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6 Prática docente: Narrativas dos professores sobre algumas de suas ações

7.7 Dizeres de um docente iniciante àquele que está por iniciar a docência

Propus a cada docente que, considerando as suas primeiras experiências,

imaginasse o que diria a um professor que está por iniciar a carreira universitária, tal como ocorreu com ele ao ingressar. Quando pensei nessa

questão, foi no intuito de que cada docente se reportasse ao tempo, trouxesse à

83 Uma das formas de acesso é o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) – Portaria nº 179, de 28

memória o marco do seu início nessa caminhada formativa, por não estar tão distante, e deixasse aflorar sua subjetividade. Ao mesmo tempo, pensei em verificar se as ações de formação, já desenvolvidas pela Unifesspa, poderiam estar contribuindo para a concepção/constituição desse docente que “até ontem” era ingressante e se encontra em condição de iniciante.

Começo retomando a fala do professor André, que, reconhecendo a dificuldade da docência, faz uma analogia com a natação e sugere o seguinte entendimento: só se aprende a ser professor, sendo professor. O que ele diria?

Eu diria que é difícil, mas é gratificante. Tem muita dificuldade na hora da atuação. Acho que ser docente é como aprender a nadar. Não tem como ensinar ninguém a nadar que não seja lá na água. Entra na sala de aula que você vai descobrir. Não tem como ensinar a nadar na teoria, não tem como ser docente na teoria. Não tem como moldar o docente (André).

A analogia feita por André revela a compreensão de que a aprendizagem da docência acontece no cotidiano e a partir da vivência com situações de ensino. É preciso exercitar a profissão para aprender a se profissionalizar, pois somente a teoria não garante a aprendizagem para exercer essa profissão. O professor não é moldável, constrói-se, constitui-se e forma-se por meio da prática cotidiana e das descobertas que dela se originam e se consolidam.

E nesse processo de aprender ao mesmo tempo em que exerce a profissão, refletindo sobre ela, os professores Cássia e Frederico orientam que o docente que iniciar na universidade busque no aluno referência para suas atividades. Vejamos na íntegra o que dizem:

[...] tenha paciência e coragem, pois nem tudo acontece como a gente imagina. Tente conhecer os alunos baseado nisso, planeje a aula do jeito que eles consigam chegar pelo menos uns 70% a 80%[...], porque confesso que não dá para atingir 100%. Quem não tem interesse, não tem como você ajudar. Mesmo sendo o melhor professor do mundo (Cássia).

[...] vá com calma nas aulas. A aula não é simplesmente para você mostrar o que sabe e pronto. Que isso foi meio que complicado para mim, entendeu? Em algumas turmas parecia que eu era muito novo, a qualidade praticamente verde e parecia que se eu não mostrasse que sabia, eles iam faltar com respeito. Então, acabei passando do limite de aprendizado de algumas pessoas ali, pois a titulação não é tudo. Então, seria onde eu pediria para a pessoa que está começando rever (Frederico).

[...] Procure ouvir mais os alunos, sem perder o respeito e sem perder a autoridade do professor em sala. Tente explorar mais os alunos na questão do conhecimento, porque tem alunos esforçados e aqueles que não se esforçam. Tem aqueles que estão uns pontos fora da turma, que são brilhantes. E saber lidar com as pessoas também (Felipe)

Destaco a clareza com que o professor Frederico conceitua a aula como espaço de tempo do professor e do aluno e, acima de tudo, como reconhece que saber ensinar não significa o professor ter de provar que sabe e repassar os conhecimentos que tem para os alunos. Nesse enfoque o professor Felipe destacou que é preciso reconhecer que ninguém sabe tudo, por isso é importante buscar cada

disciplina como uma experiência única.

As professoras Flávia e Lúcia relatam sobre a importância de se manter uma boa relação com os alunos para que a aprendizagem flua com naturalidade.

Flávia salienta que faz o mesmo alerta que uma amiga dela, que é professora há 15 anos, disse-lhe ao ingressar:

"não crie arestas com os alunos". Sempre vai ter um mais difícil de lidar, não crie problemas com eles, porque se criar a dificuldade vai aumentar. Sempre se coloque no lugar deles, sempre seja humilde e sempre tente conversar com eles. Esse negócio de que eu sou doutor e sei tudo, não funciona. Os alunos não estão se importando com isso.

Na mesma linha, a professora Lúcia disse que os alunos, às vezes, ficam

bem calados, mas não é que eles estejam lhe hostilizando [...] seria bom você começar falando amigavelmente com seus alunos e conquistá-los.

Tanto os professores Frederico como Flávia trazem à tona a questão de não usar a titulação, mestre ou doutor, para impor respeito em aula.

Retomando a falta de orientações por parte da instituição quando iniciou, e evidenciando a estratégia encontrada para superar o problema, a professora Denise diz que faria uma plaquinha e deixaria bem visível para o docente que vai iniciar,

com os seguintes dizeres: Professor, leia todos os regulamentos que você puder acessar. Fica evidenciado aqui o papel da instituição em informar, mas fica claro

também a responsabilidade do professor em também buscar a informação. É o sentido da autoformação que precisa ser exercitado pelo professor quando inicia, pois também é dele a responsabilidade por buscar aquilo que está a seu alcance. No contexto universitário, os documentos institucionais (Projeto de Desenvolvimento Institucional, Projeto Pedagógico Institucional, regulamentos de graduação e outros), na maioria das vezes, encontram-se no site institucional, aberto a toda comunidade. No caso da Unifesspa, essas informações são facilmente encontradas no site84

oficial da instituição. 84 https://www.unifesspa.edu.br/

O professor Jorge disse que o primeiro recado ao docente que está por iniciar seria: chegando à instituição, procure alguém que possa orientá-lo ou se tem

algum setor só para ajudar o professor. Se você não encontrar, vá com os professores mais experientes, pois eles sempre têm uma dica que vai te ajudar.

Reforço que considero imprescindível ter alguém na instituição que receba o professor que chega, que o oriente desde os espaços institucionais até ao funcionamento do Instituto/Faculdade/Curso e as aulas. Esse pode configurar-se em um início de ambientação institucional, que possibilita ao docente sentir-se parte da instituição, aprender e apropriar-se de sua cultura.

Retomando a questão da falta de experiência e sua implicação para o início da docência, Marcos disse que alertaria ao futuro docente: vai dar problema, porque

você não tem experiência [...] você vai trabalhar com os alunos, até entender que precisa melhorar a sua forma de ensinar, pois vai ter muita briga no início.

As estratégias de formação condicionam as concepções de docência que os professores apresentam, envolvendo a criação mental e compreensão, comportando dinâmicas em que se articulam processos reflexivos e práticas efetivas, em um movimento permanente e construtivo ao longo de toda a carreira docente (ISAIA; BOLZAN, 2004).

É comum, segundo Flores (2008), que o professor iniciante procure soluções pessoais, ou ocasionalmente, consulte seus colegas, embora na maioria dos casos ele recorra ao ensaio e erro de uma prática não reflexiva, tentando apropriar rotinas que lhe deem segurança.

Nesse enfoque, o professor Jorge acrescenta que o professor iniciante não deve ficar esperando a ajuda chegar até ele e sugere que invista em sua própria formação, tão logo obtenha aprovação em um concurso, pois um professor iniciante não tem garantias de que “esteja pronto para atuar”. Ele diz:

Peça ajuda para o diretor do instituto e da faculdade. Todos os cargos superiores têm obrigação com a qualidade de ensino. [...] Em uma empresa, antes de ir ao diretor, você tem que ir aos imediatos superiores e pedir ajuda. [...] Na universidade é igual. Se tiver “não” como resposta, peça para que ele indique alguém para te ajudar, porque se ficar esperando alguém vir até você perderá muito tempo. Veja se tem algum setor específico para te ajudar. Não tem como pegar um professor novo e garantir que ele esteja pronto para atuar. Então, invista na sua formação. [...] Imagina que passou no concurso, separa um a dois meses antes de dar aula e busque capacitação [...]. Esses um a dois meses, que parecem perdidos, são investimentos. Isso vai ter um retorno enorme para os alunos, professores e instituição (Jorge).

É exatamente no momento em que entra pela primeira vez, em uma sala de aula do ensino superior, que surge, com urgência, a necessidade de aprender aquilo que é indispensável para uma docência com competência e segurança. O professor já está na sala de aula, os alunos esperam dele as orientações sobre o conteúdo e com ele esperam aprender. Nesse sentido, Flores (2008) alerta que o professor iniciante em sua inserção profissional se encontra em um período de angústias, incertezas e inseguranças, independente do nível educativo. E creio que seja nesse sentido que o professor Jorge sugere que ele busque “ajuda” e “capacitação”, reforça que esse tempo não é perdido, é “investimento”.

Jorge parece já compreender a necessidade e a importância de um setor institucional que tenha como objetivo atender o docente na instituição, o que pode ser reflexo do que está vivenciando nas ações de formação, após seu ingresso na instituição.

Mesmo vivendo nesse período inicial, ao olhar para si e para a instituição, o professor Paulo traz uma mensagem de incentivo para aquele que ingressar em uma universidade nova, dizendo: você está em um ambiente acolhedor e tem todas

as condições de crescer [...] porque a universidade precisa de você, pois ela ainda está sendo construída.

Entendo que esse sentimento de valorização do espaço onde está inserido, do reconhecimento de que pode contribuir para a construção do projeto da universidade, também pode impulsionar o professor, nesse início de carreira, ao seu desenvolvimento profissional. Esse processo, segundo Feixas (2004), é altamente individual, em que cada um segue seu ritmo próprio, sem seguir uma ordem preestabelecida.

Com os resultados obtidos nesse “exercício” de olhar para si, percebo o quanto o docente valoriza esse período e como os “recados” são positivos em relação ao reconhecimento da relevância da profissão docente. Foram apontadas questões imprescindíveis para a profissionalização, para a necessidade de buscar orientação, para a importância de valorizar o aluno e, principalmente, para o professor manter uma postura de empatia para que o clima de aprendizagem possa fluir e o ensino alcance êxito. Apesar de reconhecer que o início da docência é difícil, a maioria dos professores traz em seus dizeres o encorajamento para aquele docente que está por iniciar a profissão, tomando como referência as suas próprias

experiências e aprendizagens até o momento. Feixas (2002), apoiada em Marcelo e Vaillant (2009), reflete que neste momento profissional há uma grande oportunidade de criar docentes apaixonados pelo ensino ou, pelo contrário, constranger as motivações desses docentes e integrá-los em um sistema reprodutivo que retroalimente as crenças que os futuros professores trazem consigo quando iniciam sua trajetória profissional universitária.