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5. A INTELIGÊNCIA DO RELACIONAMENTO ENTRE A ICT E A INDÚSTRIA

5.2 As diretrizes que devem estar presentes no relacionamento entre ICT e indústria

5.2.7 O licenciamento e o fornecimento

5.2.7.1 Tipos de licenças

Os contratos de licenciamento podem ser amplos e incorporarem a PI gerada fora da parceria (background IP), o fornecimento de tecnologias derivadas, geradas após o início e durante o projeto (foreground IP) de desenvolvimento (neste trabalho, o desenvolvimento é definido como a evolução da tecnologia até que esta esteja adequada para produção em escala comercial), além do know how20 e todas as informações e conhecimentos técnicos

aplicados à fabricação, uso ou comercialização dos produtos resultantes. Vale destacar a importância da transferência do know how para que o licenciado consiga reproduzir a tecnologia em sua planta produtiva.

Os licenciamentos podem ser: voluntários, compulsórios, não exclusivos, exclusivos e cruzados. Além disso, podem ser feitos para empresas já estabelecidas ou para empresas nascentes, como start-ups e spin-outs, viabilizando a geração das duas últimas.

Os licenciamentos voluntários, assim denominados por Di Giorgio (2005), são os licenciamentos acordados entre as partes.

A licença compulsória ou obrigatória de patentes significa uma suspensão temporária do direito de exclusividade do titular de uma patente, permitindo a produção, uso, venda ou importação do produto ou processo patenteado, por um terceiro.

Este instrumento é acionado pelo governo do país que concede a patente, intervindo sobre o monopólio de sua exploração. Essa licença é um mecanismo de defesa contra possíveis abusos cometidos pelo detentor de uma patente, ou, para os casos de interesse público. A não exploração do objeto de uma patente no Brasil, ou o não atendimento às necessidades do mercado, por exemplo, podem ser considerados como um abuso da propriedade, ensejando a licença compulsória. O licenciamento compulsório é previsto na Lei de Propriedade Industrial (Lei no 9.279/96) e segue normas estabelecidas em acordos

internacionais como no Tratado da Convenção da União de Paris (CUP) de 1883 e no Acordo sobre aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), em inglês Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, da Organização Mundial do Comércio (OMC) no ano de 1994. Antes do decreto de uma licença compulsória, o governo proponente tenta negociar com o titular da patente. No caso de insucesso dessa negociação, o proponente da licença compulsória faz uma declaração expondo a situação que levará ao licenciamento e, após o decreto da licença, deve oferecer ao titular da patente uma remuneração financeira justa pela exploração de seu invento, efetuando o pagamento de royalties. Por exemplo, o governo brasileiro decretou o licenciamento compulsório para a importação inicial das versões genéricas produzidas na Índia e, posteriormente, a produção local, para tratamento de pessoas que apresentam HIV/Aids. Garantir e preservar a política de acesso a medicamentos essenciais é um exemplo de proteção do interesse público que pode requerer a emissão deste tipo de licença.

A licença não exclusiva significa que vários licenciados terão direito sobre a tecnologia, isto é, a parte licenciante fica livre para licenciar outros parceiros a qualquer tempo. Os licenciantes concedem licença não exclusiva, em parte, para estimular competição entre licenciados e também para prover distribuidores alternativos caso alguma das licenças falhe (MAHONEY, 2004; SCHMITZ, 2007).

A licença exclusiva fornece ao licenciado determinadas reservas de mercado. Licenças exclusivas são muito comuns no relacionamento ICT-indústria porque, conforme dito anteriormente, as tecnologias da ICT requerem muito investimento porque são imaturas (estão no início da cadeia de inovação – investimentos de alto risco). A empresa privada

20 Know how – entendimento da tecnologia e seu funcionamento, incluindo por extensão a habilidade adquirida pela experiência.

dificilmente aportará tais investimentos sem exclusividade. Thursby e Thursby (2003) e Somaya et al. (2011) reforçam esta afirmação dizendo que: as licenças exclusivas podem ser necessárias para incentivar as empresas a investirem em invenções embrionárias, que exigem mais desenvolvimento antes de chegarem ao mercado, quando o risco é maior, como é o caso das “provas de conceito”, nas quais a taxa de fracasso é da ordem de 72%.

Na prática, isto significa que a indústria busca exclusividade quando ela financia o projeto e corre o risco. As garantias do retorno do investimento à indústria se dão através da exclusividade e de uma sólida PI, fatores que asseguram a reserva de mercado. Realmente, não faz sentido uma empresa (ou conjunto de empresas) fazer investimentos de alto risco no projeto e outras que não se arriscaram se beneficiarem dos mesmos frutos. Com a reserva de mercado a empresa que investiu tem condições de recuperar seus investimentos.

Há debates a respeito da exclusividade. Há quem diga que esta é prejudicial à sociedade (por exemplo, pela prática de preços abusivos da empresa que ganhou a reserva de mercado) e/ou à ICT (por exemplo, por impedi-la de utilizar a tecnologia exclusiva em projetos com outros parceiros). Entretanto, isto pode não ser verdade. A exclusividade pode ser praticada de forma que todos ganhem, se for concedida na medida certa: pelo tempo necessário, na área geográfica e aplicações bem definidas, ao parceiro adequado e segundo as demais condições materializadas através das diretrizes expostas neste Capítulo.

A ICT deve negociar com a empresa e entender seus planos de comercialização para a tecnologia em questão. Conceder à empresa uma licença para exploração nos países de interesse apenas, dá à ICT a oportunidade de licenciar outros parceiros nos demais países. Este tipo de exclusividade, delimita o território no qual o licenciado terá autorização para vender o produto, sendo uma exclusividade por área geográfica. Este tipo de exclusividade determina se o licenciado terá de dividir o território com outros licenciados para os mesmos produtos (MAHONEY, 2004).

A empresa pode requerer uma licença de exploração comercial mundial (para explorar o produto comercialmente em quaisquer países do planeta). Entretanto, sabe-se que, na verdade, a empresa irá explorar a tecnologia em apenas um conjunto determinado de países. Portanto, a licença exclusiva por área geográfica é justa e não prejudica a empresa e nem a ICT.

O contrato de licenciamento com exclusividade por área geográfica, normalmente estabelece um prazo para que a empresa licenciada escolha os países onde irá operar. Decorrido o prazo de escolha dos países, a empresa fica sem exclusividade nos demais e a ICT fica livre para licenciar terceiros nestes outros países.

Há também a exclusividade por área de aplicação. Nesta situação, uma tecnologia que pode ser aplicada em diferentes áreas, pode ser licenciada com exclusividade a diferentes empresas, uma em cada área de aplicação.

Somaya et al (2011) afirmam que a motivação para se limitar a exclusividade (por aplicações ou territórios) é minimizar os riscos contratuais do licenciante, no caso de tecnologias imaturas com aplicações não claras e incertas, que limitam a precisão com que as provisões e salvaguardas contratuais sejam escritas e enforced (definição de metas de comercialização, valoração destas tecnologias embrionárias e avaliação da performance do contrato são os principais pontos citados pelos autores como imprecisos, neste estágio).

Entretanto, aqui neste trabalho, a motivação principal na delimitação da exclusividade é outra: evitar que o licenciado (a empresa) deixe a tecnologia parada na prateleira, para aplicações e territórios que não lhe interessem (por exemplo, devido à baixa atratividade destes mercados para a empresa ou por incapacidade de explorá-los). Assim, para estas outras aplicações e territórios, o licenciante (a ICT) deve buscar licenciar outros parceiros, maximizando, desta forma, o uso da tecnologia, para todas as aplicações e territórios possíveis.

Outra diferença é que, no Brasil, não é frequente licenciar uma tecnologia embrionária isoladamente. Normalmente a parceria ICT-indústria consiste em um co-desenvolvimento da tecnologia embrionária (ao invés de deixar o desenvolvimento todo a cargo da empresa), com licenciamento dos resultados obtidos (tecnologia amadurecida, demonstrada –

foreground IP) e da tecnologia original (background IP), além do know-how da ICT, que

pode ser de grande valia. Neste acordo de co-desenvolvimento, deve ser previsto um prazo, contado do término do projeto (no CTBE, pratica-se cerca de 2 anos), para a empresa refletir e decidir sobre suas possibilidades de comercialização. Como neste estágio a tecnologia está mais madura e há maior clareza de informações, a empresa terá maior segurança para tomar decisões. Dentro deste prazo a empresa deverá informar os países de interesse, liberando os demais, para a ICT explorar com outros parceiros. A mesma lógica (de tomada de decisões

importantes depois da tecnologia estar demonstrada) pode ser utilizada na definição das aplicações possíveis, das metas de comercialização, etc. É importante observar que, a licença comercial para a empresa normalmente passa a vigorar após o término do projeto de co- desenvolvimento, quando a tecnologia não é mais embrionária. Portanto, apesar de Wood (2009) e Somaya et al. (2011) afirmarem que a maioria das tecnologias são licenciadas pelas ICTs em um estágio muito inicial do desenvolvimento, esta não é a situação mais frequente no Brasil. Práticas como estas, aliadas às demais diretrizes apresentadas neste Capítulo, mitigam os riscos contratuais levantados por Somaya et al (2011).

O tempo da exclusividade concedido à indústria, independentemente da área geográfica e da aplicação, deve ser limitado a um período após o qual a ICT deve poder explorar a tecnologia livremente com terceiros. Este tempo é normalmente o necessário para que a indústria recupere seus investimentos (no projeto e principalmente nas etapas subsequentes, como por exemplo, na construção de uma planta produtiva, para produzir o produto final resultante do projeto em escala comercial).

Independentemente do tempo de exclusividade, é importante sempre estabelecer um prazo para a empresa iniciar as vendas do produto, sob pena de perde-la. Por exemplo, a empresa pode ter dez anos de exclusividade e dois anos para colocar o produto no mercado. Isto evita que a tecnologia fique parada por dez anos na prateleira. Na exclusividade por área geográfica, uma boa prática é fazer este prazo valer para cada território escolhido. Não cumprindo este prazo, a empresa perde a exclusividade neste território somente.

Em geral, o licenciado deseja o mais alto nível de exclusividade possível (maior extensão possível do território, maiores possibilidades de aplicações, prazos maiores, etc.). Isto dá ao licenciado maiores oportunidades de explorar mercados, obter ganhos e manter os competidores distantes. Entretanto, na medida do possível, isto deve ser evitado para que as outras partes também maximizem seus benefícios (afinal, isto é uma parceria): a ICT, podendo utilizar a tecnologia em outros projetos com terceiros (em outros territórios, outras aplicações, etc.) e a sociedade, ampliando suas chances de fornecimento e qualidade dos produtos.

Outro ponto importante a ser incluído nos contratos de licenciamento, é uma provisão para que o licenciado perca a exclusividade, caso não esteja fornecendo o produto ao

mercado adequadamente (com a qualidade necessária, atendimento à demanda, provendo assistência técnica, etc.).

De um modo geral, as licenças exclusivas são mais caras (o licenciante pode cobrar mais por elas) do que as licenças não exclusivas. A razão disto é que, dada a reserva de mercado, a exclusividade proporciona vendas de maiores margens para o licenciado. Correspondentemente, as licenças não exclusivas geram um ambiente competitivo para a mesma tecnologia devido à presença de outros licenciados no mercado, acarretando a redução dos preços e margens, da capacidade de pagar royalties e até de obter um retorno justo pelos investimentos (RAZGAITIS, 2003).

A concessão de exclusividade, entretanto, nem sempre é imediata. No Brasil, as ICTs públicas não podiam conceder licença exclusiva de tecnologias concebidas exclusivamente por elas próprias (exclusivamente com recursos públicos, sem investimentos de um parceiro privado) sem antes fazer um edital, divulgando a tecnologia ao mercado, conforme estabelecido pela Lei de Inovação (Lei no 10.973/2004 e decreto no 5.563/2005). A partir de

2016, com a nova Lei, no 13.243 de 11 de janeiro de 2016, felizmente isto caiu por terra. As

ICTs públicas precisam somente publicar extrato descrevendo a oferta tecnológica em seu sítio eletrônico. Atualmente, nenhuma legislação é aplicável às ICTs privadas, como é o caso do CNPEM/CTBE, por exemplo.

Nos EUA (Reichman, 2007), o NIH (National Institute of Health) também tem dificuldade em dar licença exclusiva. A condições de exclusividade desejadas têm de ser justificadas claramente pela empresa, analisadas e aprovadas pelo NIH e publicadas no Federal Register (um tipo de Diário Oficial, também existente em meio eletrônico). O NIH preocupa-se em dar a exclusividade na medida do necessário somente.

Entretanto, quando o projeto de pesquisa e desenvolvimento é realizado em conjunto com a empresa e é assinado o CRADA (Cooperative Research and Development Agreement), o parceiro já passa a ter direito a uma licença exclusiva, eliminando a publicação. Apesar de ter o direito pela lei, o NIH tem de aprová-lo. No Brasil, o projeto conjunto também dá ao parceiro da indústria o direito à exclusividade (Lei no 10.973/2004 e

decreto no 5.563/2005e Lei no 13.243 de 11/01/2016).

A licença cruzada ocorre quando duas (ou mais) empresas licenciam suas PIs uma à outra. Por exemplo, alguém aprimora uma tecnologia de propriedade de um terceiro

(primeiro titular) e a patenteia (segundo titular), gerando uma patente dependente, com diferenciais e maior potencial de mercado. Desta forma, para poder operar, o segundo titular precisa da licença do primeiro titular. O primeiro titular, entretanto, tem interesse na patente dependente, de maior potencial de mercado. Desta forma, o primeiro titular concede uma licença da sua patente mãe ao segundo titular e o segundo titular concede uma licença da sua patente dependente ao primeiro titular.

Licenças podem ser concedidas tanto para uso como para exploração comercial. No caso da, o licenciado utiliza a tecnologia objeto da licença internamente, pois esta não resultará em um produto vendável para o licenciado, como é no caso das licenças de exploração comercial. Como exemplo de licença de uso, pode-se citar a licença de uma tecnologia de licença de uso tratamento de efluentes, concedida a uma fábrica de perfumes. Os perfumes são os produtos que a empresa explora comercialmente. A tecnologia de tratamento de efluentes é para uso interno somente.

Independentemente do tipo da licença, outra prática importante é garantir à ICT o uso gratuito, dos resultados do projeto conduzido em parceria com a indústria, para dar continuidade às suas pesquisas. Caso a contribuição financeira e/ou intelectual da indústria tenha sido substancial, a ICT pode conceder à empresa o direito de primeira recusa ao licenciamento dos resultados obtidos.

Diretriz no 7: O tempo de exclusividade deve, sempre que possível, ser limitado ao tempo

necessário para a empresa recuperar os investimentos em P&D, preparação para produção e comercialização.

Diretriz no 8: A exclusividade deve ser concedida somente nos territórios e aplicações que

serão explorados pela indústria.

Diretriz no 9: Licenças exclusivas devem estabelecer um prazo para a empresa iniciar as

Diretriz no 10: Acordos de licenciamentos exclusivos devem prever que o licenciado

perderá a exclusividade caso o produto não esteja sendo fornecido adequadamente ao mercado.

Diretriz no 11: à ICT deve ser garantido o direito ao uso gratuito, dos resultados do

projeto conduzido em parceria com a indústria, para dar continuidade às suas pesquisas. Caso a contribuição financeira e/ou intelectual da indústria tenha sido substancial, a ICT pode conceder à empresa o direito de primeira recusa ao licenciamento dos resultados obtidos.

As delimitações da exclusividade, conforme as diretrizes 7 a 10, são especialmente importantes quando o desenvolvimento da tecnologia conta com a participação substancial de fundos do governo e/ou da ICT. Nem todas as ICTs no Brasil utilizam estas práticas ainda, talvez por desconhecimento ou por não terem tido a oportunidade de experiênciá-las.