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6 Prática docente: Narrativas dos professores sobre algumas de suas ações

6.3 Conhecimentos e saberes necessários para ensinar

Ao longo deste estudo e também na literatura sobre formação de professores universitários, é frequente a constatação de que a relação dos docentes com os saberes não se resume na transmissão de conhecimentos que já estão postos, que é preciso construir outros saberes.

Segundo Tardif (2014), os saberes docentes, que são constitutivos da prática docente, são formados pela fusão profunda e perfeita, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional (pedagógicos e das ciências da educação) e saberes disciplinares (relacionados aos diversos campos de conhecimento), curriculares (apresentam-se em forma de programas escolares) e experienciais (práticos).

No entanto, esses saberes não são formados em um único e determinado momento da carreira docente e, sim, (re) construídos em um processo dinâmico e contínuo de aprender a docência, ou seja, ocorre na dinâmica das ações que o docente desenvolve. Os saberes são elementos imprescindíveis no processo de constituição da prática docente.

Sumarizando a discussão sobre o professor e os saberes, Tardif (2014, p. 39) afirma que o professor ideal

é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos.

Partindo dessa concepção e ouvindo os docentes sobre quais saberes eles consideram indispensáveis para a docência, obtive respostas que indicam o reconhecimento de que é necessário saber, principalmente, os conteúdos da disciplina que ministram. No entanto, reconhecem que os saberes pedagógicos, que auxiliam desde o planejamento à avaliação de suas atividades, também são necessários, porém eles não os têm construídos quando iniciam a profissão docente. Assim falam alguns dos professores:

ter domínio de conhecimento, porque se ele sabe mesmo o conteúdo, ele pode até falhar na metodologia, mas vai trabalhar com mais segurança. Além do conteúdo, vem o conhecimento de toda a dinâmica de ser professor, que ainda estou aprendendo. Eu vim do bacharelado e não aprendi isso. Acho que para ser professor precisa dos dois tipos de

conhecimento: conteúdo e didática. O conteúdo eu tenho e me salva, mas a didática vou aprendendo aos poucos (Flávia).

[...] precisa ter uma base forte nas disciplinas básicas do curso, porque tem que passar uma segurança para o aluno, [...] senão eles não vão sentir segurança no que falamos. [...] precisamos ter umas coisas que a gente não aprendeu durante o curso, a questão didática [...] (Frederico).

O professor que tem domínio do conteúdo tem mais facilidade para saber passar para o aluno. Também quando os alunos questionam, é o domínio do conteúdo que permite ao professor dialogar. Se o professor não souber o conteúdo, não tem como dar aulas. As questões de didática a gente vai aprendendo devagar (Paulo).

O domínio do conteúdo me ajuda a saber como trabalhar com os alunos. E nos casos daqueles alunos que gostam de perguntar, se o professor não dominar o conteúdo passa muito sufoco. Esse ponto é indispensável. Me dá segurança nas aulas. O jeito e a forma de dar aula a gente aprende todo dia um pouquinho (Cássia).

Eu tenho certeza que o domínio do conteúdo deve ser considerado em primeiro lugar. Se o professor não sabe o conteúdo, não consegue repassar e tirar dúvidas. Tem uma parte que ainda não sei bem, que é da metodologia, mas eu estou tentando buscar (Marcos).

Precisa ter muito domínio do conteúdo, porque se não não consegue ensinar. O conhecimento que eu tenho das atividades profissionais que exerci antes de entrar para docência me ajudam nos exemplos (Jorge). Na minha área, os conhecimentos da profissão se articulam, a parte teórica com a parte prática, necessariamente, são interligadas. Então, ter domínio desses conhecimentos da profissão é essencial, também, para você conseguir fazer essa articulação com o conteúdo, com a teoria lá na sala de aula para esses alunos (Felipe).

Os conhecimentos que o professor traz consigo, aqueles aprendidos no decorrer do seu processo formativo e relacionados à área específica da formação de origem, são balizadores para qualquer profissão, seja na docência ou fora dela. São esses conteúdos que lhe permitirão iniciar-se na profissão.

No entanto, quando se trata da docência, a dificuldade de ensinar aos alunos esses conteúdos, que os professores Flávia, Frederico e Paulo chamam questão de “didática”, é o que vai gerando certas angústias e incertezas quando se inicia a profissão.

Reconhecendo a necessidade da construção de um saber da profissão docente, o pedagógico, a professora Lúcia, mesmo sendo oriunda da licenciatura, que obrigatoriamente tem disciplinas de cunho pedagógico na composição do currículo, ressalta que

Os conhecimentos que o professor precisa para ensinar vão muito além do que você sabe dos conteúdos, pois se você dominar o conteúdo você

consegue preparar a aula, repassar e fazer os exercícios de uma forma única. Só que essa forma única de você passar ou ensinar pode ser útil para uma turma, mas não para outra. Essa tem sido minha maior dificuldade e que preciso aprender: o lado mais do pedagógico (Lúcia).

A partir desse estudo, constato que são pouquíssimas as situações em que se percebe a apropriação do conhecimento pedagógico e didático do professor universitário, mesmo quando sua graduação foi voltada para a licenciatura, pois como já salientado, a postura do aluno, diante das disciplinas de cunho pedagógico, muitas vezes é de repulsa e negação de que ela é parte do seu processo formativo. Cunha (2014) ressalta que ao longo do percurso de formação o conhecimento pedagógico teve rara ou nenhuma expressão para o docente.

O docente, à medida que vivencia a profissão e que está convicto dos conhecimentos que possui, acerca de sua área de formação, vai construindo ou tentando construir saberes que lhe permitem desenvolver suas aulas. Nesse sentido, o professor André afirma categoricamente que:

o professor que sabe, sabe passar. Hoje eu acredito nisso, pois quando você fala do que você sabe, é natural. Então, o fato de ter me aprofundado muito durante seis anos – dois de mestrado, quatro de doutorado – na química pura, na química analítica, me dá muita autoridade em sala de aula para transmitir o conteúdo e falar com segurança. Então, tipo, essa coisa do professor sabe muito, mas não sabe passar, eu não acredito, pois desconstruí essa ideia (André).

O domínio do conteúdo por parte do professor pode permitir-lhe fazer associações e construir novas configurações para um conteúdo que é de difícil entendimento para o aluno. Essa relação, propiciada pelo professor entre os alunos e o conteúdo, constitui-se em importante elemento articulador de aprendizagens. É preciso considerar que o docente dificilmente atua sozinho e sua atividade acontece nas relações e interações estabelecidas entre pessoas, em situações em que o humano prevalece e onde aprendizagens são necessariamente construídas.

Os docentes inserem-se em diferentes situações que podem permitir-lhes a construção de saberes advindos da prática vivida cotidianamente e que se confrontam com as condições da profissão. Nesse contexto, podem ser construídos os saberes experienciais que para Tardif (2014, p. 39)

não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias. São saberes práticos (e não da prática: eles não se superpõem à prática para melhor conhecê-la, mas se interagem a ela e dela são partes constituintes enquanto prática docente) e formam um conjunto de representações a partir

dos quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões.

No início da profissão docente, as exigências de aprendizagem são urgentes, pois os professores que assumem a função precisam, de certa forma, provar que sabem ensinar os conteúdos que dominam. Afinal são mestres e doutores, o que se pressupõe ter sólido e vasto conhecimento do conteúdo. As relações estabelecidas com os alunos, com os outros professores e com as pessoas dos diversos setores que compõem a instituição acabam ocasionando ricas e diversificadas experiências de aprendizagem.

As narrativas sinalizaram que, apesar de reconhecerem que o conteúdo da área de formação de origem e das disciplinas com as quais trabalham são primordiais para exercerem a profissão docente, a maioria dos docentes também reconhece a necessidade de um saber docente, que se configura na aprendizagem do saber como ensinar. Nesse sentido, Sánchez Moreno e Mayor Ruiz (2006) enfatizam que temas relacionados ao planejamento, a utilização de diferentes metodologias, o uso adequado de diferentes sistemas de avaliação, são alguns dos aspectos que escapam aos docentes que iniciam a carreira docente universitária. São os saberes pedagógicos e didáticos que os professores indicam não saber quando iniciam a profissão e que vão sendo construídos no cotidiano, por meio das relações estabelecidas com os alunos, com os professores e com a instituição, quando essa se dispõe a criar espaços para que essa construção aconteça.

Percebo que a Unifesspa mostra-se atenta a esse movimento dos professores, quando se dispõe a oferecer as ações de formação. No entanto, é preciso considerar que o desenvolvimento dos saberes dos docentes é processual e os resultados são obtidos em longo prazo. A construção de saberes dos docentes faz parte da sua construção identidária. Portanto, à instituição cabe assumir que o desenvolvimento profissional do docente é um processo contínuo e demanda, portanto, que seja assumido com essa característica. Uma sinalização disso será a institucionalização da proposta de formação docente e a viabilização das condições necessárias para que elas façam parte da cultura da instituição.