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5. A INTELIGÊNCIA DO RELACIONAMENTO ENTRE A ICT E A INDÚSTRIA

5.2 As diretrizes que devem estar presentes no relacionamento entre ICT e indústria

5.2.2 A importância do investimento público e do capital privado no processo de

Os riscos inerentes ao processo de inovação inibem a indústria e mercados de capitais em financiá-lo. Assim, é papel fundamental do governo a oferta de fundos para reduzir os riscos do processo de inovação (COLLINS, 2014; DE MELO, 2009; FRANÇOSO, 2014 e WONGLIMPIYARAT, 2011; MAZZUCATO, 2015; MOWERY e ROSENBERG, 2005; CORDER, 2004).

De Melo (2009), aponta os investimentos em inovação como um significativo gargalo não solucionado pelas instituições financeiras privadas. As características do investimento em inovação, como longo prazo de maturação, incerteza e risco, indicam a necessidade de instrumentos alternativos de financiamento, que necessitam ser construídos por ações governamentais.

As características do processo de inovação fazem com que os bancos e os próprios mercados de ações sejam avessos a financiá-la, em especial nos países de capitalismo tardio, que não construíram sistemas financeiros capazes de avaliar ativos intangíveis.

A evolução histórica do sistema financeiro brasileiro mostrou o fraco desenvolvimento do mercado de capitais, bem como do crédito bancário para o financiamento dos investimentos tangíveis. Em relação ao financiamento de ativos intangíveis, tal como a inovação, a participação do sistema financeiro foi praticamente inexistente.

Françoso (2014) e Wonglimpiyarat (2011) também afirmam que, com bancos e empresas cada vez mais avessos ao risco, há cada vez mais dificuldades em encontrar fontes de financiamento para inovação. Assim, é função do governo assumir um papel de liderança nesse aspecto e superar obstáculos no que diz respeito à falta de fundos, estabelecimento de programas de financiamentos, etc.

Françoso (2014), em estudo realizado para start-ups atuantes na bioindústria nos EUA, detectou que o fator comum entre todas estas empresas foi o financiamento do governo, materializado, principalmente, a partir de recursos do DOE. O financiamento público destaca-se por estar presente em todas as etapas de desenvolvimento destas empresas

o papel dele é maior, pois são nessas etapas que as incertezas e riscos envolvidos são mais expressivos e as possibilidades de atrair investidores privados são menores.

Mazzucato (2015) declara que o Estado tem sido o dínamo que assume os primeiros riscos nas tecnologias portadoras de futuro, tais como: o desenvolvimento do algoritmo que levou ao sucesso da Google, financiado pela National Science Foundation (NSF) norte- americana; as moléculas que deram origem à biotecnologia e foram descobertas em laboratórios do Medical Research Council do Reino Unido; o surgimento da Internet e da computação por meio de investimentos do Departamento de Defesa (DoD) norte-americano (via projetos financiados e coordenados pela Defense Advanced Research Projects Agency – DARPA). Nestes casos, os Estados norte-americano e britânico desempenharam papel objetivo, proativo e empreendedor, resultando na diminuição dos riscos inerentes à inovação. Outra tecnologia-chave que dependeu de iniciativas e financiamentos públicos: os componentes-chave dos smart-phones da Apple (o microprocessador foi financiado pela DARPA; as telas multitoque, financiadas pelo DoD norte-americano); o Global Positioning

System (GPS) foi financiado pelo DoD e pela Marinha de Guerra norte-americanos; a tela de

cristal líquido, financiada pelo DoD e pela Marinha de Guerra norte-americanos.

Atrasas et al. (2003) mostram que em Portugal e na Espanha, a participação dos governos local e/ou regional é de grande importância para a consolidação de parques tecnológicos e incubadoras de empresas. Na Espanha, a estratégia de desenvolvimento tecnológico baseada na criação e consolidação de empresas de base tecnológica é objeto de programa do Ministério da Ciência e Tecnologia e tem o apoio de todos os governos das regiões, das províncias e dos municípios. Em Portugal, a criação de parques tecnológicos é feita pela iniciativa privada, com apoio local de prefeituras e governos provinciais. Os autores ainda firmam que, entre os mecanismos do estímulo à pesquisa, desenvolvimento e inovação nas empresas e à conjugação de esforços entre universidades e empresas que apresentam resposta mais rápida, na Espanha, está a concessão de incentivos fiscais, na forma de renúncia de até 30% do imposto a pagar.

E o capital de risco privado?

O capital de risco preenche o espaço com que se deparam as empresas novas, que normalmente têm problemas para obter crédito junto a instituições financeiras tradicionais como os bancos. Entretanto, Mazzucato (2014) mostra que, ao longo do tempo, o capital de

risco público e não o capital privado, é que vem assumindo a maioria dos riscos. Nos Estados Unidos, programas governamentais, como o de Pesquisa para a Inovação em pequenas Empresas (SBIR) e o Programa de Tecnologia Avançada (ATP) do Departamento de Comércio Americano, concederam de 20% a 25% do financiamento total nos estágios iniciais de empresas de tecnologia. Assim, o governo foi protagonista não apenas no estágio inicial da pesquisa, como também no estágio da viabilidade comercial. Relata ainda que o financiamento do governo nos estágios iniciais das empresas de tecnologia é igual ao investimento total dos “investidores anjos”17 e equivalente a cerca de duas a oito vezes a

quantia investida pelo capital de risco privado.

Françoso (2014), Mowery e Rosenberg (2005), também mostram que o Sistema Nacional de Inovação americano é marcado pela intensa participação governamental. Esta participação teve seu auge no pós II Guerra, com políticas direcionadas ao desenvolvimento do sistema de ciência e tecnologia, realização de grandes projetos públicos de pesquisa e um grande orçamento destinado ao financiamento de atividades de P&D, fossem elas realizadas em universidades, laboratórios públicos ou laboratórios de empresas. Neste período o Estado se tornou o principal financiador das atividades de P&D.

Nas áreas de biocombustíveis avançados, bioprodutos e bioenergia, a partir de biomassa lignocelulósica e algas, pode-se citar o Biomass Program do Departamento de Energia dos EUA (DOE) como um forte exemplo da atuação do Estado como financiador da inovação. Neste programa, o governo americano foi um importante financiador de biorrefinarias em todos os níveis de desenvolvimento (P&D, piloto e comercial). Desde 2008, estima-se que seu orçamento acumulou cerca de US$3,3 bilhões (FRANÇOSO, 2014; PEREIRA et al., 2015; PEREIRA, 2014).

A Tabela 5 mostra projetos de biorrefinarias integradas nos EUA, que possuem financiamento público, e seus diferentes estágios de produção. Elas foram classificadas pelo Programa, de acordo com a sua escala produtiva, em: piloto, escala de demonstração e escala comercial (FRANÇOSO, 2014).

17 O Investimento-Anjo é o investimento efetuado por pessoas físicas com seu capital próprio em empresas nascentes com alto potencial de crescimento (como startups).

Tabela 5: Projetos de biorrefinarias que contam com financiamento público nos EUA (dados de 2014)

Fonte: (Françoso, 2014)

Projeto Localização Escala Tecnologia

de Conversão Produto Primário

Capacidade Produtiva (galões/ano)

Abengoa Hugoton, KS comercial bioquímica etanol 25.000.000

BlueFire Renewables Inc* Fulton, MS comercial bioquímica

Mascoma* Kinross, MI comercial bioquímica etanol 20.000.000

POET/DSM Advanced

Biofuels, LLC Emmetsburg, IA comercial bioquímica etanol 20.000.000

Verenium Jennings, LA inativa bioquímica etanol 1.400.000

Enerkem Pontotoc, MS demo termo-

gaseificação INEOS Bio/New Planet

Bioenergy Vero Beach, FL demo híbrida

Myriant* Lake Providence,

LA demo bioquímica bioprodutos 0

Red Shield Acquisition, LLC

(RSA) Old Town, ME demo bioquímica

Sapphire Energy, Inc* Columbus, NM demo algas hidrocarbonetos

renováveis 1.000.000

Algenol Biofuels, Inc* Fort Myers, FL piloto algas etanol 100.000

American Process, Inc

(API) Alpena, MI piloto bioquímica etanol 894.000

Amyris, Inc* Emeryville, CA inativa bioquímica hidrocarbonetos

renováveis 1.370

Archer Daniels Midland

(ADM) Decatur, IL piloto bioquímica etanol 25.800

Haldor Topsoe, Inc Des Plaines, IL piloto termo- gaseificação

hidrocarbonetos

renováveis 345.000

ICM, Inc St. Joseph, MO piloto bioquímica etanol 245.000

Logos/Edeniq

Technologies* Visalia, CA inativa bioquímica etanol 50.000

Renewable Eneergy Institute International

(REII)

Toledo, OH piloto termo-

gaseificação

hidrocarbonetos

renováveis 625.000 Rentech ClearFuels Commerce City,

CO inativa

termo- gaseificação

hidrocarbonetos

renováveis 151.000

Solazyme, Inc* Peoria, IL piloto algas hidrocarbonetos

renováveis 300.000

UOP, LCC Kapolei, HI piloto termo-

pirólise

ZeaChem, Inc* Boardman, OR piloto termo-

pirólise etanol 250.000

Desta forma, o investimento governamental vem sendo um pré-requisito indispensável para a inovação.

No Brasil, na área de biocombustíveis, a principal fonte de financiamento direto é a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Em 2011, a FINEP e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançaram o Programa de Apoio Tecnológico Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS). O PAISS reservou R$200 milhões para apoio direto, via subvenção, a serem desembolsados em um horizonte de quatro anos. Os recursos de subvenção foram utilizados para apoio a projetos nas fases de bancada ou piloto (PEREIRA et al., 2015; PEREIRA, 2014). Estes investimentos foram bastante inferiores aos US$3,3 bilhões do Biomass Program, que apoiou mais fases de alto risco (bancada, piloto e demonstração).

Como resultados do PAISS, pode-se citar o surgimento das primeiras plantas de etanol de segunda geração no Brasil. Nestas chamadas, tanto BNDES como FINEP ofereceram um conjunto de instrumentos de financiamento, tanto não reembolsáveis (para as fases de alto risco, que envolvem pesquisa e desenvolvimento) e reembolsáveis (para as etapas de menor risco, como a construção de plantas demonstração e comerciais).

É importante observar que, como os riscos são muito elevados nas etapas iniciais da cadeia de inovação, as possibilidades de se conseguir financiamento privado são muito baixas. Entretanto, se o governo financiar estas etapas de risco elevado, o risco cai e fica mais fácil para atrair o capital privado para as fases subsequentes.

Os financiamentos governamentais, como Funtec, FAPESP, FINEP e Embrapii (não reembolsáveis), com exceção do instrumento de subvenção direta à empresa da FINEP, precisam, obrigatoriamente, da participação da ICT. Inclusive, a ICT é a proponente e administradora dos recursos destas fontes. A indústria jamais conseguirá obter estes recursos sozinha, sem a parceria com a ICT. Assim, as ICTs que objetivam levar suas tecnologias ao mercado, devem ser agressivas na utilização dos financiamentos governamentais que apoiem estas parcerias. Mais que isto, todos os atores: ICT – banco/agência de fomento – indústria, devem buscar uma “simbiose” de forma que todos ganhem com o processo de inovação e sejam mais e mais motivados a investir nele. A ICT deve fazer a sua parte neste processo.

Os recursos provenientes do governo, entretanto, cessam antes que a nova tecnologia complete seu ciclo na cadeia de inovação (na verdade, concentram-se nas etapas iniciais, de maior risco). Assim, nas etapas subsequentes, o capital privado assume vital importância.

Após as fases de pesquisa e desenvolvimento, os investimentos são bem mais elevados, porém, o risco já caiu. Para estas fases de menor risco o governo (por exemplo, através do BNDES e FINEP) oferece financiamentos reembolsáveis, como as linhas de crédito. Deste ponto em diante, o investimento tem de ser empresarial, mas as linhas de crédito concedidas pelo governo a juros atrativos podem auxiliar a empresa a conduzir o negócio até a escala comercial.

Reforçando o que foi dito acima, Corder, 2004, afirma:

Assim, as diretrizes número 2 e 3 são:

Diretriz no 2: As ICTs devem ser incansáveis na busca de financiamentos públicos para

conseguirem atrair o capital privado.

“O financiamento externo tende a se concentrar naquelas etapas mais avançadas do processo inovador, quando a incerteza se reduziu para níveis aceitáveis. Mesmo no caso do capital de risco, mecanismo elaborado para auxiliar empresas nascentes, há uma tendência dos investidores de maior porte de alocar recursos nas fases finais do processo.

Na fase inicial do desenvolvimento de um projeto, em que a incerteza é elevada, o investimento é, em geral, financiado com fontes internas de

recursos (gastos correntes, investimento empresarial ou

autofinanciamento) e deve contar com apoio do governo na forma de subsídios e/ou de redução de impostos. O incentivo fiscal, porém, tende a favorecer o alto risco, os projetos de larga escala às custas daqueles promovidos pelas menores empresas.

Isso significa que os mecanismos de mercado, em geral, não são suficientes para prover financiamento à inovação tecnológica. Quando estes mecanismos são predominantes, há risco de sub-investimento geral e de uma inadequada seleção de projetos de investimento particulares (OCDE, 1995).”

Diretriz no 3: todos os atores envolvidos na parceria (ICT – banco/agência de fomento –

indústria), devem buscar uma “simbiose” de forma que todos ganhem com o processo de inovação e sejam mais e mais motivados a investir nele.

Um ponto que não pode deixar de ser explorado, é o aumento do poder de barganha que a utilização de fundos governamentais, nos projetos em parceria com a indústria, proporciona à ICT. Afinal, o Funtec do BNDES, FINEP cooperativo e FAPESP, por exemplo, são financiamentos concedidos à ICT, para parceria com a indústria, e devem ser considerados como sua contrapartida financeira ao projeto. Uma boa prática é considerar estes aportes governamentais como contrapartida da ICT na partilha da propriedade intelectual resultante do projeto. Assim:

Diretriz no 4: os montantes provenientes de fundos governamentais, aplicados pela ICT

nos projetos em parceria com a indústria, devem ser contabilizados como contrapartida financeira da ICT e utilizados, por exemplo, na partilha da propriedade intelectual.

Yu et al. (2016), no artigo sobre investimentos públicos em empresas chinesas de energias renováveis, afirmam que os investimentos do governo em P&D desestimulam algumas empresas a investirem seus próprios recursos em P&D (YU et al.,2016). Entretanto, a autora da presente pesquisa suspeita que no setor sucroenergético brasileiro a situação seja bastante diferente porque o aporte de recursos próprios em projetos de alto risco normalmente não entra na agenda das empresas deste setor. Assim, são baixas as chances de ocorrência de deslocamento de recurso privado em troca do recurso estatal. Ao contrário, é a entrada do recurso estatal que tem se mostrado viabilizador da participação do capital privado, reduzindo o risco deste último. Os estudos de caso apresentados no Capítulo 6, bem como as plantas experimentais de etanol 2G brasileiras, jamais entrariam nos planos destas empresas se não fosse a participação majoritária dos recursos públicos.