre dar aulas e a melhorar.

A narrativa de Marcos revela que não é comum o professor falar sobre eventuais dificuldades de sala. Falar sobre as suas próprias dificuldades parece ser uma atitude inadequada, como se depusesse contra a competência profissional do professor. Assim, torna-se difícil de estabelecer um ambiente propício para que os docentes possam discutir seus próprios erros e buscar soluções em conjunto.

71 Até o momento em que realizei este estudo, pude constatar, por meio dos relatórios das ações

desenvolvidas em 2016 e 2017, que foram realizadas cinco rodas de conversa, mas que, ainda, não havia chegado a abranger todos os institutos/faculdades/cursos. É uma ação em desenvolvimento.

72 Em outro relato, em uma das páginas seguintes desse subcapítulo, o professor Marcos retoma

Ressalto que a proposta de formação73 em desenvolvimento na Unifesspa,

ao propor a realização de “Seminários Institucionais de Formação74”, destina um

momento para a realização de uma mesa-redonda intitulada “Vivências do/no ensino superior: relatos e reflexões”75, que objetiva proporcionar a socialização das

experiências realizadas pelos docentes. Essa pode ser uma oportunidade para que os professores dialoguem sobre suas práticas, construindo um espaço privilegiado para que ocorra a aprendizagem da docência.

A partir dos relatos dos professores, trago a importância do acompanhamento ao professor iniciante, conforme pesquisado por Sánchez Moreno e Mayor Ruiz (2000), pois segundo as autoras isso pode ser feito exatamente junto de colegas mais experientes dentro da universidade, chamados “mentores”. Os professores mentores são colegas com mais experiência (professores com mais de cinco anos de experiência), com mais capacidades profissionais e com mais domínio sobre os contextos que envolvem a docência. A função desempenhada por esse professor, de acordo com as autoras, é de ajudar e assessorar o professor iniciante quanto à compreensão da cultura institucional em que se insere, guiando, aconselhando e apoiando aqueles que não possuem experiência, para que obtenham êxito na carreira.

Entendo que, assim como em várias situações de ensino e de aprendizagem, o aluno compreende melhor os conteúdos de uma aula e alcança a aprendizagem por meio de outro aluno que tem mais domínio sobre aquele conteúdo, ocorre com o professor que recorre a outro com mais experiência. Começa a se estabelecer um vínculo de confiança entre ambos, que colabora para que haja um desnudamento de questões que envolvem a profissão docente. Nessa analogia com os alunos, reporto-me a Meirieu (2002, p. 31), quando afirma que “a

73 A síntese proposta das ações de formação está inserida no apêndice E. São previstos dois Seminários Institucionais de Formação Docente da Unifesspa (I Seminário tem como tema “A docência do/no ensino superior: vivências, desafios e perspectivas” e o II Seminário tem como tema “Ensino e aprendizagem na Educação Superior: estratégias, reflexões e vivências”; e Debates acerca da Inclusão e Acessibilidade).

74 Faço as considerações sobre os seminários a partir da minha participação nas duas edições que

foram realizadas na instituição e com base no que consta na proposta de formação e nos relatórios das ações realizadas em 2016 e 2017.

75 Até o momento em que realizei este estudo, dois seminários institucionais já haviam sido

realizados. Antes dessa socialização com o grande grupo, a proposta de formação prevê a realização de “seminários por área de conhecimento”, quando os docentes socializam suas experiências com um grupo menor (Instituto, Faculdade ou Curso) e entre eles decidem qual (is) será (ão) levada(s) para socializar no seminário institucional.

interação entre colegas é de uma riqueza inestimável que permite a cada um apropriar-se de seu próprio saber e incorporar progressivamente o ponto de vista de outro para desenvolver-se... e muitas outras coisas ainda”. Há, nesse momento, grande oportunidade de o docente obter informações e orientações sobre o desafio de saber ensinar, apropriar-se delas e, junto com as demais aprendizagens ocorridas no desenvolvimento de suas atribuições, transformá-las em conhecimento da profissão. Normalmente, esse tipo de aprendizagem efetiva-se e se aperfeiçoa com o passar do tempo e passa a fazer parte do repertório profissional e a compor o processo identitário docente. Faz parte de sua caminhada formativa!

7.4 O setor institucional de formação: das expectativas do docente às