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6 Prática docente: Narrativas dos professores sobre algumas de suas ações

7.4 O setor institucional de formação: das expectativas do docente às

Depreendo que quando o professor se depara com um setor de formação docente, é natural que crie expectativas que precisam ser ouvidas e respeitadas. Partindo dessa premissa, questionei-os sobre as expectativas em relação ao setor

de formação e eles disseram:

Eu espero aprender a ser melhor professora. Não estudei para isso e agora é a minha profissão. Se tem alguém para nos ajudar na instituição, temos de saber aproveitar. Tudo o que puderem trazer nesse sentido será bem- vindo, pois são tantas as dúvidas que tenho nesse início (Cássia).

Que consiga esclarecer questões pertinentes à docência, como plano de ensino, por exemplo, que aprendi a fazer com meus colegas de curso e depois de já ter passado uns meses que eu estava dando aulas. É preciso que se oriente melhor o professor que está chegando à instituição (Denise). [...] e que alguém me mostre um pouco como tenho que ensinar, porque parece que por enquanto eu não sei. Tenho muitas dúvidas e tudo aquilo que eu pensava que era certo para atuar como professor parece que não é. Então, preciso de ajuda (Marcos).

[...] trazer informações que não temos sobre o ensino que temos de dar conta, pois são tantos os desafios com que nos deparamos: planejar aula, dosar o tempo e avaliar o aluno (Frederico).

[...] questões de como o professor que está começando a dar aulas deve se portar em sala de aula. Eu fiquei bem perdido no meu começo (Paulo). [...] que ele consiga promover ações que mostrem melhores técnicas para ensinar e atrair a atenção dos alunos. [...] Como fazer que os alunos estudem com mais interesse. Como chamar a atenção deles para a aula. Isso para mim é o maior desafio [...] (Flávia).

[...] que trabalhem questões voltadas para como motivar os alunos, porque é um desafio (Lúcia).

É recorrente a procura do professor por orientações que o ajudem a construir sua concepção de docência e a resolver questões do cotidiano docente, sejam burocráticas ou de cunho pedagógico. A valorização dada aos conhecimentos pedagógicos aflora nesse início da docência. Cada docente parece entender que o problema está na aprendizagem de uma técnica, uma forma ou fórmula que num passe de mágica os transforma em professores. No entanto, o que se pode dizer é que existem possíveis mecanismos ou caminhos para a construção dessa aprendizagem da docência, que é processual, intencional, continua e reflexiva. Aos poucos, as aprendizagens construídas pelo docente e não dadas a eles, formam o construto da identidade profissional docente, que “se configuram um complexo emaranhado de histórias, conhecimentos, processos e rituais” (MARCELO GARCIA, 2009a, p. 07).

O professor, além da angústia de ser iniciante, tem o anseio por alguém que possa auxiliá-lo.

O professor precisava ter garantido que passaria por um especialista da área de educação. Então, eles que tem que nos capacitar, porque só assim a gente também consegue repassar isso para os alunos. Eu não vou ficar discutindo com aluno se ele não aceita minhas ferramentas. Às vezes tenho limitações para repassar a informação. Além da linguagem limitada que tenho, tem a metodologia também (Jorge).

O embate travado com os alunos no momento de desenvolver as aulas é um forte indicativo de que algo na aula do professor não vai muito bem e de que ele precisa de ajuda. Mesmo sendo o único professor, dentre os dez entrevistados, que afirmou ter tido experiência profissional antes de ingressar na universidade como docente, a dificuldade que Jorge demonstra parece ser a mesma dos demais docentes que não tiveram essa experiência. Esse fato pode ser justificado quando consideramos que a docência requer a construção de conhecimentos que lhe são inerentes.

Alguns professores trouxeram as expectativas relacionadas à proposta de formação que está sendo implementada: eu espero que mantenham os cursos em

desenvolvimento e que sejam mais constantes (André); eu penso que é importante fazer as formações mais setoriais, a nível de institutos e faculdades. [...] acredito que ainda chegarão nessa fase (Felipe).

As expectativas estão vinculadas ao reconhecimento de um não saber que precisa de alguma forma ser construído. A imagem que construo, (re) lendo as narrativas e me recordando dos professores no momento da entrevista, é que alguns esperam que essa construção de saberes venha de fora deles. Que tem um saber docente que alguém ensina e, na verdade, o que precisam compreender, nesse início, é que há um saber docente que ele precisa construir. Compreendo que as condições para que essa aprendizagem aconteça não podem ser ignoradas e os momentos de formação docente são propícios para isso.

Na sequência, questionei os professores se recorreram ao setor de

formação e em que situação o fizeram. Dentre os professores entrevistados,

apenas quatro afirmam terem recorrido ao setor por iniciativa própria. Os demais afirmaram que esperaram os momentos em que as ações ocorriam para participar.

O professor Felipe disse que procurou o setor para fazer um curso de

formação, que foi de planejamento acadêmico, de conhecimento da instituição e de como tramitam os processos. Essa narrativa revela que os conhecimentos que o

professor buscou não estão relacionados apenas às questões de sala de aula. A narrativa também evidencia que os saberes que faltam ao docente, quando inicia a profissão, são de diferentes ordens e que a instituição precisa estar atenta a esse movimento, visando auxiliá-lo.

Destacando ter buscado a roda de conversa sobre o Núcleo de Desenvolvimento Estruturante (NDE)76, que foi uma das ações desenvolvidas pelo

setor de formação e consta da proposta institucional e nos relatórios das ações desenvolvidas, o professor Jorge fala da importância do encontro para a obtenção de informações. Ele disse:

[...] busquei a roda de conversa sobre o funcionamento do NDE e foi muito proveitoso. Tinha coisa que nem o diretor de nossa faculdade sabia. Então, aprendemos muito e isso é importante, porque o NDE pensa o curso todo. Precisamos saber como ele deve funcionar. E foi um atendimento muito próximo.

Entender o que é o NDE e saber acerca de seu funcionamento propicia a compreensão sobre questões pertinentes ao curso como um todo e possibilita um

76 Conjunto de professores composto por pelo menos cinco docentes do curso, de elevada formação e titulação, contratados em tempo integral ou parcial, que respondem mais diretamente pela concepção, implementação e consolidação do Projeto Pedagógico do Curso (Resolução CONAES N° 1, de 17/06/2010).

envolvimento do docente na sua elaboração e execução, dando significado a sua existência e funcionalidade. Vejo que, nesse momento em que o professor busca entender e participar de uma equipe que é responsável pelo projeto pedagógico do curso (atribuição principal do NDE), está propenso a se envolver com questões que ultrapassam os limites da sala de aula, mas que a afetam. Fazer essa relação é importante para o docente, pois requer uma reflexão sobre as ações desenvolvidas no curso, propiciando uma visão do todo que o conforma.

O professor Marcos traz uma narrativa carregada de tensão da prática que realiza e volta a evidenciar como é importante ter momentos para que o docente possa dialogar sobre os desafios que surgem, à medida que desenvolve a prática docente. Ele diz que, ao receber a informação, via e-mail, de que teria seminário e relato de experiências de docentes na instituição, logo o respondeu e se inscreveu.

Como eu já disse, eu ainda carregava a imensa dor da prova em que os alunos tinham tirado notas muito baixas. Eu tinha chegado à conclusão de que, talvez, eu não soubesse ensinar e que alguém precisava me ajudar. Veio em um bom momento (Marcos).

O professor Marcos revela a importância das ações de formação proporcionarem ao docente, principalmente aos iniciantes, situações em que eles possam ouvir seus pares e trazer a sua vivência para ser objeto de sua análise, reflexão e reconstrução a partir de conhecimentos pertinentes.

O professor Paulo destaca que procurou participar dos encontros que proporcionam o conhecimento de cunho organizativo, enfatizando participei dos

seminários e de treinamentos sobre como mexer no sistema SIGAA77 que estava

ainda sendo incorporado na universidade. Ensinaram sobre plano de ensino também e plano de aula.

Percebo que os professores valorizam os momentos de formação docente e buscam participar para interagir, socializar e refletir sobre questões de sua prática. Advogo que as questões da formação dos professores precisam ser colocadas e enfrentadas pelos próprios docentes e pela instituição. E dentro dessa perspectiva, as ações de formação precisam estar diretamente vinculadas a docentes conscientes de sua atuação como professores e como formadores de outros

77 O plano de ensino deve ser inserido no Sistema Integrado de Atividades Acadêmicas (SIGAA), e a

ação de formação, ao desenvolver as orientações sobre a elaboração do plano de ensino, o fez em parceria com os integrantes desse setor.

profissionais, bem como a um projeto institucional de formação (ISAIA; BOLZAN, 2004).

No entanto, chamo a atenção para o fato de apenas quatro, dos dez professores participantes deste estudo, buscarem o setor de formação por iniciativa própria, quando a maioria relata que não possui conhecimentos pedagógicos para a docência. As justificativas dadas pelos professores são de que, quando têm dúvidas, buscam sempre um colega do próprio curso com mais experiência, que já passou por situação parecida e sempre têm conseguido resolver. Contudo, compreendo que é uma situação que carece ser revista pela equipe de formação.

A partir das narrativas, percebo que ainda não há, por parte de alguns professores, o reconhecimento de que o setor de formação é institucional e existe para auxiliá-lo nas questões inerentes à prática docente. Talvez o fato de ter poucos78 funcionários trabalhando no setor de formação tem limitado o

desenvolvimento de ações mais próximas aos docentes, como, por exemplo, a participação nos “Seminários por área do conhecimento”, quando são apresentadas e discutidas as práticas docentes e as diferentes situações que as envolvem. O estabelecimento de parceria com a Faculdade de Educação, que tem o curso de Pedagogia, poderia ser uma forma de dispor de mais colaboradores para a realização do trabalho e buscar maior proximidade com o docente, a fim de auxiliá-lo no desenvolvimento do processo de ensino.