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6 Prática docente: Narrativas dos professores sobre algumas de suas ações

6.1 Atuação do professor iniciante em uma instituição nova

Considerando que delimitei, ancorada em Feixas (2002) e Feldkercher (2015), o período de até três anos na docência para ser considerado iniciante e ser convidado para participar deste estudo, volto a frisar que encontramos aqui a realidade de um professor e uma instituição em fase de constituição.

Considerando o triplo papel atribuído ao professor universitário, e ao ouvir os participantes dessa pesquisa, busquei saber: Como é ser docente em uma

Universidade que está se constituindo? Quais as principais ações desenvolvidas pelos docentes que estão iniciando a profissão?

Ao ingressar na instituição, os docentes iniciantes levam um tempo para conhecer e compreender o trabalho docente. Afinal, “converter-se em professor é um longo processo” (MARCELO GARCIA, 2008, p. 10). Nesse sentido, o professor André, que dentre os entrevistados foi o primeiro que ingressou na instituição, relata as incertezas em relação à profissão, vividas pelo docente que a inicia. Ao se deparar com as dificuldades, considera o fato de estar uma instituição em constituição e enumera algumas vantagens e desvantagens quando compara a sua realidade com a de outros docentes que são seus amigos e estão na condição de iniciantes, porém em uma instituição “mais antiga e mais estruturada55”.

É uma sensação de altos e baixos. Tem hora que você tem certeza que é aqui que você quer ficar. Essa é a profissão. [...] só quando a gente está em uma universidade que está se constituindo – não sei se só por isso, mas eu sei que isso afeta – que é uma situação que você reflete. [...] tem vantagens e desvantagens. Nós somos pequenos como instituição e o currículo que eu tenho e o que consigo fazer, ainda como iniciante, é muito para essa instituição. Então, isso é uma vantagem, é um ponto positivo. [...] com um pouco mais tempo de casa, as minhas opiniões, os meus pontos de vista são válidos, são escutados. Mas, por experiência de outros amigos em instituições mais consolidadas [...], o ingressante não tem muitas oportunidades de desenvolver outras ações além da sala de aula. [...] ingressante não vai assumir cargo, não vai pegar aluno de pós, é sala de aula até passar o probatório. É um ponto negativo que eu vejo muitos amigos se queixarem. [...] E a desvantagem, por exemplo, é que a gente anseia por dar uma aula de laboratório de qualidade [...] anseia por ter mais recurso e não tem. Então, essa limitação entristece um pouco [...] (André).

O professor André revela a oportunidade que tem o professor iniciante de desenvolver outras atividades para além da sala de aula e de poder protagonizar esse processo. Afinal, não será apenas participar das decisões deliberativas do curso em que atua, mas da universidade como um todo.

Os estudos realizados por Stivanin (2013) trouxeram como positiva e desafiadora a participação dos professores que iniciam a docência em cursos cuja estrutura ainda não está consolidada. No caso da Unifesspa, os professores extrapolam essa participação, pois além de contribuir para pensar o curso, são partícipes de um processo mais amplo, que é pensar e fazer a universidade nos seus diferentes contextos, inclusive, participando da elaboração dos documentos que subsidiam as suas ações, tais como: estatuto, regimento, projeto de desenvolvimento institucional, projeto pedagógico institucional.

55 São instituições com mais tempo de criação e funcionamento, encontrando-se consolidadas no

Nesse contexto, é importante que o professor iniciante estabeleça parcerias com outros professores que já atuam em uma instituição e possuem mais experiência nessas funções, para construir os saberes necessários quando é impelido a participar da construção e crescimento desta “instituição pequena”, como afirma André. Afinal, “a colegialidade, a partilha e as culturas colaborativas não se impõem por via administrativa ou por decisão superior” (NÓVOA, 2011, p. 58). A oportunidade de estabelecer essas relações pode acontecer por iniciativa do professor ou oportunizadas/viabilizadas pela instituição. No caso da Unifesspa, algumas ações nesse sentido são proporcionadas pela Pró-Reitoria de Desenvolvimento e Gestão de Pessoas (PROGEP), por meio de sua Divisão de Capacitação e Acompanhamento de Desempenho de Carreira (DICADC)56.

Também trazendo como vantagem ingressar em uma instituição que está se constituindo, e estabelecendo comparação a partir das falas de amigos que atuam em instituições mais consolidadas, as professoras Flávia e Lúcia falam sobre as ações que desenvolvem:

Se eu chego numa universidade já bem consolidada, vou ser só mais uma. Aqui como está tudo começando e precisando de gente para fazer, você faz a diferença [...]. Começar a carreira em uma universidade como essa é muito mais interessante para uma pessoa como eu que está iniciando e aprendendo a ser docente. Eu participo do processo de construção, enquanto me “construo” como docente. E aqui temos essa autonomia, não só porque ela tem dado essa liberdade, ela precisa me dar, porque se ela não me der, ela também não vai para frente. Quem chegar aqui e quiser trabalhar, não vai ser somente docente, quiser um cargo administrativo, quiser aprender como é que a universidade funciona, vai encontrar as portas abertas. Eu fui indicada pelos meus colegas para a direção da Faculdade e devo assumir o cargo daqui umas semanas. Eu me sinto parte desse crescimento (Flávia).

Começar a ser professora junto com a instituição é muito bom, pois tem a questão de você crescer junto com a universidade. Temos oportunidades aqui que não teríamos, como iniciante, em uma instituição consolidada, porque lá já tem outras pessoas com mais experiência e as coisas já estão prontas. Aqui tem tudo para ser feito ainda. Eu não tenho somente oportunidade de estar em sala de aula, de ser professora, logo que cheguei assumi um cargo de gestão, que tem exigido muito de mim, mas tem permitido que eu contribua para o crescimento da instituição. Fico feliz por fazer parte da história da instituição (Lúcia).

Destaco na fala da Flávia, quando ela ressalta que o docente vive em uma sinergia, um esforço coletivo em prol do desenvolvimento e crescimento da instituição, que precisa abrir espaço e oportunizar que todos se envolvam no projeto de construção para que o trabalho flua. Em nossa conversa, ela ainda expressou: é

um caminho de mão dupla: a instituição me ajudando a crescer e eu estou ajudando- a a se consolidar e a crescer também (Flávia). Ela chama de “autonomia” dada pela

instituição, e a professora Lúcia menciona que isso é difícil acontecer em instituição consolidada. Ambas falam de cargos de gestão que provavelmente não assumiriam em instituições mais consolidadas. Como diz a professora Flávia, a instituição precisa oportunizar o docente a participar desse processo e, como está em construção, possibilita a vários docentes e funcionários essa vivência.

É nesse momento que o professor tem a oportunidade de participar da construção de um projeto de universidade, imprimindo configurações pensadas “a partir da” e “para a” instituição, considerando o contexto social, político e cultural em que está inserida. Mas é preciso enfatizar que esse trabalho demanda que a instituição subsidie e oriente o docente na função que está a desempenhar. Cria-se a oportunidade da construção da ambiência nessa instituição.

Os relatos dos professores André, Flávia e Lúcia me reportam a Flores (2008), quando alerta que desde o primeiro dia os professores iniciantes têm exatamente a mesma responsabilidade que os colegas com muitos anos de experiência e todos os envolvidos no processo esperam que eles atuem como profissionais. Na maioria das vezes, não é considerado que o docente iniciante ainda está em fase de construção de sua identidade profissional, desvendando e aprendendo as atividades da função de ensinar e, atrelado a isso, assume outras funções que também terá de aprender a desenvolver. Não pretendo dizer com isso que o docente universitário iniciante não deve participar de ações para além da sala de aula, afinal a prática docente não se resume a essa função, mas da cautela que cabe à instituição ao inseri-lo nessas ações, no sentido de viabilizar condições para que as aprendizagens necessárias ao seu desenvolvimento profissional aconteçam.

Creio que essa é também a preocupação da professora Cássia, que tem menos tempo de experiência na docência, quando ela afirma que ser docente

iniciante em uma instituição que está começando tem muito trabalho [...] porque, além de nos preocuparmos com nossos próprios projetos, a gente está preocupado pela universidade, para manter nosso campus aberto.

Dentre os inúmeros fatores que desafiam o docente no início da profissão, a questão revelada pela professora Cássia, que se refere aos campi fora de sede (de interior), tem sido recorrente em instituições recém-criadas. Normalmente, as

questões estruturais demandam tempo e investimento, por isso, os esforços humanos acabam sendo requeridos/exigidos com muito mais intensidade.

A desvantagem apontada pelo professor André em relação à infraestrutura como sendo uma “situação entristecedora” é também ressaltada por outros professores. Mas a maioria afirma que já as previa ao ingressar em uma universidade em construção, assume-as como sua responsabilidade, enxergando, nesse momento, a oportunidade de contribuir para o desenvolvimento institucional e fazer parte da história de sua constituição.

[...] a gente não vai ter toda uma estrutura para trabalhar em uma instituição que está se constituindo, mas o mínimo que eu tiver eu tenho que fazer se transformar no máximo. Eu estava preparada e sabia que seria desafiador, e as ações necessárias eu estou aberta a auxiliar. Às vezes são fora da sala de aula, mas é necessário para a universidade avançar (Denise).

[...] a gente se depara com aquela dificuldade de falta de infraestrutura, por se tratar de uma instituição nova, recente, recém-criada, têm todas aquelas dificuldades de início, é como se fosse uma criança, e diante disso a gente não pode se sentir desestimulado, muito pelo contrário, é um momento da gente fazer parte da instituição. Eu me vejo dessa forma, eu estou numa instituição que ela está se constituindo, é uma oportunidade que estamos tendo de fazer parte da história da universidade (Felipe).

Eu acho que é bom, porque no futuro vão falar: “ah, foi o professor que começou isso”. Estou fazendo história. Então, é motivador. Somos livres para desenvolver as nossas ações (Marcos).

A parte boa é que já aprendi muita coisa, porque na área que eu ingressei não tem laboratórios, não tem muita estrutura [...] existe um desafio para esse laboratório ser implementado e sou o único professor dessa área. Esse caminho para o movimento, o desafio de querer fazer alguma coisa me estimula e me impulsiona. Então, tem coisa que está se implementando e isso é bacana, porque dá espaço para você fazer, dá para você ir atrás, e isso é gratificante. Agora participo do núcleo que está a pensar o projeto pedagógico do curso, e isso tem sido muito edificante (Jorge).

Os relatos dos professores Denise, Felipe, Marcos e Jorge indicam que ao ingressar na universidade em constituição, mesmo que não tenham toda a infraestrutura para desenvolver seus trabalhos, mostram otimismo e crença de que podem contribuir com esse processo. É um perfil de colaborador que a instituição que passa por esse processo precisa contar. Mas é preciso participar e entender que esse é “caminho para o movimento” de construção, como diz o professor Jorge. Movimento de buscas e de aprendizagens que aos poucos se efetivam. Nesse sentido, as buscas são de ambos os lados, pois tanto a universidade como o professor estão em processo de construção.

O professor Frederico chama a atenção para o fato de o professor precisar se envolver em questões operacionais, financeiras e humanas que instituições que estão nessa fase vivem. Na atual conjuntura econômica, a qual o país atravessa, o impacto pode ser muito maior em instituições que ainda estão se estruturando.

[...] também o meu curso é novo, não é só da instituição. Eu participo da construção dele. O MEC exige que o curso em que estou tenha vários laboratórios. Não temos espaço físico, não temos dinheiro e não temos pessoal. Quando queremos pedir equipamento, não temos técnico. Então, nós que corremos para fazer e, com isso, temos um trabalho burocrático que toma muito tempo [...].Então, as questões operacionais, questões institucionais, influenciam na constituição da instituição, que por consequência influencia na minha constituição enquanto professor. Parece que a gente mata um leão por dia (Frederico).

A falta de infraestrutura física e de materiais necessários para o ensino de alguns conteúdos, em determinados cursos, foi destacada também por Zanchet et al. (2012, p. 146) “muitos dos novos professores foram recrutados no contexto das políticas de expansão da educação superior pública. Atuam em Universidades novas e ou Cursos novos que nem sempre estão suficientemente equipados”.

Nessa linha, para a professora Lúcia, complementa sua narrativa e enfatiza que o professor em uma instituição como a Unifesspa está diante de um desafio triplo: “eu, o curso e a universidade”.

Uma das ações na qual os professores estão envolvidos é contribuir para o planejamento do curso, garantindo que ele se constitua com elementos que o docente considera importantes e com os quais se identifica. Sobre isso, o professor Paulo relata que:

É uma experiência que tem seus dois lados [...] o curso em que dou aula também está se constituindo, ou seja, eu entrei junto com a primeira turma [...]. Então, por que tem dois lados? Um é porque é questão administrativa, que tu sabes que aquilo que tu planejas vai ser colocado no curso para os alunos. Então, tem essa responsabilidade de planejar o curso como um todo. [...] o outro lado, a parte boa disso, é porque tu sabes que aquela é uma oportunidade de também botar o teu jeito de ser no curso que tu estás ajudando a criar. Que é diferente de tu chegar num curso já estabelecido, onde talvez tu sejas mais um, pelo menos no início. Tu vai demorar a criar, a botar o teu jeito no curso. Já no caso da Unifesspa, não. Logo de início o curso já vai pegando o jeito dos professores que já estão dando aula no início do curso [...] (Paulo).

Ao olhar para os conhecimentos necessários à participação na elaboração de um curso, constato que se configura em um desafio para todos que se dispõem a fazê-lo. Como o docente que está construindo sua forma de ser professor, que ainda

não tem experiências, nem de profissionais da docência, que na maioria das vezes vem de outro contexto regional, conseguirá participar da construção de um curso em consonância com as demandas do mercado de trabalho? Que conhecimentos possui sobre esse processo tão abrangente e que requer conhecimentos para além daqueles específicos da área de formação a que se propõe?

As questões apontadas estão envoltas em um amplo processo, pois se trata de pensar a organização de um currículo que envolve os componentes necessários à formação do profissional em um curso de graduação. Aqui o perfil profissiográfico precisa ser delineado e propostas para desenvolvê-lo precisam ser elaboradas. Sobre isso, Masetto (2015, p. 68) diz que

organizar um currículo é definir as características que já se espera que os profissionais formados por este curso desenvolvam quanto ao conhecimento, às habilidades humanas e profissionais e aos valores e atitudes; exigir princípios claramente postos com relação à integração da teoria com a prática e à integração das áreas de conhecimento e, por conseguinte, das disciplinas e atividades propostas; impor a definição de princípios para um trabalho docente colaborativo e integrado, e dos princípios que orientarão o processo de aprendizagem, a seleção de recursos e meios (técnicas), a seleção e organização dos conteúdos a serem tratados e o processo de avaliação.

Partindo do ponto de ter sido aluno há pouco tempo, essa experiência pode auxiliar o docente iniciante a dar contribuições mais significativas quanto à estrutura do curso. É nesse enfoque que acredito que a empolgação do professor Paulo, mesmo sendo iniciante, é de poder desenvolver atividades em um curso, entendendo o que as originou e que finalidade elas têm para o desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem.

Essa é uma constatação importante, pois ao trabalhar em um curso que o docente contribuiu para planejá-lo, possivelmente terá maior possibilidade de fornecer referenciais para avaliá-lo e adequá-lo, em face das necessidades emergentes. Além disso, ao realizar o planejamento de sua disciplina, saberá a origem das informações e poderá tratá-las com mais propriedade e desenvolvê-las com mais segurança. Poderá também propor a realização de trabalhos coletivos, a partir das propostas delineadas no projeto do curso, o que é mais difícil ocorrer quando ele nem sequer conhece o projeto pedagógico do curso. Inclusive, atividades de pesquisa e extensão podem ser pensadas e estruturadas a partir desse contexto.

Por outro lado, é preciso considerar, conforme alertado por Stivanin (2013), que “esse será um exercício teórico que não encontra sustentação no exercício profissional”. Ele pode não ter a perspicácia trazida da experiência profissional e tampouco ter vivenciado na prática o conteúdo aprendido, o que pode configurar a continuidade de um currículo basicamente teórico. É, portanto, uma situação paradoxal, que carece ser considerada pelos gestores da instituição e também pelo próprio professor.

É preciso considerar, conforme relatado pelos professores, que as condições de infraestrutura em uma instituição que está iniciando ainda, não atende às necessidades do curso, o que acaba por dificultar o trabalho docente. Em algumas situações, pode acontecer de, além de dar conta do preparo das aulas, os professores que ingressam nas novas universidades precisarem improvisar ou adaptar suas aulas em virtude da falta de condições necessárias para o seu desenvolvimento (ZANCHET et al., 2012).

É importante reforçar que as experiências docentes acontecidas durante o primeiro ano de docência exercem grande influência na sua vida pessoal e profissional. É através da atuação do docente “[...] que se difundem e concretizam as múltiplas determinações provenientes do contexto em que participa” (SACRISTÁN, 1995, p. 74). São inúmeros, portanto, os desafios que circundam a prática docente em construção.